Como a maioria dos fundos fora do eixo Rio-São Paulo, o Quantitas Montecristo tem que se provar a todo momento — talvez mais do que seus concorrentes.

“Um alocador na Faria Lima não nos conhece direito, não estudou comigo, não trabalhou comigo em nenhum banco, e ninguém que ele conhece tem uma referência muito clara sobre nós,” diz Wagner Salaverry, o gestor do Montecristo há sete anos. “Então, para ele assumir a responsabilidade de alocar capital aqui, ele vai ter que confiar apenas na técnica. É mais difícil.”

11573 b0a28938 6e56 e4c6 1258 bb1c4cbee0abBaseado em Porto Alegre, Wagner está há 22 anos no mercado: os últimos nove na Quantitas e os treze anteriores na Geração Futuro, a corretora gaúcha que hoje é parte da Genial. 

Em 2007, às vésperas da Grande Crise, Wagner e seu mentor, Edmundo Valadão, administravam R$ 1 bilhão de 70 mil clientes. “Depois, como a Geração foi vendida, acabamos não entrando na história das plataformas, não ficamos conhecidos.”

Wagner perdeu dinheiro na crise de 2008, mas conseguiu reter a maior parte de seus clientes na Geração Futuro e o fundo se recuperou no ano seguinte.
 
Mas a alopécia ficou. 

Com o stress, Wagner perdeu parte da barba e quase — quase — teve que recorrer ao analista de Bagé.

“Agora estou reconstruindo tudo, muito mais tranquilo, muito mais maduro,” disse.

A necessidade de se provar a todo momento tem dado resultado. O Quantitas Montecristo está entre os melhores FIAs acima de R$ 100 milhões este ano e recebeu 5 estrelas da Morningstar no final de junho para o desempenho de cinco anos. 

Desde o início do fundo em fevereiro de 2011, o retorno foi de 232%, em comparação a 91% do Ibovespa. Este ano, o fundo está em alta de 31,8%, frente a apenas 7,7% do benchmark

Nomeado não por causa do charuto cubano, e sim pela ilha no mar Tirreno, na Itália, o Montecristo tem pouco mais de R$ 200 milhões — uma parcela pequena dos R$ 3,2 bi administrados pela Quantitas.

Ser pequeno tem suas vantagens. Como não tem que se preocupar com a liquidez tanto quanto, digamos, um fundo de R$ 10 bi, o Montecristo acaba buscando seu alfa em nomes que não são exatamente queridinhos do mercado.

A carteira é mais concentrada que o padrão: tipicamente, de 10 a 12 empresas, sendo que as três maiores posições representam mais de 50% da carteira. 

Wagner falou com o Brazil Journal sobre as principais posições do fundo.

Qual o diferencial do Quantitas Montecristo num mercado em que há centenas de gestoras e em que nasce uma nova por semana?

Nosso fundo consegue retornos muito bons com uma carteira que não é igual à dos outros. Se você pegar as principais gestoras de ações que estão na XP, por exemplo, e olhar as carteiras delas, as ações mais comuns aparecem em boa parte dos fundos… a maioria dos fundos tem muita sobreposição entre eles. 

Já o nosso fundo só tem BTG e Hypera dentre as ações mais comuns. 

O ponto aqui é que eu aprendi desde o início que não ia conseguir ganhar dinheiro investindo nas mesmas coisas que os outros, então eu não fico comprando o papel que está na moda. Todo mundo está comprado numa ação? O que eu vou trazer de diferente para os meus clientes olhando esse mesmo papel? É muito difícil ter um diferencial assim… Vou comprar Hapvida? GNDI? O que eu vou saber mais sobre elas? Tem umas 10, 12 gestoras posicionadas e que acompanham o case igual ou melhor que eu. Tenho que tentar buscar alguma diferença.

Mas como você faz a seleção das ações?

