O presidente do Banco Central declarou recentemente que o crédito rotativo pode acabar. Segundo ele, o BC apresentará uma “solução” para essa modalidade de crédito, dadas as elevadas taxas de juros e de inadimplência.
O que isso tem a ver com a concorrência bancária?
No Brasil, por um lado, há um oligopólio bancário, uma vez que 82% do crédito encontra-se nas mãos de apenas cinco bancos. As taxas de juros, por sua vez, são elevadas.
Há estudos que mostram que a concentração bancária explica os juros altos, como prevê a literatura especializada em antitruste, mas há outros que negam.
Independentemente das pesquisas, o BC tem introduzido concorrência em segmentos do mercado financeiro, e espera-se que o mesmo seja feito no caso do crédito rotativo.
Como se sabe, o crédito rotativo é tomado pelo portador do cartão de crédito quando ele não paga integralmente a fatura na data de vencimento. A diferença entre o total devido e o que foi pago se torna automaticamente um empréstimo. Por lei, desde 2017, após um mês no crédito rotativo, ou o devedor paga todo o saldo devedor ou o banco tem que oferecer uma linha de crédito com taxa de juros mais barata – hoje, de 9,5% ao mês.
Os juros do crédito rotativo são, de fato, preocupantes: 15% ao mês ou 446% ao ano. A inadimplência é alta e crescente: 50% em 2022, vis-à-vis 28% em 2021. Ainda que a relação de causalidade entre juros elevados e alta inadimplência não seja clara (há estudos para ambos os lados), se o cidadão não paga a sua fatura em dia, cobrar dele juro mensal de 15% no mês seguinte pode tornar a conta impagável e, assim, virar uma bola de neve.
Na outra ponta tem o lojista. Quando ele vende um bem e o comprador parcela o pagamento no cartão, independentemente da sua estratégia comercial na operação (se à vista ou parcelada, com ou sem juros, com ou sem desconto), o lojista, com o objetivo de melhorar seu fluxo de caixa de hoje, vende os recebíveis a uma terceira parte, as empresas adquirentes ou as chamadas “maquininhas”.
O custo dessa operação para os lojistas está, hoje, em 1,45% ao mês. Os bancos também oferecem aos lojistas linhas de antecipação de recebíveis, mas cobram juros bem mais altos, entre 8% e 10% ao mês. O fato é que as adquirentes são competitivas e isso deve incomodar os bancos.
O custo do parcelamento das compras sem juros é do lojista. Logo, seu custo total é o quanto ele deixa de ganhar se o portador do cartão pagar as parcelas com juros, acrescidas do quanto ele paga pela antecipação dos recebíveis.
Outro custo do lojista é com a tarifa de intercâmbio, preço que a adquirente paga ao banco para usar a maquininha. Este valor é maior quando o comprador parcela a compra, considerando aí o risco de o cidadão não honrar os pagamentos ao longo do tempo. Ou seja, o banco é remunerado (acima do que seria sem o parcelamento) pelo risco do não pagamento à vista.
A Febraban pede o fim do parcelamento sem juros, alegando que esta prática aumenta o risco da operação e da inadimplência. Alega que é preciso diluir os riscos na cadeia, uma vez que os juros pagos pelos devedores do rotativo são elevados para compensar a não incidência de juros no parcelamento (um subsídio cruzado). É difícil entender esse argumento.
De fato, o lojista transfere para os adquirentes o direito de receber dos bancos emissores de cartão de crédito, mas mantém o risco da operação nos bancos, uma vez que os cartões são concedidos a clientes das instituições bancárias. Ocorre, contudo, que, a despeito das condições de venda do lojista, o limite do cartão de crédito é feito pelo banco ex-ante, quando da sua análise de risco de crédito de seu cliente.
O banco é responsável, destarte, pela definição do limite de crédito dos cartões de seus clientes. Além disso, quando o consumidor opta por parcelar o pagamento, a taxa de intercâmbio é maior porque incorpora o risco adicional do parcelamento.
A elevada inadimplência não parece ter relação, portanto, com o parcelamento sem juros. Pode decorrer, pois, de análises mais permissivas dos bancos quando da concessão de crédito a seus clientes.
De 2018 a 2023, o volume de cartão de crédito aumentou de 99 milhões para 210 milhões, enquanto a inadimplência subiu de 45% para 54%. Some-se a esse argumento o fato de que o brasileiro tem preferência por parcelar suas compras sem juros. A metade do valor total pago no cartão de crédito (quase R$1 trilhão) é parcelado. Por essa razão, os lojistas não querem extinguir a opção do parcelamento sem juros.
São compreensíveis as justificativas da Febraban, mas é preciso observar que a existência de concorrência incomoda. Talvez a questão não seja o parcelamento sem juros, mas a tentativa de eliminar concorrentes: neste caso, as adquirentes de recebíveis dos lojistas nas compras parceladas de seus consumidores.
Com a “Agenda BC+”, sucedida pela “Agenda BC#”, o BC tem tomado iniciativas, desde 2016, para estimular a competição não apenas entre os bancos que já atuam no mercado, mas também para atrair novos atores. Dentre as cinco dimensões mencionadas pela autoridade, uma é justamente “incentivar a concorrência”.
Não foi à toa que diversas fintechs se instalaram no país. O PIX foi implementado e o open banking/finance começou a funcionar. Outra iniciativa é a “tokenização” de ativos. Usando tecnologia DLT em plataforma blockchain, a novidade introduzirá o DREX em 2024, um mecanismo que facilitará a realização de transações com contratos inteligentes de ativos não-financeiros, sem risco de contraparte.
O papel do BC e do CADE é diminuir as barreiras à competição. Espera-se, assim, que a agenda BC# continue a focar na introdução de maior concorrência. Dentre outras ações, o BC poderia fomentar o compartilhamento de dados (open finance), introduzir a portabilidade de crédito rotativo e desenvolver o mercado secundário com autorregulação. Provavelmente, as taxas de juros diminuirão.
Cristiane A. J. Schmidt é professora, consultora e colaboradora do Instituto Millenium. Foi secretária da Economia de Goiás, conselheira do CADE e secretária adjunta da SEAE.