Há mais de 40 anos no mercado de shoppings, José Isaac Peres é o pai do Morumbi Shopping, do Barra Shopping e do BH Shopping, além de outras catedrais do consumo nas grandes metrópoles brasileiras.
Agora, Peres diz que a indefinição político-econômica está empurrando sua empresa, a Multiplan, para explorar negócios em outros países da América Latina.
Não que faltem projetos aqui. Assim que a economia permitir, a Multiplan tem prontos para lançar: um novo shopping em Jacarepaguá (na zona oeste do Rio), uma expansão do Village Mall na Barra da Tijuca (além de torres comerciais), e um imenso projeto residencial ao lado do Barra Shopping Sul, em Porto Alegre. São bilhões de reais em lançamentos — tudo parado pela taxa de juros de 14% e a incerteza na política.
Peres se queixa, mas coloca as coisas em perspectiva. “A Multiplan tem 40 anos. Quantas crises eu passei em 40 anos? Eu não me lembro de ter inaugurado um só shopping sem falar em crise. Em todos que eu inaugurei, o meu discurso começava assim: ‘Apesaaar da criiiise….. Nós tamos aquiiii….’ (risos)”
Peres recebeu VEJA Mercados para uma conversa, na qual reclamou que nossos vizinhos estão arrumando a casa antes do Brasil, disse que a atual taxa de juros “existe para você não fazer nada” e que o País precisa abandonar o protecionismo e encorajar o ‘espírito animal’ dos empresários.
“Esses caras malucos como eu, com 75 anos e trabalhando feito um doido, são a galinha dos ovos de ouro. Eu podia estar lá no meu iate, dando umas voltas, tomando uma champagne…. e eu tou aqui trabalhando. Por quê? Porque o que move o empresário não é necessariamente só o dinheiro. É o desafio. O ser humano precisa do desafio.”
Abaixo, a versão integral da entrevista publicada na edição impressa de VEJA desta semana.
Como você está vendo esta crise?
Eu não passei no Brasil por uma crise tão séria, apesar de ser empresário há mais de 50 anos. O que inibe hoje o investimento? Não é o consumo. Não é o País. É a falta de confiança no Governo. As pessoas, para investir, precisam ver uma linha de condução do Governo, e esta linha não está definida. Existe um conflito entre o Congresso e o executivo, uma guerrilha fratricida que não ajuda o País, é um querendo destruir o outro. O cenário é o pior possível. Não obstante, existe uma parte da população que não está no Congresso nem no Governo: tá nas ruas, tá trabalhando, tá produzindo. É o sujeito que acredita, é aquele que sonha. Felizmente, não existe ainda um decreto impedindo o homem de sonhar.
Como é que perdemos a confiança?
Como o Brasil precisa do capital de fora, precisamos mostrar que somos sérios e que respeitamos contratos — coisas que o Governo não fez. Estão aí as distribuidoras elétricas [que sofrerarm perdas homéricas com uma mudança na regulação] e outras coisas que você sabe muito bem. A coisa mais importante que existe na vida de uma empresa é credibilidade e confiança. Este é um ativo invisível, mas que tem um valor gigantesco. Nós somos uma empresa que preserva muito a credibilidade e a confiança. Alguns grandes lojistas, quando a gente às vezes vai fazer um shopping, me dizem: “Poxa, Peres, eu já tou cheio de loja aqui nessa região… Por que você não faz o shopping em outro lugar?” Eu digo: “Bem… eu vou sentir muito que você não venha junto…” Aí — e esse é um grande varejista — ele diz: “Mas infelizmente, se você for, eu vou ter que ir..” Isso vale muito. Ou seja, quando a gente vai, o lojista sabe que a gente não vai deixar a peteca cair. Que não vai ser só o fundo de promoção que vai bancar a publicidade dele. Nós vamos meter a mão no nosso bolso e vamos pagar. Somos parceiros dos nossos lojistas.
Mas e os empresários, como estão lidando com esse ambiente?
John Maynard Keynes falava do ‘espírito animal’. Quando um leão percebe que naquela floresta não tem mais água, não tem outros animais, o que ele faz? Ele migra, ele vai buscar um outro lugar pra sobreviver. O empresário é a mesma coisa. Ele passa a pensar em investir em outros países, porque neste momento no Brasil não dá pra investir. É lamentável que, com tanta coisa pra fazer neste país, a gente tenha que começar a olhar para o exterior.
Você disse há um ano e meio, mais ou menos, que estava olhando coisas em Portugal e no Chile. Como é que isso evoluiu?
Naquela época nós olhávamos e dizíamos, ‘bom, mas ainda tem muita coisa no Brasil pra fazer’. Agora nós estamos olhando de novo, muito mais objetivamente. Temos know-how, competência, etc.. O que prejudica o empresário brasileiro é toda a infraestrutra pra se lançar no exterior: impostos muito altos, taxa de juros aqui (14% aqui, contra 5% em outros países), e uma burocracia tremenda.
Vocês já compraram algum terreno fora do Brasil para desenvolver shoppings?