A gente tem uma lista de empresas que a gente gosta, que são umas 80 empresas, e ficamos monitorando o desempenho histórico dessas ações. Algumas que caíram muito, começamos a olhar para ver se tem alguma que não deveria ter caído tanto… que é o estranho no ninho. E aí tentamos aprofundar nessa empresa. 

A Marcopolo foi um caso assim. Há alguns meses, começamos a investir nela porque ela estava entre as ações mais desvalorizadas, junto com outras empresas cujos negócios estavam completamente destruídos. Marcopolo não era esse caso, é uma empresa que tem bons fundamentos, então vimos que tinha algo estranho.

O que a gente viu é que a Marcopolo é uma indústria líder que foi muito afetada pela covid, porque ninguém mais queria andar de ônibus e não tinha mais turismo. Mas uma indústria não é uma empresa de serviços que tem custos variáveis muito grandes. É custo fixo. 

Então, se você controlou os custos fixos, fechou unidades ruins, o problema está contido. E quando voltar a demanda, essa empresa vai voltar ainda mais eficiente. Quando fizemos as contas e vimos que eles fecharam fábrica ruim, demitiram o excesso de pessoas, vimos que era um bom caso para esperar a retomada da economia. 

E tem outra frente que olhamos que são negócios que a gente gosta e nos quais investimos há muito tempo, que é o caso de Guararapes e Hypera, por exemplo. Esses a gente carrega por mais tempo porque vemos as mudanças acontecendo e achamos que tem espaço para crescer mais. 

Você tem uma vantagem competitiva em relação ao resto da indústria porque, como é um fundo de R$ 200 milhões, você pode fazer posição em small e mid caps. Como vai ser a gestão quando você passar de R$ 1 bi?

O que vai mudar é que provavelmente eu vou ter que aumentar o prazo de resgate (hoje de D+5) para conseguir continuar alocando nessas empresas menores sem aumentar risco para o nosso cliente. E hoje tem um ponto importante que 70% do meu passivo está em dois fundos exclusivos dentro da minha casa, que são investidores que estão conosco há muito tempo. E esses caras são aplicadores com visão de longo prazo. Então tenho 70% do capital numa base de passivo muito boa, o que permite alocar sem preocupação de liquidez e sem ter os investidores me questionando o tempo todo porque eu estou diferente dos outros fundos.

Como você tem visto o mercado de IPOs?

Eu olho com muito ceticismo para muitos papéis. Primeiro, porque tem empresas que claramente não são estáveis, não param em pé. Estão num momento bom agora, mas não devem continuar assim. Tem muita oferta em coisas digitais que tiveram o melhor ano da história e o investidor acaba pagando por aquilo como se esse desempenho fosse continuar para sempre — por exemplo, os setores que estão se beneficiando muito do preço de commodities ou do juro baixo. Replicar isso como uma história contínua eu acho muito arriscado… 

Quando eu entro em IPOs eu prefiro ofertas primárias, que foi o que a gente fez com Ambipar e Blau, porque aí você fica alinhado com o controlador. E também prefiro histórias de empresas rentáveis, com participação de mercado pequena, potencial de crescer e cuja execução tem se mostrado boa. 

Você acabou de montar uma posição de 10% do fundo em Grendene. O que você está vendo?

O desafio da empresa é fazer o que a Alpargatas fez:  olhar para o mundo e criar uma relação diferente com os consumidores, com o mercado. Acho que é mais fácil a 3G trazer isso para a empresa do que a empresa fazer sozinha. 

Quando a 3G Radar fez a joint venture com eles, isso para mim destravou o potencial de vendas no mercado externo. Ninguém melhor que a 3G para impulsionar isso, e ela vai estar como sócia dentro de uma JV. 

Ao mesmo tempo, eu acho que a 3G estando ali, isso é uma porta de entrada para eles ocuparem mais espaço. Eles estão na JV e são o segundo maior acionista da empresa depois do Alexandre [Grendene]. Então eventualmente pode até ser um caminho para uma mudança na gestão e na companhia como um todo. 

