O Federal Reserve encerra o ano enfrentando um de seus períodos mais desafiadores desde a pandemia. A instituição opera sob um duplo mandato, equilibrando pleno emprego e estabilidade de preços, mas este ano esses objetivos caminharam em direções opostas: uma inflação resiliente em torno de 3% convive com uma desaceleração nítida do mercado de trabalho, marcada por revisões negativas significativas nos dados do payroll.
A estratégia inicial do Fed de orientar decisões pelos dados era apropriada em um ambiente de incertezas elevadas, amplificadas pelos choques tarifários. Mas essa postura exige uma narrativa clara, capaz de orientar como o Comitê interpreta os dados.
À medida que o mercado de trabalho dava sinais mais contundentes de enfraquecimento, a instituição deslocou o peso do seu diagnóstico. Jerome Powell reconheceu que a fragilidade do emprego passou a ter mais relevância do que a inflação persistente. Porém, a mudança de leitura ocorreu sem uma diretriz capaz de consolidar a visão do Comitê.

A situação se agravou com o shutdown, que interrompeu a divulgação de indicadores essenciais. Criou-se o paradoxo: o Fed dizia depender dos dados, mas os dados não estavam disponíveis. Nesse vácuo, e sem um direcionamento mais contundente, declarações individuais dos diretores do BC americano passaram a substituir a mensagem institucional.
A comunicação do Comitê fragmentou-se, revelando três grupos distintos: defensores de cortes diante da perda de fôlego do emprego, aqueles que insistiam nos riscos da inflação acima da meta e um grupo intermediário que oscilava entre admitir cortes e alegar que ainda não havia elementos suficientes para decidir.
Falas individuais passaram a direcionar mais do que a avaliação coletiva, vide a mudança das expectativas sobre corte de juros após falas do presidente do Fed New York, John Willians. Nas últimas semanas, o mercado tentou antecipar o comportamento de cada diretor indeciso, mas é uma tarefa difícil. Se o corte amplamente esperado não se confirmar, podemos ter uma volatilidade maior nos mercados, com impactos na curva de juros norte-americana.
Essa é a nossa maior crítica: o Fed não está se comunicando de forma adequada. Ao permitir que discursos individuais moldem as expectativas, o Comitê abriu espaço para volatilidade desnecessária e interpretações divergentes.
Estudos clássicos vão nessa direção. Blinder et al. (2008) mostram que a comunicação é um instrumento essencial da política monetária, capaz de mover mercados e ancorar expectativas — mas alertam que mensagens excessivas ou conflitantes reduzem sua eficácia. Já Deng, Xu e Tang (2024) demonstram que nuances no tom do discurso do presidente do Fed afetam de maneira estatisticamente significativa tanto as taxas de juros quanto os preços de ativos.
Em 2025, o ruído político adicionou outra camada de dificuldade. Críticas públicas da administração Trump, questionamentos a diretores e debates antecipados sobre a sucessão de Powell colocaram a independência formal da instituição sob tensão. Como alerta Rogoff (1985), interferência política ameaça credibilidade e eleva prêmios de risco.
Enquanto o Fed enfrentava esse ambiente fragmentado, o Banco Central do Brasil seguiu trajetória oposta. Desde a pandemia, a instituição tem mantido uma comunicação firme, identificando os riscos para a política monetária.
Em 2025, mesmo com episódios de preocupação inicial, como a indicação de Gabriel Galípolo à presidência, a prática prevaleceu. A gestão Galípolo, com os demais diretores, vem conduzindo a política monetária de forma cautelosa e adequada, reforçando a credibilidade institucional.
Em novembro, a Selic foi mantida em 15%, e o comunicado reforçou o tom firme. Em nossa visão, a flexibilização depende da convergência de três condições: hiato do produto negativo com desaceleração do mercado de trabalho, arrefecimento das medidas subjacentes de inflação e maior ancoragem das expectativas de inflação.
A consolidação desse processo deve ocorrer entre o fim deste ano e o início do próximo. Nossa expectativa é que, na reunião de janeiro, o Copom ajuste sua comunicação e prepare o terreno para o primeiro corte em março, de 0,50 ponto, dando início a um ciclo de afrouxamento gradual. Assim, esperamos uma Selic de 12,5% no fim de 2026.
Com a última Superquarta já à vista, o contraste de 2025 fica mais nítido. Enquanto o Fed segue dividido, o BC preserva sua consistência — e isso, na política monetária, costuma valer tanto quanto a própria taxa de juros.
Gustavo Sung é economista-chefe da Suno Research.











