As negociações entre o estado de Minas e o Governo Lula para federalizar os maiores ativos do estado ainda estão numa fase inicial, sem nenhuma das definições técnicas que o mercado tanto busca como resposta.
Não há, por exemplo, nenhum estudo técnico sobre o valor justo das empresas. “Ainda está tudo no campo político, e apenas no campo político,” uma fonte envolvida nas negociações disse ao Brazil Journal, adicionando, no entanto, que o Estado espera receber um “prêmio de controle” pelas companhias.
A ação PN da Cemig – que não tem direito a tag along numa transferência de controle – chegou a cair mais de 14% hoje, e a ação da Copasa, 10%, depois que Governador Romeu Zema disse a repórteres que está “de acordo” com a federalização das duas empresas. (No final do pregão, ambos os papéis reduziram a queda.)
Em princípio, também entrariam no pacote de abatimento de dívida de Minas Gerais a Codemig – a estatal dona das famosas reservas de nióbio em Araxá, e que explora a jazida em parceria com a CBMM – e a indenização que o estado eventualmente receberá da Vale pela tragédia em Mariana.
Desde que assumiu em seu primeiro mandato, Zema conseguiu reverter o déficit anual, que estava em R$ 10 bilhões em 2018, para um superávit pequeno em 2021 e superávits crescentes nos dois anos seguintes.
O governo mineiro consertou o fluxo, mas parou de servir sua dívida com a União em 2018, valendo-se de uma liminar do STF. Em 2021, aderiu a um acordo que o obriga a voltar a servir a dívida já em 2024.
E que dívida. Minas deve R$ 158 bilhões a União, e a tese é de que o pacote de ativos possa ser usado para amortizar substancialmente esta dívida – quem sabe, cortando-a pela metade.
Na ponta do lápis, e olhando apenas o valor de mercado, as participações que o Estado tem na Cemig (17% do capital total) e na Copasa (50,03%) valeriam pouco mais de R$ 8 bilhões. Mesmo incluindo um prêmio de controle de 100%, estamos falando de R$ 16 bilhões nestas duas. A pegadinha: para cada percentual da dívida que Minas amortizar com ativos, a União dará o mesmo percentual de desconto no resto da dívida, que depois seria quitada em 12 anos.
Só quem é de Minas sabe o que a Cemig representa no estado: uma espécie de Petrobras da província, uma vaca sagrada cujo orçamento e onipresença historicamente tocaram não apenas a vida do cidadão comum, mas também nomeações políticas e investimentos direcionados.
Dito isso, é digno de nota que as lideranças envolvidas – o Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, o Ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, o presidente da ALMG, Tadeu Martins Leite, além dos próprios Zema e Lula – conseguiram finalmente reunir a tal “vontade política” que sempre falta para resolver os grandes problemas, mas (infelizmente) apontaram essa vontade política na direção errada.
Em outras palavras: acharam a tal vontade política para dobrar a aposta no modelo estatal, em vez de apostarem na privatização, o caminho mais lógico, e o que certamente geraria uma disputa pelos ativos e um preço final maior.
Apesar de toda essa vontade política, o processo de federalização é complexo, delicado e moroso – e talvez nem os envolvidos entendam bem isso.
Nas federalizações anteriores – a de bancos estaduais, no final dos anos 90, no âmbito do Proer – o processo de due diligence do Tesouro Nacional durou em média dois anos.
Ao contrário de M&As no setor privado – em que o comprador primeiro oferta um preço e depois faz a due diligence – na federalização o processo é o oposto. O Tesouro tem que levantar todos os passivos cíveis, trabalhistas e previdenciários das empresas, além de inventariar cada ativo lançado na contabilidade. Só depois disso é que se chega a um preço.
“Não é só pegar o que está no balanço e aplicar uma metodologia de fluxo de caixa descontado. O TCU historicamente exige tudo isso para aceitar um preço,” disse um servidor público de carreira que já participou de federalizações.
Mas o pior é que a federalização tipicamente não funciona – e por motivos simples de entender.
O primeiro é que, na precificação dos ativos, os estados sempre exigem ágios altos em relação ao preço de mercado, sem nenhuma justificativa técnica.
Além disso, quando se começa a discussão de federalização, os estados começam a tratar aquele ativo como centro de custos, descarregando dentro dele passivos trabalhistas, benefícios e gratuidades, e outros custos que depois a União tem que assumir. Quando o ativo finalmente é absorvido pelo Tesouro, dois anos depois, ele já está deteriorado.
Por fim, esses ativos estaduais têm características muito peculiares, geralmente sendo usados para atingir objetivos estratégicos do Estado. Ao assumir o ativo, o Tesouro tem que desarmar esta lógica – o que implica em desagradar o Estado – ou fazer novos aportes na empresa, gerando pedidos de isonomia e compensação por parte de outros estados.
Mas todas essas razões para não fazer só serão ouvidas se os envolvidos estiverem tão preocupados com a racionalidade do processo quanto estão com seus dividendos políticos.
É o ritmo da política que vai ditar o futuro das estatais mineiras, e os investidores assistirão a provável destruição de valor da arquibancada, com informação imperfeita e muita volatilidade.
Mas o grande mistério permanece: por que eles têm medo da privatização?