O Brasil às vezes atravessa a rua para pisar na casca de banana.

Isso pode acontecer de novo, caso o Senado Federal aprove o Projeto de Lei 1.087 sobre tributação de dividendos na versão que recebeu da Câmara dos Deputados, nesse ponto igual à proposta original do governo federal.

Os debates acalorados sobre redistribuição da carga tributária como instrumento de justiça social são legítimos, mas têm abafado a análise de um ponto perigoso que ainda passa despercebido: a oneração direta e aguda do investidor estrangeiro.

Não se sabe se por ideologia, propósito ou descuido, a enxurrada de aumentos de imposto no atual governo mostra preferência recorrente pelo investidor de fora. A mesma lei de 2023 que mudou a tributação de investimentos offshore e fundos exclusivos revogou de soslaio a possibilidade dos estrangeiros apurarem ganhos em moeda forte ao venderem seus ativos no Brasil.

Como resultado, agora também pagam imposto sobre “ganhos” de mera desvalorização do real. Mais tarde, no primeiro aumento do IOF sobre câmbio, o governo tentou tributar em 3,5% as remessas para retorno de capital investido. Mais tarde foi obrigado a recuar. Agora, quer tributar em 10% os dividendos de qualquer residente no exterior.

Um observador mal-informado poderia aceitar a explicação simplista repetida pela equipe econômica, inclusive na sabatina desta semana no Senado. Dizem que a tributação seria “neutra”, pois o investidor compensaria o novo encargo ao calcular seu imposto corporativo no exterior.

Porém, isso não é verdade nos principais casos, mesmo que haja acordo tributário com o Brasil. Os EUA e todos os países europeus não costumam eliminar a dupla tributação de dividendos por compensação de créditos, mas via isenção. Logo, qualquer imposto brasileiro na fonte se torna um custo. Esses países representam pelo menos 82% do total de nossos investidores externos.

Vejamos a França, o terceiro maior investidor no Brasil. Caso o projeto seja aprovado, o investidor estratégico francês que receber dividendos de empresa nacional apenas poderá compensar, na melhor hipótese, crédito corresponde a 5% do imposto pago no Brasil.

Ou seja, de cada R$ 100 do novo imposto de dividendos, só recuperaria até R$ 5. Mesmo essa compensação é improvável, pois sujeita a condições muito restritivas. Tamanho impacto tem sido denunciado por diversas câmaras de comércio, mas ainda não sensibilizou nossos parlamentares.

Além de sobrecarregar o investidor estrangeiro, a proposta de tributação de dividendos merece outras críticas importantes. Por exemplo, ela não foi acompanhada pela redução da tributação corporativa, já nominalmente muito alta (34% contra a média de 20,53% nos países europeus). Ela pode retroagir sobre lucros apurados antes da lei entrar em vigor. Para evitar a tributação do passado, incentivará uma corrida para distribuições de lucros máximas ainda em 2025, gerando fuga de capitais ou litígios judiciais.

O novo imposto é mais oneroso para investidores externos, que pagariam imposto sobre qualquer valor, do que para os nacionais, quando nossa lei e tratados vedam discriminação do capital estrangeiro. Por outro lado, tributaria igualmente qualquer estrangeiro, não distinguindo os de longo prazo dos especulativos ou em paraíso fiscal. O imposto proposto não excepciona capitalizações de lucros. Estimula distribuição ao acionista contra o reforço financeiro da empresa nacional.

O governo argumenta que o novo imposto seria justo por prever um sistema de creditamento para investidores em empresas que tenham carga tributária efetiva muito elevada. Porém, na prática, esse creditamento será complexo, indefinido e improvável. Além disso, seu cálculo desconsidera impactos de regimes especiais e incentivos setoriais ou regionais, como aqueles do Norte (Sudam) e Nordeste (Sudene). Surpreenderá o investidor que acreditou no Brasil e punirá regiões ou setores que queremos fomentar.

A oneração tributária do investidor internacional não faz sentido para países importadores de capital. O investimento estrangeiro gera renda e empregos. Só na recente visita do Presidente Lula a Paris, 15 grupos franceses prometeram investir R$ 100 bilhões adicionais nos próximos anos. Para isso virar verdade, precisa haver segurança.

Chegou o momento do Senado apreciar o projeto de tributação de dividendos. Não deveria fechar os olhos e ouvidos para seus possíveis impactos no investidor externo.

O debate político sobre realocação da carga tributária é importante, mas pode ser um problema interno. No contexto atual, seria prudente onerar o investidor estrangeiro correndo o risco de desestimulá-lo? Em nossa visão, não. Deveriam continuar isentos os dividendos de investimentos estrangeiros de longo prazo e que não permitam compensação do imposto brasileiro.

Não é hora do Brasil tomar esse risco.

Hermano Notaroberto Barbosa é sócio do BMA Advogados, conselheiro da Câmara de Comércio e Indústria França Brasil (CCIFB/RJ) e diretor da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF).