O desafio enfrentado hoje pelas corporações de capital aberto vai além das oscilações do mercado ou das questões legais que podem surgir. O verdadeiro perigo reside nas sombras: a deterioração da confiança, que se instala quando existe um descompasso entre o que é proclamado e o que é realmente praticado.

No século XXI, a reputação se consolidou como um ativo essencial. Embora não figure diretamente nos balanços patrimoniais, ela exerce um impacto significativo sobre o valor que o mercado atribui à companhia.

Este patrimônio intangível está no centro de uma nova estrutura organizacional: o compliance transformativo. Este conceito vai muito além de um mero conjunto de regras; trata-se de uma inteligência ética que permeia toda a organização, capaz de prever crises e proteger a legitimidade da empresa, fundamentando decisões estratégicas em princípios de integridade.

A diferença em relação aos modelos anteriores de conformidade é marcante. Enquanto estes se limitavam a protocolos rígidos e relatórios automatizados, o novo modelo exige uma abordagem mais integrada, estratégica e humana. Ele se estrutura em torno de um compliance officer independente, com reconhecimento técnico e certificações internacionais, dotado de autonomia funcional e inserido nos conselhos de administração e na interlocução direta com o CEO. O alinhamento entre integridade, reputação e decisões estratégicas passa a ser um critério de governança moderna.

No entanto, não se trata de exigir perfeição institucional. Empresas são compostas por pessoas, e erros são inevitáveis. O que diferencia uma organização madura é sua capacidade de reconhecer falhas com rapidez, agir com autenticidade nas relações com consumidores e stakeholders, e manter coerência com os valores que proclama no mercado. A velocidade na resposta e a legitimidade da reparação são os novos critérios de avaliação pública. A ética, nesse cenário, deixa de ser uma meta inatingível e passa a ser uma prática viva, perceptível e confiável.

Na prática, esse novo paradigma de compliance se revela em momentos decisivos. Diante de uma operação estatal iminente ou de um procedimento investigativo ainda embrionário, empresas que adotam o modelo transformativo são capazes de realizar diagnósticos internos ágeis e robustos, identificar os atores envolvidos, promover afastamentos imediatos e, sobretudo, buscar de forma proativa e coordenada um acordo com múltiplas instâncias reguladoras — antes que o litígio se consolide.

Isso permite à empresa assumir publicamente seus erros, demonstrar correção institucional e preservar sua legitimidade no mercado. O efeito simbólico e reputacional dessa reação precoce é incomparável ao modelo tradicional, que muitas vezes empurra a empresa para um enfrentamento judicial prolongado, com custos reputacionais e econômicos irreversíveis.

Além disso, o poder investigatório do compliance transformativo, ao se estruturar com autonomia, fortalece a vigilância ética sobre o ambiente concorrencial. Em setores altamente expostos à concorrência desleal, ele se torna um instrumento para identificar práticas abusivas, proteger sua integridade estratégica e até induzir mudanças regulatórias em defesa de mercados mais justos.

Esse modelo exige também sensibilidade cultural. O compliance global não pode se limitar à importação de códigos de conduta ou normas de matriz estrangeira sem aderência às realidades locais. A eficácia do sistema depende da integração com os valores e os códigos simbólicos da cultura organizacional em que está inserido, reconhecendo a diversidade jurídica, social e institucional.

Ao mesmo tempo, o mundo corporativo vive sob a regência de normas transnacionais — como as oriundas da OCDE, FCPA, UK Bribery Act — que impõem padrões mínimos de integridade e transparência, exigindo das empresas uma capacidade adaptativa e multilocal. O compliance transformativo, portanto, opera entre dois eixos: a internalização autêntica da ética e a aderência pragmática às exigências globais.

A formação contínua e o treinamento em compliance são igualmente essenciais para garantir que cada membro da equipe compreenda suas responsabilidades e o papel fundamental da integridade nas atividades diárias. Nesse cenário, a comunicação clara e transparente sobre diretrizes e expectativas é de suma importância para cultivar um ambiente onde todos se sintam à vontade para relatar comportamentos inadequados, sem temer represálias.

A tecnologia também é uma aliada valiosa na construção de uma estrutura sólida de integridade. Sistemas de monitoramento automatizados e ferramentas de análise de dados facilitam a identificação de irregularidades em estágio inicial, permitindo intervenções rápidas e eficazes. A implementação de soluções de compliance digital pode não só aumentar a eficácia das auditorias, mas também melhorar a rastreabilidade das ações empresariais, reforçando a confiança de todos os stakeholders.

Dessa forma, a infraestrutura estratégica da integridade vai além de um simples componente administrativo; ela se revela um diferencial competitivo significativo, protegendo e valorizando a empresa em tempo real. Isso não só beneficia a organização como também contribui para um ambiente de negócios mais ético e confiável.

Fábio Medina Osório é advogado, ex-Ministro da Advocacia Geral da União e presidente do Instituto Internacional de Estudos do Direito do Estado.