O Brasil vive um momento singular em sua infraestrutura rodoviária. Em apenas dois anos e meio, 16 leilões já contrataram R$ 170 bilhões em investimentos nas concessões rodoviárias federais, e a expectativa é alcançar R$ 300 bilhões até o final de 2026.

Trata-se do maior ciclo de investimentos já visto no setor, atraindo capital privado, ampliando a qualidade da malha viária e transformando rodovias em corredores de desenvolvimento logístico e plataformas multisserviços.

Essa agenda, conduzida pelo Ministério dos Transportes, mostra ao mundo a capacidade do Brasil de planejar, atrair investidores e executar um programa de infraestrutura em escala continental.

Neste contexto, é impossível ignorar a necessidade de se modernizar também o modelo de pedágios. Hoje as praças físicas ainda respondem por 10% a 15% do custo operacional das concessões, onerando a tarifa e comprometendo a fluidez do tráfego. Além disso, cerca de 15% da receita do setor ainda é processada em papel moeda, o que aumenta os riscos de segurança, inadimplência e encarece o financiamento dos projetos.

O free flow, o sistema de cobrança eletrônica por fluxo livre, é a resposta tecnológica a este desafio. Nele, o motorista não precisa parar ou reduzir a velocidade, e a cobrança é feita de forma proporcional ao trecho percorrido. Isso amplia a base de contribuintes, reduz distorções e aumenta a justiça tarifária. Mais importante: a digitalização completa da receita, integrada ao sistema bancário (PIX, débito automático, carteiras digitais), fortalece os mecanismos de garantia bancária e reduz o custo de capital, permitindo taxas de financiamento mais baixas e mais investimentos em obras.

Os ganhos econômicos e ambientais são expressivos. A adoção plena do free flow pode reduzir em até 40% os custos operacionais da cobrança de pedágio, permitindo uma diminuição efetiva das tarifas em torno de 5% a 10% para o usuário.

No campo ambiental, a eliminação do “stop-and-go” típico das praças físicas reduz o consumo de combustível e pode gerar uma queda de 15% a 20% nas emissões de CO2 nas áreas de pedágio, alinhando o setor rodoviário às metas globais de sustentabilidade. Além de tarifas mais baixas, o modelo traz mais fluidez ao tráfego, reduz sinistros e melhora a previsibilidade das viagens, aumentando a competitividade do transporte de cargas e a eficiência da logística nacional.

Para viabilizar essa transformação, foi necessária uma atualização regulatória robusta. A Resolução CONTRAN nº 1.013/2024 e a Portaria SENATRAN nº 442/2025 estabeleceram o marco normativo do free flow, agora denominado Pedágio Eletrônico no Brasil, inclusive para os entes subnacionais – sendo toda a sinalização padronizada no País, garantindo uniformidade de entendimento para os motoristas, seja nas rodovias federais, estaduais ou urbanas.

A inovação está na criação de um hub nacional de interoperabilidade que unifica informações de concessionárias federais e estaduais e centraliza passagens, pagamentos e contestações.

O cidadão acessa tudo pela Carteira Digital de Trânsito (CDT), pelo Portal de Serviços ou pelo E-frotas, enquanto concessionárias, transportadoras e locadoras integram seus sistemas diretamente à SENATRAN. Essa arquitetura garante neutralidade, transparência e praticidade, além de reduzir os custos de integração entre concessionárias e provedores de serviço.

Na comparação internacional, o Brasil dá um passo à frente. Portugal e França são referências em padronização técnica e experiência do usuário, mas operam com clearing privado. Itália e Espanha possuem interoperabilidade relevante, mas ainda apoiada em praças físicas e sistemas fragmentados. Estados Unidos e México adotaram soluções robustas de cobrança eletrônica, mas seguem altamente fragmentados, com múltiplos operadores e ausência de um hub nacional.

O modelo brasileiro combina o que há de melhor nessas experiências: alia interoperabilidade, escala, transparência e acrescenta um diferencial, a centralização pública em um sistema único e interoperável, capaz de reduzir riscos de duplicidade, ampliar a eficiência e criar condições para uma expansão homogênea do free flow em todo o território nacional.

Com isso, o País se coloca em posição de liderança entre as grandes economias que apostam em tecnologia para transformar sua mobilidade rodoviária.

Mais do que uma inovação tecnológica, a implantação do free flow com um hub nacional interoperável representa uma reforma microeconômica silenciosa. Ao reduzir custos de transação, ampliar a base de contribuintes, melhorar a eficiência logística, digitalizar a receita e baratear o custo de financiamento, o modelo tem impacto direto na produtividade da economia.

Adrualdo Catão é o Secretário Nacional de Trânsito. George Santoro é o secretário-executivo do Ministério dos Transportes.