A Mastercard e a Coinbase estão disputando a compra da BVNK, uma plataforma de infraestrutura de stablecoins avaliada em até US$ 2,5 bilhões.
Citi, Visa e Stripe também investiram em players do mesmo segmento — um sinal claro de que as stablecoins deixaram o universo cripto e se tornaram parte estratégica da nova infraestrutura global de pagamentos.
Segundo a Visa, essas moedas digitais movimentaram US$ 27 trilhões em 2024, somando 1,25 bilhão de transações — números que colocam a tecnologia no centro do sistema financeiro digital.
Durante décadas, enviar dinheiro para outro país foi lento e caro, limitado por bancos correspondentes e janelas de horário. Em pleno século XXI, transferências internacionais ainda levam dias e passam por múltiplos intermediários — um modelo que pouco mudou desde o SWIFT, criado há 50 anos.
As stablecoins prometem mudar esse cenário. Diferentemente das criptomoedas voláteis, são moedas digitais estáveis, pareadas a moedas fiduciárias e garantidas por reservas reais. Por operarem em blockchain, funcionam 24 horas por dia, com liquidação quase instantânea e custos reduzidos.
Mais do que velocidade, trazem pagamentos programáveis — transferências automáticas que ocorrem quando condições predefinidas são cumpridas.
Imagine uma exportadora configurando o pagamento de um fornecedor para ocorrer automaticamente assim que o contêiner é entregue e o documento de transporte é validado digitalmente. Nenhuma ação humana é necessária: o código faz o pagamento no exato momento certo. É o dinheiro ganhando lógica própria.
Enquanto o trilho tradicional — baseado em bancos correspondentes e no SWIFT — depende de horários bancários e pré-financiamento em múltiplas moedas, as stablecoins oferecem liquidação direta e contínua.
As stablecoins oferecem um novo trilho — direto, programável e sempre aberto. Elas não eliminam o sistema financeiro tradicional, mas o tornam mais eficiente, reduzindo a necessidade de pré-financiamento em múltiplas moedas e permitindo liquidações quase instantâneas entre países.
A Visa, por exemplo, opera um piloto global de pre-funding via Visa Direct, permitindo que empresas depositem USDC e liquidem pagamentos internacionais quase em tempo real. A Visa realiza a conversão para a moeda local no momento do pagamento. Para quem recebe, nada muda: o valor chega em reais, pesos ou euros — mas, nos bastidores, o dinheiro viajou por um trilho completamente novo.
Enquanto o Pix domina o varejo doméstico brasileiro, as stablecoins avançam nas rotas internacionais.
A MoneyGram lançou um app com USDC na Colômbia; a Thunes liquida em stablecoin para mais de 130 países; e Stripe e Mastercard já permitem uso em pagamentos corporativos globais. Plataformas como Coinbase Payments, Remote.com e Deel utilizam stablecoins em payouts instantâneos para freelancers e fornecedores no mundo todo.
Nos países sem pagamentos instantâneos, as stablecoins podem preencher a lacuna, oferecendo liquidação contínua e liquidez 24/7. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Modern Treasury criou contas corporativas baseadas em stablecoins — alternativa que permite transferências em tempo real sem depender do sistema bancário tradicional.
Apesar dos avanços, o uso de stablecoins ainda enfrenta desafios estruturais e regulatórios. Quatro temas concentram as principais frentes de evolução.
Interoperabilidade e fragmentação
Existem diversas blockchains (Ethereum, Solana, Tron, Base), cada uma com custos, capacidade e estabilidade distintos. Essa fragmentação limita a previsibilidade e a eficiência das transações. Soluções como pontes multi-rede e roteadores inteligentes começam a permitir que uma mesma stablecoin seja movimentada entre blockchains distintas, criando rotas mais integradas e seguras.
Compliance e Travel Rule
A chamada Travel Rule — norma internacional de prevenção à lavagem de dinheiro — exige que provedores de serviços em blockchain identifiquem e transmitam informações básicas de quem paga e de quem recebe, assim como ocorre no sistema bancário.
Grandes plataformas já implementam essa regra via APIs de identidade e monitoramento on-chain, o que aproxima o nível de controle do padrão financeiro tradicional.
Integração empresarial e on/off-ramp
Para empresas, o desafio não é mover tokens, mas integrá-los à contabilidade, câmbio e tesouraria. Redes como Visa, Mastercard e PayPal desenvolvem APIs corporativas que traduzem o ambiente blockchain para sistemas empresariais, permitindo conciliação e relatórios automatizados. Os on/off-ramps — as portas de entrada e saída entre o sistema bancário e o digital — também se expandem, simplificando a conversão entre reais e stablecoins.
Impostos, contabilidade e câmbio
Empresas precisam registrar as transações na moeda funcional, calcular ganhos ou perdas cambiais e cumprir as regras de IOF e câmbio. Novas soluções oferecem integração direta com ERPs e conversão automática no instante do pagamento, reduzindo riscos fiscais e operacionais.
A história dos pagamentos sempre foi uma história de infraestrutura. Do ouro aos cartões, do Pix às stablecoins, cada salto tecnológico encurtou distâncias e ampliou o acesso ao dinheiro. Agora, o dinheiro deixa de ser local e se torna global, programável e interoperável.
As stablecoins não são o futuro distante — são o novo trilho programável impulsionando a modernização do sistema financeiro global, reduzindo custos, ampliando o alcance dos pagamentos e conectando economias em tempo real.
Edson Santos é conselheiro, consultor e investidor anjo com mais de 25 anos de experiência em meios de pagamento e serviços financeiros. É o autor de “Do Escambo à Inclusão Financeira” e coautor de “Payments 4.0”.