O pôster Hope, concebido pelo artista plástico americano Shepard Fairey para a campanha presidencial de Barack Obama em 2008, já é um ícone não apenas da política, mas também do design gráfico moderno.

A imagem correu o mundo, assim como as palavras de ordem “Change” e “Yes, We Can.”

O impacto visual das mensagens dos pôsteres foi potencializado por um elemento visual selecionado com obsessão pelos artistas: a fonte tipográfica.

As palavras foram estampadas com a Gotham, uma fonte da Hoefler&Co, uma admirada empresa de tipografia.

Fundada em 1989 pelo designer Jonathan Hoefler, a Hoefler&Co já contribuiu com a criação das marcas do Guggenheim (fonte da família Verlang), do Whitney Museum (fonte Whitney) e do Art Institute of Chicago (fonte Ideal Sams), e era uma das empresas de tipografia mais relevantes – e independentes das grandes corporações do design gráfico.

Dois anos atrás, entretanto, a Hoefler&Co aceitou uma proposta da Monotype – uma empresa que não é tão conhecida do grande público quanto a Adobe ou o Google, mas que vem assumindo uma posição de quase monopólio no mercado de fontes tipográficas.

Com o negócio, a Monotype levou também o domínio www.typography.com, que pertence à Hoefler&Co.

A Monotype hoje tem no seu catálogo 40.000 fontes, entre elas algumas das mais usadas na mídia digital, como a Helvetica, a Univers e a Frutiger – todas as três sem serifa, assim como a Gotham dos cartazes de Obama.

No início do mês, a Monotype ampliou o seu alcance global ao concluir a aquisição da japonesa Fontworks, adicionando mais 1.000 fontes a seu catálogo.

A história da Monotype teve início bem antes da mídia digital. A companhia nasceu em 1887, com o nome Lanston Monotype Machine Company, na Filadélfia. A empresa foi fundada pelo inventor americano Tolbert Lanston, que naquele ano demonstrou um protótipo — uma máquina de composição mecânica — que fundia os caracteres letra a letra, em vez das “linhas de caracteres” como a máquina Linotype, inventada poucos anos antes por Ottmar Mergenthaler, na Alemanha.  (O protótipo de Lanston não chegou a ser construido em série; a primeira máquina Monotype funcional só surgiria em 1896.)

Ao longo de sua história, a Monotype esteve envolvida na criação da emblemática Times New Roman, que leva este nome por ter sido desenvolvida por encomenda do The Times de Londres em 1931.

Outra fonte popular de seu catálogo é a Arial, concebida em 1982. Bastante similar à Helvetica, foi desenvolvida para a IBM com a ideia de ser uma sem-serifa genérica que pudesse se adaptar facilmente a diversos documentos em diferentes computadores e arquivos – e acabou ganhando  o mundo com sua adoção pela Microsoft em 1992.

A “fundição” Monotype – como essas empresas são chamadas em referência a seu passado de impressões com os tipos móveis fundidos em chumbo – teve diversos controladores nas últimas décadas, e hoje pertence à HGGC, uma gestora de private equity de Palo Alto focada em middle market.  A HGGC fez uma oferta de US$ 825 milhões para tirar a companhia da Nasdaq em 2019. (O ticker do papel era TYPE).

A Monotype tem uma carteira de mais de 4.000 clientes – empresas e instituições que encomendam uma fonte exclusiva para chamar de sua, ou que pagam pela licença de usar fontes com direitos reservados. É um mercado que fatura US$ 1,2 bi ao ano.

As fontes de seu acervo estão em milhares e milhares de produtos, nos painéis dos carros, nas telas de computadores, no visor dos relógios, nas embalagens, nas logomarcas de multinacionais, nos títulos de séries de TV, nos sites e nos videogames – e no DNA de inúmeras marcas.

Em 2014, por exemplo, quando a Southwest Airlines decidiu renovar sua identidade visual, a companhia aérea abandonou uma “genérica” Helvetica para ter a sua própria fonte, a Southwest Sans – criada, obviamente, pela Monotype. A tipografia está estampada nos aviões, nos anúncios, nos letreiros dos aeroportos e nos uniformes da empresa aérea.

Quanto maior o poder da Monotype, no entanto, mais os designers independentes torcem o nariz – e a venda da Hoefler&Co foi especialmente dolorida para quem trabalha nesse mercado.

A maior parte dos designers desenvolve novos tipos desenhando no computador, e não mais a mão. O trabalho, contudo, é bastante artesanal, em uma elaboração paciente em torno de formas e espaçamentos de letras, números e símbolos.

O temor desses profissionais é que num mundo dominado pela Monotype, de um lado, e pelas fontes genéricas e oferecidas gratuitamente, de outro, vai sobrar pouco espaço para o trabalho dos artistas independentes.

Milhares de fontes estão disponíveis de graça ou a preços extremamente baixos em sites como o MyFonts – aliás, comprado pela Monotype em 2011.

“Um mercado com um único grande player e um monte de pequenos fornecedores não é saudável,” disse ao The Hustle o professor de tipografia Gerry Leonidas, da Universidade de Reading. “Diminui a concorrência e torna mais difícil o crescimento de outros modelos.”

Os escritórios boutique ficaram espremidos, até porque sofrem com a competição de outros dois competidores de peso, a Adobe Fonts e a Google Fonts – sendo que este oferece as fontes gratuitamente.

Existem também os marketplaces com bases gigantescas de fontes, criadas por gente que muitas vezes desenha fontes por hobby e as vende por uma ninharia. O MyFonts, da Monotype, tem um catálogo com 250 mil fontes. O Creative Market tem uma biblioteca de 82 mil tipos de letras, números e símbolos. Normalmente, 50% dos lucros com a venda nesses sites ficam com a plataforma.

E vem aí um novo desafio para os designers: as fontes criadas a partir dos modelos de inteligência artificial.

Talvez só mesmo os robôs sejam capazes de desafiar o domínio da Monotype.