A direita e o bolsonarismo vivem um dilema que pode ser resumido assim: os partidos do Centrão querem os votos de Jair Bolsonaro, mas não sua liderança. O ex-presidente quer o socorro institucional do Centrão, mas sem renunciar ao seu controle da direita.
O melhor cenário sob o ponto de vista do Centrão é uma cooperação que envolva o apoio de Bolsonaro a um candidato do grupo em 2026 – e a muitos parlamentares de eleitorado conservador – e a restauração da sua liberdade e condições de elegibilidade no caso de uma eventual vitória.
Para o clã Bolsonaro, no entanto, a ordem dos fatores altera o produto. Eles querem primeiro um pacto e atos concretos pela preservação do ex-presidente, para só depois discutir 2026, estando Bolsonaro em pleno gozo de todos os seus direitos.
A pior conclusão para ambos seria Bolsonaro decretar que uma eleição sem sua presença não seria legítima, pedindo ao seu eleitor que se abstenha ou vote nulo.
A avenida ficaria aberta para a reeleição de Lula, e o País poderia ver, mal comparando, o que aconteceu com a esquerda na Bolívia quando Evo Morales pregou a não participação e colocou dois candidatos da direita no segundo turno.
É bom lembrar que o bolsonarismo nunca conseguiu se materializar como partido, mas é uma espécie de membrana que penetra e perpassa as bases de todos os partidos do Centrão.
A ameaça de sofrer baixas nas suas bancadas – no caso de um rompimento – e a capacidade eleitoral de Bolsonaro catapultar um candidato presidencial diretamente para o segundo turno são os interesses que hoje ainda seguram o casamento entre a direita tradicional e o bolsonarismo.
Mas com os eventos das últimas semanas, esses fatores estão perdendo força – e uma separação se tornou inevitável.
A estratégia de choques institucionais utilizada pelo ex-presidente teve como efeito colateral o afastamento do Centrão. Enquanto as críticas se concentravam no STF, Bolsonaro ganhava solidariedade. O tarifaço arquitetado por Eduardo Bolsonaro, no entanto, mudou a situação: elevou o custo do apoio a um nível proibitivo e espantou toda a direita.
Outro fator é a impossibilidade de haver um acordo com a família Bolsonaro em razão da sua instabilidade. Os áudios vazados pela PF mostram a desconfiança e a incapacidade do clã de fazer cálculos realistas sobre suas possibilidades, como sugere a esperança manifestada de viabilizar a candidatura presidencial de Eduardo.
Um atenuante é o fato de que, diferente dos partidos, Bolsonaro não olha para a política pensando em cadeiras, votos e cargos. Seu objetivo é garantir sua liberdade. É compreensível que sua capacidade estratégica esteja em baixa.
Mas, se é verdade que sua situação exige um desconto, isto não muda o fato de que o ex-presidente está desgastado, imprevisível e com discernimento comprometido por prioridades urgentes e pessoais.
Esta situação cria um fato consumado, e pede uma estratégia aos atores da direita.
A ausência de condições objetivas de Bolsonaro em liderar ou mesmo participar ativamente de articulações sugere à direita que não há mais o que se esperar para resolver seus problemas de discurso e de organização para 2026.
O problema é como conduzir o divórcio.
Bolsonaro conserva apelo eleitoral significativo e, por isso, é desejável conduzir a separação de uma forma a conservar sua boa vontade e impedir comportamentos autodestrutivos – como a pregação do voto nulo — que poderiam ser um trauma para toda a direita.
Um típico dilema de tempo que remete a uma frase do senador gaúcho Pinheiro Machado ao seu cocheiro, orientando-o sobre como passar por uma manifestação popular que o esperava à frente: “Nem tão devagar que pareça afronta, nem tão depressa que pareça medo.”
Leonardo Barreto é cientista político e sócio da consultoria de análise e relações governamentais Think Policy.
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