A epidemia do covid-19 representa um choque adverso considerável sobre a economia global. Depois de impor um choque sobre a oferta, com a disrupção nas cadeias produtivas mundiais, intensamente dependentes da China, o fenômeno transmutou-se em um imenso abalo à demanda, principalmente em função das medidas restritivas à movimentação de pessoas adotadas ao redor do mundo.


A falta de acordo do cartel da OPEC+ na primeira semana de março ajudou a acentuar a crise, apertando ainda mais as condições financeiras globais e amplificando a potência do canal da confiança sobre a economia, além de aumentar os efeitos desinflacionários do abalo. 

A violência do choque não deixa dúvidas de que a economia global experimentará uma breve recessão no primeiro semestre de 2020.

O impacto sobre a economia brasileira será muito significativo, mesmo que a extensão das medidas restritivas a ser adotadas pelas autoridades locais venha a ser menor do que as observadas no hemisfério norte. Nossa estimativa de crescimento para o ano passou a ser de 1%, e os riscos a esta projeção nos parecem assimétricos para baixo.

O governo, corretamente, já anunciou as primeiras medidas de suporte, incluindo mais recursos do orçamento para a saúde e a antecipação do 13º para aposentados. A situação fiscal do Brasil, no entanto, deixa pouco espaço para a adoção de impulsos fiscais significativos, ainda que a meta fiscal do ano possa ser flexibilizada diante da magnitude do choque.

Neste contexto, é fundamental que as autoridades ajam para distensionar as condições financeiras. O Tesouro Nacional reagiu rápido e anunciou leilões de recompra de dívida pública, limitando a inclinação da curva de juros e contribuindo para o relaxamento das mesmas. Outro componente importante das condições financeiras é a taxa de câmbio. No atual ambiente de aversão a risco, a moeda brasileira, que já vinha exibindo depreciação mais intensa do que as demais moedas de países emergentes, acentuou sua perda de valor e tende a seguir frágil.

A redução dos juros e a desalavancagem externa da economia brasileira são processos saudáveis e que vinham explicando em parte o movimento de depreciação do real. Todavia, a volatilidade excessiva do câmbio limita o efeito da queda da taxa de juros básica sobre as condições financeiras, na medida em que alimenta a inclinação da curva de juros. 
 
A moeda fraca torna ainda elevado o preço do investimento e reduz a renda relativa das famílias, tendo um efeito contracionista líquido sobre a economia. Adicionalmente, de forma distinta de outras ocasiões — em que não havia ancoragem de expectativas de inflação e em que a ociosidade dos recursos de produção era menor — a depreciação da moeda tende a gerar, agora, repasse mínimo à inflação. 
 
Sendo assim, após os desdobramentos das últimas semanas, nossas projeções de inflação se situam em 2,5% para 2020, e em 3% para 2021 — valores significativamente abaixo da meta de inflação, nos dois casos.  

O quadro, assim, é de atividade econômica global e local em perspectiva de ingresso em (curta) recessão, e inflação abaixo da meta, no horizonte relevante para a política monetária. Nos últimos 3 anos, os núcleos da inflação mantiveram-se próximos ao piso inferior da meta, e o crescimento do PIB se situou em torno de 1%. Não vinham sendo observados sinais robustos nem de aceleração consistente da economia, nem qualquer sinal de elevação de inflação, mesmo após a enorme redução praticada nos juros reais, que passaram de cerca de 7% em 2016 para 1%, atualmente. 
 
Nessas circunstâncias, que incluem ainda risco de descumprimento da meta de inflação (que pode ficar abaixo do limite inferior de variação em 2020), a melhor resposta da política monetária seria realizar um ajuste relevante e pontual no grau de estímulo à economia, reduzindo em pelo menos 75 ou 100 bps a taxa básica de juros. Seria recomendável, ainda, uma mudança na comunicação e na implementação da mesma, que deveria, na nossa visão, focar menos em variáveis não observáveis, de difícil estimativa, como hiato do produto e juros neutros de equilíbrio, e mais em variáveis observáveis. Quaisquer e quão pouco robustas fossem as estimativas destes conceitos pela autoridade monetária, o choque em curso as tornou ainda mais incertas. O juro neutro de curto prazo — aquele relevante para a política monetária — está, por outro lado, significativamente menor em relação a qualquer estimativa feita há apenas algumas semanas.  

Na nossa visão, a mudança drástica no quadro exige que o Banco Central use todos os seus instrumentos para transmitir o relaxamento prescrito na política monetária às condições financeiras. Além das corretas medidas de ampliação de linhas de liquidez, já pre-anunciadas pela autoridade monetária, este processo passa, em nosso entendimento, por limitar a depreciação e a volatilidade da taxa de câmbio. A política de intervenções esporádicas neste mercado praticada nos últimos dias não é, em nossa opinião, a melhor forma de viabilizar esta operação. O estabelecimento de um programa de venda de dólares – em tamanho relevante, como pelo menos US$ 50 bi — cumpriria esse papel com muito mais propriedade. 
 
A combinação de corte agressivo nos juros, apoiada por venda mais intensa de dólares, torna-se ainda mais recomendável quando levamos em conta a natureza claramente temporária do choque global em curso, e o tamanho de nossas reservas – mais de 20% do PIB — um seguro valioso para ser utilizado em situações como a atual.

O apoio amplo da política monetária ao distensionamento das condições financeiras — e à retomada do crescimento, à frente — é urgente diante do espaço limitado para a prática de política fiscal anticíclica. Neste contexto, é importante que seja feito onde existe razoável espaço – na política monetária — exatamente para que não termine sendo feito onde pouco existe — na política fiscal, o que traria consequências indesejáveis.
 

Pedro Jobim é sócio-fundador da Legacy Capital e PhD em economia pela Universidade de Chicago.