Caminhões velhos: falta de freio, volante rígido, dificuldade na troca de marchas, peças fadigadas e cabines com temperaturas altíssimas.
Esses são alguns dos fatores que colocam a vida dos caminhoneiros em risco e contribuem para os índices alarmantes de acidentes que vemos todos os dias nas rodovias brasileiras, tirando a vida de centenas de pessoas. Fora das estradas, os caminhões velhos também contribuem para aumentar a incidência de doenças respiratórias e cardiovasculares associadas à poluição – veículos com 20 anos emitem 95% mais gases do efeito estufa do que aqueles com 10 anos de uso, por exemplo – e oneram os custos e a qualidade do sistema de saúde, especialmente o público.
Somado a isso, essa frota já obsoleta, praticamente sucata, é a que tem mais probabilidade de quebra e interrupções para manutenções corretivas, reduzindo a competitividade do frete no País, prejudicando o trânsito por conta das paradas e acidentes por falhas mecânicas e afetando a produtividade do setor logístico, cujo principal modal de transporte é o rodoviário.
Para termos uma dimensão do problema, de acordo com a SENATRAN, a frota no Brasil é de aproximadamente 3,8 milhões de caminhões, e a idade média passa de 21 anos, muito aquém do ideal – em países desenvolvidos essa média chega a 8 anos.
Nesta média estão incluídos caminhões com mais de 40 anos circulando pelo País. Segundo o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), em 2020 havia aproximadamente 1.000.000 de caminhões com mais de 30 anos (fabricados até 1989) circulando, cerca de 1/3 da frota nacional.
Com poucos recursos, os caminhoneiros têm dificuldade de trocar seu caminhão. No entanto, não é essa questão que determina sua decisão.
Um fator muito importante apontado por eles para não venderem seus caminhões está associado à sua responsabilidade e à preocupação em prejudicar ou colocar o novo proprietário em risco – ou de serem confrontados pelos (prováveis) problemas decorrentes da ‘bomba’ que se tornou aquele veículo com tantos anos de uso.
Enquanto os táxis, transporte urbano, cabotagem e outros setores recebem isenções, incentivos e até mesmo subvenções, o caminhoneiro não tem e não pede.
É importante destacar que o caminhão de 25 a 30 anos de fabricação, vendido pelo valor de mercado, responde a cerca de 25% do preço de um modelo mais novo, com 10 a 12 anos de uso. Com isso, o caminhoneiro pode usar esse valor como sinal no financiamento de um caminhão mais novo e, com melhores condições de frete, teria mais produtividade e menos custo de manutenção, o que possibilitaria faturar mais com seu trabalho. Assim, com um veículo mais moderno pagaria as parcelas do financiamento e traria muito mais segurança, para ele e toda a sociedade.
Quando substituímos caminhões velhos por outros mais novos e competitivos, todo mundo ganha: é mais renda para os autônomos, menos impacto negativo ao meio ambiente, ao sistema público de saúde e segurança, redução de acidentes e na emissão de poluentes. Também melhora a qualidade dos serviços e evita congestionamentos por panes e paradas desses veículos em regiões de maior tráfego.
Se os fatores de risco dos caminhões obsoletos são tão preocupantes, e os benefícios da troca tão evidentes, por que a renovação da frota não avança no Brasil? O governo federal tentou, no ano passado, incentivar a renovação da frota pesada por meio da Medida Provisória 1175/23.
Mesmo incipiente, a experiência trouxe resultados positivos, especialmente após o ajuste que permitiu a venda de caminhões antigos para frotistas, demonstrando que, se o caminhoneiro conseguir vender seu caminhão de forma definitiva, com a certeza de que o problema não voltará para ele, ele o fará.
Por isso a iniciativa em larga escala é tão relevante para dar vazão ao enorme potencial dessa ação. Esse deveria ser o compromisso e a responsabilidade dos grandes compradores de caminhões, embarcadores (contratantes de transportadoras de carga) e fabricantes. O governo deveria ter o papel de formatação e regulamentação do programa, e se beneficiaria diretamente da redução dos custos com acidentes, melhora da segurança, melhor qualidade do ar e do meio ambiente e mais saúde, além de contribuir com a competitividade logística do País. Os caminhoneiros terão mais qualidade de vida, saúde e reconhecimento, completando o ciclo virtuoso para que a renovação da frota aconteça de forma sustentável, fomentando o progresso de todos os elos da cadeia produtiva.
O desafio é dar tração e continuidade a essa transformação, possibilitando ao caminhoneiro substituir o peso de um caminhão ultrapassado pela segurança e eficiência de um mais novo.
Precisamos parar de fazer de conta que esse problema não existe. Ele está aí, rodando nas nossas estradas e vias todos os dias. É grave, perigoso e mata!
Para executar essa transição é necessária a implementação de um programa robusto de governo, aliado à participação das grandes empresas que compõem o ecossistema do transporte, promovendo uma renovação que beneficie os caminhoneiros e tenha impacto em todas as áreas afetadas: segurança, saúde pública, meio ambiente e produtividade.
Fernando Simões é o CEO e controlador da Simpar.