A tragédia que assola o Rio Grande do Sul tem proporções imensuráveis.

Além das perdas humanas, exigirá a reconstrução de cidades inteiras. Os governos não resolverão o problema sozinhos. A sociedade civil pode, quer e deve ajudar, como já fez em outros momentos agudos.

Em meio a notícias desoladoras, manifestações de solidariedade nos trazem alento e esperança. Elas incluem doações em dinheiro e em bens, que deveriam ser celebradas — mas também estimuladas.

Para isso, o caminho natural seria uma ampla desoneração tributária ou, pelo menos, que impostos não sejam entrave.

Em 2020, no auge da crise da covid-19, publicamos com colegas tributaristas o guia Repensando a filantropia sob a ótica fiscal, com sugestões de aprimoramentos à nossa legislação. Desde então ocorreram avanços, mas alguns alertas seguem atuais.

Entidades filantrópicas dependem de doações e, para recebê-las, é preciso segurança na tributação, inclusive para doadores. Há muito defendíamos que a solução seria uma uniformização do imposto estadual de doação (ITD) em sede nacional com garantia da isenção mediante requisitos claros. Esse passo foi dado na reforma tributária aprovada em dezembro, que passou a garantir a não incidência do ITD nas doações a instituições sem fins lucrativos com finalidade de relevância pública e social. Mas ainda não é suficiente.

Despesas com doações relacionadas a calamidades como a atual deveriam ser totalmente dedutíveis na apuração do imposto de renda das empresas. Porém, isso não é claro. Como regra, a lei tributária veda a dedução de doações, exceto se estiverem abaixo de 2% do lucro operacional e forem feitas a entidades civis sem fins lucrativos.

Fora desse limite, a dedutibilidade requer que o pagamento configure despesa necessária à atividade da empresa e manutenção da fonte produtora. No contexto calamitoso encontrado no Rio Grande do Sul, essa caracterização nos parece ser evidente. A pessoa jurídica empresária tem função social reconhecida por lei. Doações salvam vidas, aceleram a retomada da economia e, por que não?, promovem a imagem do doador.

Negar a dedutibilidade da doação equivaleria a tributá-la.

Os desafios existem também na doação em bens.

Os Estados podem isentar de ICMS as doações a entidades governamentais ou a entidades assistenciais reconhecidas como de utilidade pública, para assistência de vítimas de calamidade pública declarada. Mesmo assim, a desoneração é limitada a situações e beneficiários específicos. Nos casos não abrangidos, pode incidir ICMS sobre o valor do bem doado, inclusive com risco de arbitramento pelo fisco do valor de mercado. Ou seja, o contribuinte doa bens e paga imposto sobre seu ato. Também aqui a reforma tributária foi positiva, prometendo desoneração ampla na doação em bens dos tributos que, em alguns anos, substituirão o ICMS e o IPI. Porém, ela ainda não está em vigor e as doações precisam ser feitas já.

Culturas de filantropia não nascem por acaso. São construídas no tempo, recuam na incerteza e crescem com estímulos. Qualquer taxação dessas operações configura apropriação ilegítima pelo governo da generosidade privada. É fundamental destravar iniciativas de filantropia empresarial mediante plena desoneração dessas doações quanto à incidência de qualquer tributo.

Hermano Notaroberto Barbosa é sócio do BMA Advogados, professor universitário, diretor da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) e conselheiro da Câmara Francesa de Comércio e Indústria (CCIFB).