Não há o que se discutir: existe um consenso sobre a necessidade de se fazer uma Reforma Tributária no Brasil. Mas não é possível imaginar uma reforma feita de cima para baixo, sem as discussões e debates apropriados.
Se no conceito a reforma é inquestionável, no conteúdo ela está carregada de equívocos e perguntas fundamentais que seguem sem resposta.
Vivemos numa Federação, onde estados e municípios carregam valores próprios, difíceis de serem contemplados numa reforma imposta por cabeças que se julgam iluminadas, mas que a formularam de costas para o Brasil real.
Temos uma legislação ultrapassada e complexa. É preciso reformar, claro. Mas não se pode fazer isso de forma simplista, tratando de forma igual entes federativos tão diferentes.
A Reforma Tributária não pode tirar a autonomia de estados e municípios. Transformar governadores e prefeitos em meros ordenadores de despesas, sem capacidade de planejar, formular e implantar políticas públicas de desenvolvimento.
A atual proposta de reforma carrega uma aura de atraso na medida em que promove mais concentração de recursos e poder na União. É uma espécie de “Mais Brasília, menos Brasil”. Do jeito que está, ela aprofunda as desigualdades regionais, inibe a industrialização no interior do país e gera desemprego.
O Censo do IBGE mostrou que as atuais políticas de desenvolvimento regional, mesmo com algumas imperfeições, têm funcionado. Centro-Oeste, Norte e Nordeste crescem acima da média nacional, reduzindo as desigualdades. O atual projeto de reforma acaba com isso, nivelando por baixo as perspectivas de avanço dos estados emergentes.
O projeto de reforma mexe apenas em 35% dos tributos do país. Desses, 64,8% são tributos de estados e municípios, que foram simplesmente alijados da discussão. Assim como os setores do agronegócio e serviços, que não tiveram a oportunidade de efetivamente sentar à mesa dos debates.
A atual proposta fere profundamente o setor de serviços, que representa cerca de 70% do PIB. Profissionais liberais serão duramente penalizados. E vai arrochar ainda mais os trabalhadores e a classe média na medida em que onera serviços como saúde e educação e, principalmente, a cesta básica. Existem regiões onde a tributação sobre a cesta básica pode até triplicar de valor.
Aí surge a equivocada história do cashback, que é um contrassenso. Não faz sentido nenhum aumentar tributação, cobrar do trabalhador e depois devolver de forma seletiva uma parte do imposto cobrado. A não ser que se olhe sob uma ótima eleitoreira, o que seria pior ainda.
A ideia do cashback vai na contramão do discurso de simplificação dos defensores do projeto, porque ela é complexa, burocrática, sujeita a fraudes e não beneficia nem a classe média nem os trabalhadores de baixa renda. O cashback estimula a informalidade, já que, para se candidatar a ele, o cidadão precisa estar no CadÚnico.
Observe ainda que os autores da proposta não têm informações concretas sobre como iria funcionar, por exemplo, o Fundo de Compensação dos Estados, um dos pilares do projeto. Por mais de uma vez, pedi simulações de como o Fundo funcionaria e não conseguiram explicar. Sob esse aspecto, portanto, seria um salto no escuro.
Temos que pensar numa Reforma Tributária. Mas ela precisa ser feita de forma fatiada, começando pelos tributos federais, onde reside o maior peso do Custo Brasil.
Depois disso, com muito diálogo e com os cálculos colocadas na mesa, poderíamos avançar para os impostos de estados e municípios, tomando o devido cuidado para não prejudicar segmentos econômicos. Não podemos escolher ganhadores e perdedores. A conta tem que fechar para todos.
Ronaldo Caiado é governador de Goiás.