O Rio de Janeiro vive um conflito armado, e operações policiais são essenciais para que o Estado reestabeleça sua soberania nos territórios ocupados por facções.

Mas a operação de ontem no Complexo do Alemão — que além de não recuperar o território em questão não é parte de uma ação ampla do poder público para mudar as condições de vida da população afetada pelos criminosos — não ajuda muito.

O Rio vive hoje um conflito armado não internacional (CANI), ou seja, um enfrentamento prolongado entre o Estado e grupos irregulares que possuem capacidade média de combate e têm no controle de territórios a sua principal fonte de receita.

Ao controlar uma comunidade, os criminosos podem, entre outras coisas, vender serviços superfaturados e produtos roubados ou contrabandeados — práticas que lhes conferem mais retorno financeiro do que o próprio tráfico de drogas.

Além do lucro, as facções também usam seu controle territorial para criar bunkers quase intransponíveis e cercear a liberdade de ir e vir da população, atentando contra a soberania nacional.

Para lidar com essas práticas criminosas — que em qualquer outro lugar do mundo são tratadas como terrorismo — ações policiais comuns e a aplicação do Código Penal brasileiro não bastam.

Operações que visam a recuperação dos territórios controlados são, sim, essenciais — mas para isso precisamos de um planejamento robusto e de uma atualização da legislação brasileira, que hoje limita até mesmo a possibilidade de policiais atirarem contra indivíduos armados.

Outra mudança necessária é o fim do Tribunal do Júri para crimes de homicídio praticados por facções, à medida que a formação de júris em áreas dominadas pelo crime é inviável. 

Já a Lei de Execuções Penais deveria ser de responsabilidade dos estados, permitindo que cada unidade federativa estabeleça suas próprias regras prisionais com base em suas realidades.

O governo federal, que tenta transferir o ônus do combate ao crime organizado aos estados, também precisa compreender o tamanho do problema e agir.

Reformar a nossa defasada Polícia Rodoviária Federal é um bom primeiro passo, já que, além de fazer fronteira com os maiores produtores de cocaína do mundo, hoje o País assiste a um livre trânsito de armas e drogas pelas estradas federais.

O Exército, por sua vez, auxilia com a cessão de equipamentos e blindados; e os municípios, agora munidos de guardas municipais mais estruturadas, podem colaborar no combate às facções.

No entanto, o planejamento precisa ir além do confronto. Retomados os territórios, o Estado precisa implementar programas de educação integral, reurbanização, esporte e lazer nos locais. 

O fracasso das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no início do século se deveu justamente à falta de ações sociais complementares após as operações.

A mera presença policial, sem a transformação da rotina da comunidade e a prisão dos criminosos ali presentes, não muda o status quo.

Para que essas mudanças ocorram, a sociedade civil deve cobrar os políticos, e a imprensa precisa narrar a totalidade dos fatos. Sem viés ideológico. Sem favoritismo.

Só assim o debate público e a compreensão da realidade pela sociedade e pelos próprios líderes políticos irão avançar.

Rodrigo Pimentel é ex-capitão do BOPE e consultor em assuntos de segurança pública.