O EBITDA consolidou-se como um indicador amplamente utilizado no mercado, mas seu uso como métrica de geração de caixa é uma armadilha perigosa. Simples e de cálculo rápido, ele pode ser útil em comparações e operações de crédito. Porém ignora elementos críticos, como necessidades de capital de giro, pagamento de imposto de renda e custo do capital, fatores que definem a real sustentabilidade financeira da empresa.

O Fluxo de Caixa Operacional (FCO), ao contrário, traduz com precisão a geração de caixa da operação. Ao integrar dados da Demonstração de Resultados e do Balanço Patrimonial, oferece uma visão fiel da liquidez, expõe a necessidade de capital de giro e orienta decisões estratégicas.

A diferença prática é clara: enquanto o EBITDA pode criar a ilusão de sobra de caixa, o FCO revela se a empresa realmente gera recursos para sustentar suas atividades e investir.

O discurso de que “o EBITDA representa a geração de caixa” é uma das maiores armadilhas aceitas pelo mercado. As instituições financeiras utilizam esse indicador como referência para covenants na liberação de crédito. Isso, somado à facilidade de ser calculado e sua intensa divulgação pelas empresas, faz com que o EBITDA seja adotado como se fosse uma ferramenta legítima e eficiente para a gestão financeira do caixa.

A realidade revela informações bem diferentes. Entre 2020 e 2024, 43% das empresas do IGC (Índice de Governança Corporativa da B3), não conseguiram gerar caixa sequer para pagar o endividamento de curto prazo. Nessa análise também se constatou que o EBITDA foi, em média, 54% superior ao valor do Fluxo de Caixa Operacional (FCO). Em outras palavras: o EBITDA diz que o valor é de R$ 154 mil, quando o caixa efetivo disponível é de apenas R$ 100 mil.

A magnitude dessa diferença chama a atenção e revela um enorme risco para as empresas. Causa estranheza que agentes financeiros e executivos aceitem uma medida com esse nível de discrepância entre os indicadores citados sem muito questionamento.

O investidor ou gestor que acredita que o EBITDA representa geração de caixa corre o risco de achar que a empresa tem sobra de caixa, quando na verdade ela precisa de mais dinheiro para manter sua operação.

Que problema traz essa divergência de informações? O EBITDA cria a ilusão de bons resultados financeiros, mas, na prática, essa informação não é financeira, ela é contábil, e essas empresas historicamente não conseguem honrar seus compromissos financeiros. Não por acaso, muitas recorreram a sucessivos refinanciamentos e hoje convivem com um risco crescente de recuperação judicial, quebra e destruição de valor ao acionista

O EBITDA pode servir para apresentações institucionais, mas não serve como métrica de gestão financeira. Na visão de curto prazo, o que sustenta a continuidade operacional, necessidades de investimento e o controle das dívidas de curto prazo é o caixa gerado na operação, ou seja, o Fluxo de Caixa Operacional (FCO).

Comparativo entre as vantagens e desvantagens do uso do EBITDA:

Vantagens do EBITDA

  1.     Cálculo simples: fácil de apurar, pois considera somente uma parte da Demonstração do Resultado.
  2.     Referência para crédito: indicador para a definição de crédito, covenants sobre os empréstimos, análise de risco financeiro e alavancagem financeira.
  3.     Comparabilidade: sua simplicidade facilita o uso em múltiplos de operações de M&A, pois, possibilita análises entre empresas comparáveis.

Desvantagens do EBITDA

  1.     Ignora o capital de giro: despreza as necessidades de financiamento das operações e o nível de capital investido.
  2.     Despreza os encargos do IR: não considera o impacto do Imposto de Renda como saída efetiva de caixa.
  3.     Ignora o custo do capital: pressupõe, equivocadamente, que o capital do acionista é gratuito, inclusive que os bancos e investidores estariam dispostos a emprestar dinheiro à empresa com custo zero.
  4.     Falta de disciplina: não usa a disciplina financeira como instrumento de decisões.
  5.     Desalinhamento de interesses: não integra os objetivos dos acionistas com os dos gestores.
  6.     Indicador inadequado para bônus: ao desconsiderar o capital investido e seu custo, não deve ser usado para definir incentivos e remuneração variável para os gestores. Na prática, pode estimular distribuição de dividendos e remuneração variável sem a geração real de valor, corroendo a riqueza do acionista.
  7.     Desconexão com dividendos: não mede a real capacidade da empresa de remunerar acionistas de forma sustentável.

Imagine um piloto cruzando o Atlântico mas ignorando todos os instrumentos disponíveis do seu cockpit e guiando-se apenas por um único relógio da aeronave. Com certeza, em função do risco, seria impensável permitir que ele conduzisse dessa forma. Exigir-se-ia o uso de todos os recursos disponíveis para garantir segurança e precisão na navegação.

Nas empresas, infelizmente, o cenário é parecido: gestores e executivos muitas vezes ignoram ferramentas modernas de gestão financeira, como VBM (Gestão Baseada em Valor), o EVA (Valor Econômico Agregado) ou o VEC® (Valor Econômico Criado) e preferem apoiar-se apenas em métricas simplificadas, incompletas e frágeis, como o EBITDA.

O resultado é uma gestão míope, que desconsidera variáveis críticas para a sobrevivência e o crescimento economicamente sustentável do negócio.

Como instrumento de disciplina financeira nos negócios, o Fluxo de Caixa Operacional (FCO), ao contrário, integra dados das Demonstração de Resultados com os do Balanço Patrimonial, captando de forma realista a dinâmica econômico-financeira da empresa. Não se trata de um indicador unidimensional, mas de uma métrica estratégica que entrega a verdadeira geração de caixa das operações e seu ciclo financeiro.

A estrutura conceitual do FCO é assim:

Lucro Operacional (EBIT)
(+) Depreciação e amortização
EBITDA
(-) Encargos do I.R. e C.S.S.L.
(+ ou -) Variação do Capital de Giro Operacional
Fluxo de Caixa Operacional

Além de não apresentar desvantagens, o FCO apresenta diversas vantagens sobre o EBITDA:

  1. Institui disciplina financeira nos gestores, otimizando recursos e ampliando o lucro operacional.
  2. Identifica a real geração de caixa da operação.
  3. Demonstra as necessidades de capital de giro e o impacto do ciclo financeiro.
  4. Funciona como instrumento estratégico de mensuração financeira e decisão.
  5. Permite melhor planejamento tributário.
  6. Induz a decisões que ampliam o crescimento e a competitividade da empresa.

Ao adotar esses princípios com governança e capacitação dos gestores, as empresas fortalecem a sustentabilidade financeira e a criação de valor, preparando-se para enfrentar desafios e aumentar a competitividade.

Valor não se consegue com improvisos: constrói-se com gestão disciplinada, integrada e visão estratégica.

Oscar Malvessi é especialista no tema ‘criação de valor’, autor de “Como criar Valor na sua Empresa”. Foi professor de finanças da EAESP/FGV por mais de 30 anos e hoje leciona nos cursos executivos da FGV.