Não. Talvez compremos uma empresa lá fora, talvez seja mais fácil começar assim. O capital da Multiplan hoje é 20 vezes maior do que quando eu investi no exterior [nos anos 80] e a empresa está muito mais estruturada e consolidada, temos captação fácil no exterior, somos grau de investimento, maior do que o Brasil… Então podemos chegar lá fora e dizer, ‘eu quero fazer aqui um empreendimento e preciso de crédito’, e logicamente temos garantias para dar no Brasil. Eu acho que a maneira correta para nós é comprar uma empresa menor, com um sócio local, que já esteja operando. Você tem que caçar um leão, nem que ele seja um filhote. Não existe negócio sem empresário. Não adianta comprar uma empresa lá fora mandar só executivos pra lá, porque os executvos são ótimos, mas eles não resolvem. Você chega lá e tem que tomar decisões, você precisa de gente local.
Então, apesar do câmbio hoje a quase R$4, faria sentido esse investimento lá fora porque você faria a estrutura de financiamento lá fora também, não é isso?
Certamente, você tem que trabalhar com a moeda local. Somos conservadores. A gente poderia dar como garantia os próprios ativos lá.
Em quanto tempo, você vai tomar a decisão sobre investir lá fora?
Esse ano não, porque o ano já acabou. Mas ano que vem, sim.
Faz sentido investir nos EUA?
Eles têm shopping demais nos EUA. A gente poderia eventualmente comprar um, mas o que adianta comprar um para competir com um cara que tem uma rede de 400? É a mesma coisa que você ser varejista e abrir uma lojinha para competir com outra loja que vende o mesmo produto mas que está em 400 pontos. Muito difícil, né? Agora, na América Latina, eu acho que há espaço. Estou olhando agora principalmente a Argentina, que me parece está tomando um novo curso. Se realmente o Governo mudar a política dele — porque o populismo deu no que deu — eu acho que a Argentina é um parceiro ótimo.
Mas o preço dos ativos lá já deve estar num ponto de inflexão, né?
Ah sim! Já começou a subir. As ações estão subindo, tá tudo subindo. A gente também não tem bola de cristal, né? O [Daniel] Scioli era o candidato certo que ia ganhar, mas agora parece que o povo argentino acordou de um pesadelo e está votando certo, está votando em quem é liberal, em quem prestigia a economia de mercado, em quem quer estar no eixo das grandes nações. [Nota da coluna: A entrevista foi feita antes da vitória de Mauricio Macri]. Não adianta a gente ficar aqui associado à Venezuela, à Bolívia, ao Equador, que isso não vai levar a gente a lugar nenhum.. Esses países não podem nos dar nada, não ganhamos nada com isso, não aprendemos nada com eles. Dizer que a gente vende lá meia dúzia de coisas é ridículo.
Me fala mais um pouco sobre os seus planos para investir fora.
Eu acho que você tem países na América Latina que vão performar bem, principalmente com esse acordo [de comércio] agora com os EUA em que o Chile entra, provavelmente o Peru vai entrar, a Colômbia também… É um novo acordo comercial que não tem tributações, não tem barreira alfandegária, não tem nada disso. O Brasil precisava aprender que o dia que ele acabar com o protecionismo, esse País vai dar um salto gigantesco, porque o crescimento depende de intercâmbio, e intercâmbio só existe quando os mercados são livres.
No Brasil, hoje, você acha que está na hora de segurar o investimento pela falta de visibilidade?
Eu não diria isso pelo seguinte: porque mesmo na crise a gente cresce. Você vai sair tonto dessa entrevista comigo [risos] porque a única regra que eu conheço em comércio e no mundo dos negócios é que comércio não tem regra. Então, é tudo oportunidade. Pode ter, sim, mesmo na crise, boas oportunidades no Brasil. A gente enxerga essas oportunidades, elas existem, nós estamos estudando. Temos um projeto [de shopping] pronto aqui para lançar em Jacarepaguá que eu tenho certeza que será um sucesso. Nós só não demos início ainda porque estamos olhando o cenário macroeconômico, ou seja, como vai ficar o câmbio, a taxa de juros.. Essa taxa de 14%, se você se financiar com ela, você quebra. Essa taxa existe para você não fazer nada. O Brasil vai ter que baixar essa taxa de juros logo porque nem o Governo brasileiro aguenta pagar uma taxa tão alta. Agora, enquanto estiverem reajustando a luz em 100%, não tem como segurar a inflação: o Banco Central não é mago. Os buracos que criaram neste País são tão grandes que a gente não sabe nem como vão fechar as contas da nação: se o buraco vai ser de 100, 150 ou de 200 [bilhões de reais].
Vários de seus concorrentes estão hoje nos jornais vendendo ativos…
Nós não estamos vendendo ativos.
Sim, mas você acha que vai haver um movimento de consolidação no setor de shoppings?
Não é um bom momento para vender ativos porque está tudo depreciado. Quem está apertado financeiramente tem que vender. Os bancos batem na nossa porta sempre, trazendo uma série de negócios e dizendo que nossa situação financeira é muito boa para comprar alguém. E eu digo a eles que nossa situação financeira não é tão boa: é razoável. Porque com 14% de juros, nenhuma empresa está em boa situação financeira, concorda?