Por que está comprado em Hypera? Qual sua tese?

É uma empresa que gera muito caixa, que está muito barata, negocia a 14x o lucro do ano que vem, e cresce de forma orgânica e por aquisições. Essa semana ela fez uma compra de R$ 1 bi que foi muito boa. E além disso, opera num setor defensivo. Se eu comprar o negócio de medicamentos no Brasil pelo setor de farmácias, eu vou ter que pagar 40x, 50x lucro. 

Eu ganho com a Hypera vendendo para a Raia Drogasil e para a farmacinha do bairro pagando 14x.

Mas não é possível que o mercado seja tão desarbitrado numa ação que é uma empresa grande, com liquidez… Não tem algum motivo para estar barata?

Ela teve problemas de governança envolvendo o controlador. Eles estão negociando a leniência, que ainda não saiu. Para mim, isso é um trigger importante quando sair. E acho que isso afasta muito estrangeiro.  Muitos não investem na empresa por causa disso, então virou um papel de investidores locais. Depois do acordo de leniência, os estrangeiros vão poder olhar de novo. 

Mas realmente é difícil entender esse preço. Por isso que eu tenho quase 20% do fundo nela. Porque não acho muita explicação para esse preço. 

Qual é sua tese de Guararapes?

Para mim o que definiu a coisa lá foi quando o Oswaldo Nunes, virou o CEO, e o Flávio Rocha virou chairman. Porque aí é cada um no lugar certo. E eu espero agora que o Flávio resolva a governança, vá para o Novo Mercado, e melhore a alocação de capital. 

O que falta para ir pro Novo Mercado?

Falta a família chamar a assembleia. Já adequaram o regulamento, toda a parte de estatuto, todos os fóruns internos, já é só uma classe de ações. Acho que esse ano ainda deve acontecer. E a outra decisão que o Flávio tem que fazer é em relação aos shoppings. Ele tem que definir se a empresa vai ficar com os imóveis dentro ou fora. 

E quais os múltiplos dessa empresa em comparação com Renner, por exemplo?

Ela está negociando a 22x lucro na nossa estimativa para o ano que vem. Já a Renner está negociando a 29x. A Guararapes tem o tamanho da Renner em número de lojas. Em área de vendas as duas são muito parecidas, em estrutura administrativa também. Mas ela não vende o mesmo que a Renner por metro quadrado. Ela vende uns 30% a menos. 

O mercado projeta para o ano que vem R$ 11,8 bi de receita para a Renner e R$ 8,8 bi para a Guararapes. A Renner é um pouco maior em área de vendas, mas o gap de vendas por metro quadrado ainda é grande.

Como você sabe onde está o problema, se está no layout da loja, na motivação do vendedor? 

Normalmente não é um problema só. É uma soma de tudo. Historicamente, o problema era a falta de processos. A Renner é mais organizada, é o benchmark. A Riachuelo fez o quê? Chamou a Falconi há algum tempo e começou a fazer processo, processo, processo. Todas as lojas de manhã fazendo a mesma coisa, os mesmos indicadores, corrigindo os problemas.

O gap entre as duas era maior no passado?

Era. Mas tem um problema. Eles começaram a melhorar isso em 2019, mas aí veio a pandemia e complicou tudo. Então não está facil do mercado ver tudo isso. Mas ela foi muito bem na pandemia, até melhor que as concorrentes. Quando você fala em geração de caixa, ela recolheu muito bem os recebíveis, foi muito bem no online.

Esses caras financiam a maior parte da venda com crédito próprio. Eles fizeram um recolhimento dos crediários próprios muito eficiente, fizeram parceria com o Carrefour. Estava muito mais digitalizada no recolhimento que as concorrentes. E quando você olha no segundo trimestre, ela gerou caixa e os outros não.