A confusão em torno da Petrobras e sua política de preços parece ter chegado ao ápice.

O Presidente da República e o Presidente da Câmara reclamam, com algum grau de razão, que a Petrobras precisa ser sensível ao que acontece no País. Na Petrobras, os conselheiros reclamam, também com razão, que a empresa não pode segurar preços – o que distorceria o mercado interno e poderia levar a um desabastecimento.

Não há uma solução imediata nem bala de prata para o problema que, aliás, é global, mas se o País puder avançar em alguma coisa a partir desta crise, será na desmontagem do monopólio da Petrobras, criando concorrência entre diversas empresas.

Em 1911, a Suprema Corte dos EUA deu razão ao Departamento de Justiça e obrigou a Standard Oil a se dividir em 34 companhias, algumas das quais continuam sendo as maiores petroleiras do mundo, como a ExxonMobil e a Chevron.

O Brasil precisa ir para um caminho análogo – e, no caso da Petrobras, esse caminho começa pelo refino.

As refinarias da Petrobras respondem hoje por 85% da capacidade de refino do Brasil. (Antes da privatização da Refinaria Landulfo Alves, no fim de 2021, a Petrobras era 99% do refino.)

Em 1997, a lei 9.478, conhecida como a lei da abertura do mercado de petróleo, permitiu a entrada de investimento privado tanto na exploração e produção (o chamado E&P) quanto no segmento de refino.

Essa lei fez maravilhas pelo E&P, atraindo dezenas de bilhões de dólares de empresas brasileiras, americanas, chinesas e europeias. Os leilões ajudaram na descoberta do pré-sal, e todo aquele investimento fez do Brasil, pela primeira vez, um exportador de petróleo (E a Petrobras não foi prejudicada em nada.)

Infelizmente, o refino continuou fechado, sem atrair investidores.

Por que isso aconteceu?

O artigo 69 da lei 9.478 previa um período de transição de quatro anos para que as refinarias da Petrobras se adaptassem a um mercado concorrencial.

Durante esse período, os preços dos derivados nas refinarias da Petrobras seriam determinados por uma fórmula paramétrica elaborada pelo Ministério da Fazenda – mas o setor privado já poderia construir novas refinarias.

Apesar da lei permitir o investimento privado, ninguém se interessou – e nem poderia.  Os empresários viram Fernando Henrique segurar o botijão de gás para ajudar a eleger José Serra, viram Lula e Dilma segurar o preço em troca de popularidade, e agora estão vendo Bolsonaro tentar.

Para entender por que isso afasta o investimento no setor,
é importante compreender como funciona a precificação do petróleo e dos derivados dentro da Petrobras.

A área de E&P da empresa sempre vende o petróleo para a área de refino usando os preços do mercado internacional – ou seja, a área de E&P sempre tem lucro.  Quando o Governo segura o preço dos derivados, é a área de refino que entuba o prejuízo, forçada a vender abaixo do que pagou.

Ora, qual empresário vai querer comprar uma refinaria e investir em aumento de capacidade se tiver que jogar esse jogo – ser ocasionalmente forçado a pagar preços de mercado pelo petróleo e praticar preços de mentirinha na hora de vender os derivados?

O fato é que, além do fantasma do controle de preços, a Petrobras e seus sindicalistas nunca quiseram – nem querem – se desfazer das refinarias.

Se dependesse dos governos Lula e Dilma, o poder de monopólio da Petrobras no refino teria aumentado ainda mais, com a construção da refinaria de Abreu e Lima em parceria com a Venezuela, bem como refinarias no Maranhão, Ceará e no Rio.

De todas, a única que saiu do papel foi Abreu e Lima, mesmo assim só com metade da capacidade prevista e que, como todas as outras, acabou envolvida na Lava Jato. Todas deram prejuízo à Petrobras.

O Governo Temer, corajosamente, anunciou um plano de desinvestimentos da Petrobras que incluía a venda de refinarias.

E, no Governo Bolsonaro, a empresa assinou um termo de compromisso com o CADE que a obriga a vender 50% de sua capacidade de refino.

Esse acordo – apesar de ser um progresso – foi altamente favorável à Petrobras na medida em que a empresa fica com o filé mignon: as refinarias dos estados de São Paulo e Rio, onde se concentra o consumo de derivados no Brasil.

Se o objetivo era promover a concorrência, algumas refinarias do eixo Rio-São Paulo deveriam ser privatizadas.

O que aconteceu até agora? Quase nada.

A única refinaria vendida foi a da Bahia. Por quê? Porque o fantasma do controle de preços ainda paira no ar e porque o CADE não se impôs, deixando o cronograma da venda nas mãos da Petrobras.

É na retomada e conclusão deste processo que o atual Governo deveria focar.

Se tivéssemos privatizado as refinarias e incentivado a construção de novas, o brasileiro estaria pagando preços cerca de 10% menores pela gasolina e pelo diesel.

Explico: quando a Petrobras e outros importadores trazem gasolina e diesel de fora, eles pagam (nós pagamos) o preço da gasolina no Golfo Americano, mais o frete e o seguro.

Se, no entanto, o Brasil fosse autossuficiente ou exportador na produção de derivados, estaríamos pagando aqui dentro apenas o preço internacional, sem frete e seguro.

No debate sobre o preço dos combustíveis, frequentemente aparecem soluções conjunturais ou cosméticas. Mas criar concorrência no refino seria uma saída estrutural e com benefícios de longo prazo para todo o País.

 

Adriano Pires é o fundador do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE).