Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor 
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz,e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Esse fragmento do poema No caminho, com Maiakóvski já foi erroneamente atribuído ao poeta russo de mesmo nome. Chegaram a rotulá-lo como obra do dramaturgo alemão Bertold Brecht – mas foi feito pelo niteroiense Eduardo Costa e hoje é uma espécie de metáfora do que aconteceu em Israel.

O shabat retrasado, dia sagrado de descanso e reflexão para os judeus, vai ser lembrado como o dia de maior assassinato de judeus desde o horror do Holocausto 70 anos atrás. Mulheres, famílias, crianças foram assassinadas. Nunca nos últimos 70 anos invadiram-se cidades – como os cossacos adentrando os shtetls, os nazistas incendiando na infame Noite dos Cristais, ou a máquina de Hitler tangendo milhões em direção à câmara de gás – para cometer tantas atrocidades.

Sequestraram mulheres, estupraram-nas e comemoravam em volta até que seus ossos estivessem quebrados. Queimaram bebês e crianças vivas. Invadiram uma festa que celebrava a paz, a diversidade, a liberdade; apagaram sua luz e mataram seres humanos como se estivessem em uma caçada.

Não se trata de uma guerra por território. Trata-se de uma guerra da civilização.

O famoso matemático Carl Jacobi nos ensinou que problemas de difícil resolução devem ser encarados com a seguinte estratégia: “invert, always invert”. Não que se trate aqui de uma situação de avaliação complexa – muito pelo contrário.

Mas utilizando a técnica, imaginemos que um grupo de judeus radicais com dominância do poder político no estado ultrapassasse as fronteiras geográficas de Israel, invadisse o território de Gaza, munido de armas e ódio, e assassinasse velhos, mulheres e crianças enquanto estes estivessem em suas casas.

Em seguida, enquanto violam as mulheres, que eles filmassem e colocassem tudo em streaming nas redes sociais. Que eles sequestrassem mulheres e crianças, e divulgassem filmes e fotos dessas pessoas em seu momento de vulnerabilidade máxima.

Agora imagine que após toda essa selvageria, o grupo de assassinos judeus divulgasse declarações justificando o ato por 70 anos de confrontos permanentes com países árabes, mísseis jogados em seu território, atentados terroristas em seu país, falta de dialogo para a construção de acordos e boicotes econômicos como o Boicote, Desinvestimento, Sanções (BDS).

Agora imagine que, em seguida, judeus do mundo todo e seus apoiadores se apressassem em realizar passeatas condenando – veja só! – os palestinos de Gaza, e não criticassem o ataque terrorista nem demonstrassem o mínimo de empatia pelas horrorosas perdas.

Imagine ainda judeus em escolas da Ivy League, supostamente o núcleo de inteligência e universalismo do mundo, assinando documentos em favor do grupo assassino sem uma palavra em relação à dor das vítimas.

Os caçadores não se importavam se estavam matando judeus religiosos, ortodoxos ou seculares, se eram de direita ou esquerda, se eram socialistas ou liberais, só desejavam matar judeus.

Se, como disse o rabino Jonathan Sacks, “ser judeu é ter um senso de memória,” os judeus já estiveram nesta situação diversas vezes em diferentes séculos, sob as armas do Faraó no Egito, dos Babilônios e dos Romanos, ou do Czarismo Russo e da máquina assassina de Hitler.

Os judeus vão sobreviver.

O que é inaceitável é que a sociedade ocidental, centrada e construída sobre valores civilizados, não seja capaz de separar os assassinos dos assassinados.

Nenhuma comunidade ou país deveria aceitar isso. Não existe moralidade ou justificativa em se apoiar quem defende a profunda escuridão, quem vive nas trevas, quem desrespeita os valores básicos que impulsionaram nossa civilização.

O Hamas é o ISIS. É absurdo comparar o Estado de Israel – que busca evitar a morte de civis – com o Hamas. Isto não quer dizer que Israel (e principalmente o atual governo) não devam estar sujeitos à crítica pela expansão de assentamentos em áreas ocupadas, a falta de diálogo para a justa formação de um Estado Palestino, o sofrimento da população civil com corte de água e eletricidade e erros nos bombardeios. Mas jamais veremos o Estado de Israel comemorando a morte de civis.

Quem levanta uma bandeira do Hamas deveria abdicar do conforto e da proteção garantidas pelos valores e princípios do Ocidente.

Palavras e atos são importantes. Constroem civilizações. Se a humanidade tiver um mínimo de bom senso, os judeus não estarão sozinhos.

Recentemente se tornou popular nas redes sociais a explicação de uma famosa antropóloga quando perguntada sobre a primeira evidência da civilização. Ela foi rápida e arguta na resposta: “Um osso humano fraturado encontrado em um site arqueológico de 15.000 anos. Se um ser humano sobreviveu a um osso quebrado, significa que alguém o protegeu e o acolheu.”

Os terroristas roubaram nossa flor, pisaram em nosso jardim. Estão tentando roubar nossa luz e apagar nossa voz. Mas sobreviveremos, somos parte da evolução civilizatória.

Bruno Levacov e Lucas Bielawski são sócios da Atmos Capital.