Quando entrei no Uber e vi que a viagem demoraria 80 minutos, quase desisti.

Sair da Vila Olímpia numa segunda-feira às 5 da tarde para conhecer uma ONG em Guarulhos é só para os fortes.

Mas quando cheguei no Olhar de Bia, um galpão humilde de chão de cimento queimado na periferia da cidade, cerca de 20 crianças me cercaram — e sua alegria contagiosa me fez esquecer de todos os problemas que eu (achava que) tinha naquele dia.

O sorriso de uma criança é uma coisa muito louca.  Não tem maldade, não tem interesse, não tem um porquê que não seja apenas a própria felicidade.

E o mais desconcertante é que aquelas crianças, pelas métricas a que estamos acostumados, não tinham motivo para sorrir:  umas haviam perdido o pai para as drogas; outras, para a cadeia, e outras ainda estavam ali para receber um alimento que não tinham em casa.

Cercado pela infinita curiosidade delas, tentei inverter o jogo e pedi que cada uma escrevesse o seu nome e o que queriam ser quando crescer.  As crianças se jogaram à tarefa com entusiasmo.

Detalhe: a maioria escreveu o nome completo, como se assinasse um documento.

Mais tarde, o professor me explicou que elas haviam se sentido profundamente importantes por alguém pedir que escrevessem seus nomes no papel.  O ato conferiu dignidade e reconhecimento a crianças que raramente são visíveis no abismo que separa a Vila Olímpia de Guarulhos.

Em outro momento, o professor de judô reuniu todos para dizer algumas palavras.  Colocando-se no mesmo plano que as crianças, disse que éramos todos felizes por estarmos ali, que éramos todos muito amados, e que devíamos ser gratos por isso. “Agora vamos fazer um lanche.  Ele nos foi oferecido pela padaria aqui do lado.  Somos muito gratos por esse lanche.” 

A vida não fica mais simples que isso, mais genuína, mais básica.  

O Olhar de Bia nasceu em 2006 pelo olhar puro e poderoso de uma outra criança. 

Quando tinha seis anos, Bia Martins estava no carro com o pai quando cruzou com crianças pedindo comida num sinal.

A cena foi perturbadora para a menina de classe média, que morava numa casa confortável em Guarulhos — calçada, vestida e alimentada pelos pais.

10834 14fb372a 1f31 6362 5517 13c33d9cbfe3A desigualdade do mundo já anestesiou muitos de nós (alguns, para sempre), mas as crianças nascem sem os vírus da acomodação e da inércia.

Bia perguntou ao pai por que aquelas crianças não eram como ela.  Por que estavam descalças?  Por que não tinham nada?

O pai respondeu o que qualquer adulto diria:  que os pais daquelas crianças não tinham condições.

Inconformada, Bia começou a guardar as balas que ganhava junto com o troco nos restaurantes que sua família frequentava.  Começou a juntar as balinhas em agosto, pensando em dar um grande saco de balas para as crianças carentes no Natal.

A atitude comoveu os pais, os vizinhos e a comunidade, e a partir dali o Olhar de Bia nasceu, cresceu e continua iluminando o mundo.

“What good is it, my brothers and sisters, if someone claims to have faith but has no deeds?” questiona o apóstolo Tiago.  No estado atual do mundo, somos obrigados a confrontar essa pergunta.

Bia continua morando em Guarulhos, trabalha numa startup na Vila Olímpia e pega dois ônibus para trabalhar todo dia.  

Mas seu empreendedorismo social precoce já gerou um unicórnio que se mede em bilhões de sorrisos e milhares de pessoas impactadas.

Eu fui apenas uma delas.

Pedro Sirotsky é fã da Bia e fundador do B1, um centro de treinamento de startups.

 
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