Num relatório intitulado The Age of AI: Banking’s New Reality (“A era da inteligência artificial: a nova realidade dos bancos”), a Accenture estima que as instituições que saírem na frente no uso da IA generativa (GenAI) – isto é, da inteligência artificial capaz não apenas de organizar e analisar grandes volumes de dados, mas de produzir conteúdos novos a partir de comandos simples – devem ter um aumento de produtividade de 22% a 30% nos próximos anos.
Os números dão um sinal claro: embora nossa relação com o dinheiro já seja intermediada pela tecnologia, quase sempre com o apoio de uma IA, os avanços recentes no campo da GenAI indicam que estamos apenas no início de uma revolução mais profunda do setor financeiro.
Da digitalização, em larga medida já realizada, devemos passar à automação das instituições financeiras. Veremos nos próximos anos o surgimento do que gosto de nomear como “bancos invisíveis”.
Instituições financeiras já oferecem serviços com algum grau de automação, mas a IA generativa permitirá que os assistentes virtuais se tornem decisores e executores de movimentações com nosso dinheiro, sem a necessidade da intervenção de um gerente humano. O algoritmo é capaz de entender nosso perfil, aprender com nosso histórico financeiro e, a partir disso, resolver problemas, sugerir ações ou mesmo alocar recursos de maneira mais eficiente.
Esse cenário se deve em larga medida ao choque de competitividade trazido pelas fintechs. São empresas que já nasceram digitais e com uma proposta de oferecer a melhor experiência – e, portanto, as mais bem posicionadas para incorporar plenamente as ferramentas de GenAI aos seus serviços. Foram elas que começaram essa revolução dos “bancos invisíveis”, pois há anos tem provado que uma instituição 100% digital, sem agências físicas, pode ser mais confiável e eficiente.
Assim, num futuro próximo, ao invés de escolhermos um fundo de investimento dentre dezenas, a inteligência artificial poderá nos recomendar o mais adequado. Ao invés de um controle de gastos “na ponta do lápis”, uma IA pode planejar gastos semanais e já repartir nosso salário em categorias, baseadas na maneira como usamos o dinheiro nos meses anteriores. Ela também será capaz de cancelar a assinatura de serviços que não temos mais utilizado sem que nós precisemos entrar em contato com o atendimento da empresa. O app do banco, onde hoje executamos todo tipo de tarefa, deve se converter numa ferramenta sobretudo de acompanhamento, com o grosso das movimentações sendo executadas de forma automática. A IA generativa tem esse poder de gerar ecossistemas financeiros mais eficientes, mais individualizados e mais práticos.
O ritmo dos investimentos no setor confirma a tendência: segundo levantamento da IDC (International Data Corp.), uma consultora especializada em tecnologia, o gasto global com inteligência artificial deve atingir a marca de US$ 450 bilhões até 2027, sendo que as instituições financeiras são as que mais investem, respondendo por 13% do gasto total.
Isso não significa que inexistem obstáculos. Como toda tecnologia disruptiva, o modelo de “banco invisível” traz ganhos e desafios. Há claras vantagens do ponto de vista da segurança, por exemplo, já que movimentações financeiras mais independentes do controle humano são também menos suscetíveis a golpes e, como complemento, uma retaguarda robusta de IA pode identificar e bloquear comandos atípicos com mais facilidade.
Mas a automatização dos serviços financeiros também gera uma suspeição natural por parte do público com relação à agenda dessa IA generativa. Em outras palavras: o assistente virtual de um “banco invisível” está realmente me sugerindo – ou executando – o que é mais vantajoso para o meu patrimônio, ou propondo o que é melhor para a empresa? Trata-se de uma releitura, no século 21, da boa e velha pergunta: para quem o gerente do banco trabalha?
O receio é legítimo, e aqui não há solução mágica: é preciso investir em mecanismos para tornar cada vez mais transparente a relação entre instituições financeiras e seus clientes. Assim como o desafio da confiança nos “bancos digitais” foi vencido pelas fintechs, que hoje são parte integral do nosso ecossistema econômico, será preciso também vencer a resistência aos “bancos invisíveis”.
Uma coisa é certa: o futuro do setor financeiro passa pela IA generativa, e as empresas precisam estar à altura do desafio de incorporar essas tecnologias ao seu modelo, sobretudo aquelas que têm a inovação em seu DNA. Bem executada, com produtos acessíveis, fáceis de usar e transparentes, a automação dos serviços financeiros tem tudo para transformar para melhor nossa relação com o dinheiro.
Anderson Chamon é cofundador e vice-presidente do PicPay.