Não é pouca coisa um filho de cubanos, Marco Rubio, tornar-se Secretário de Estado dos Estados Unidos. A cadeira foi ocupada pela primeira vez por ninguém menos que Thomas Jefferson.
Na longa lista dos nomes de secretários que se seguiram, não houve sequer um que sequer soasse espanhol.
Rubio (louro em português) pode lembrar que a ilha que já foi de Fidel não existe só para criar problemas para os americanos.
Os próprios pais do senador pela Flórida, hoje com 53 anos, chegaram à Flórida em 1955, antes da revolução comunista, e alimentaram a esperança de um dia voltar para a Ilha. Antes do cerco econômico, cubanos e americanos chegaram a ter esperança de que Cuba fosse absorvida pelos Estados Unidos, como o vizinho Porto Rico.
Quem conta bem essa história de amor e ódio entre os dois países é outra filha de cubanos, Ada Ferrer, professora da New York University e ganhadora do Pulitzer de 2022 por seu livro Cuba, uma história americana, da editora Simon Schuster, sem tradução em português.
Elogios dos mais renomados acadêmicos americanos, como David W. Blight, outro ganhador do Pulitzer, mostram que muitos fatos do passado de Cuba revelados pela autora estavam soterrados pelo conflito ideológico iniciado na Guerra Fria – e permanecem explosivos.
A aproximação com o os Estados Unidos era, mais que amistosa, o desejo de uma união carnal. Proprietários de engenhos de açúcar e gente do Sul dos EUA também eram grandes produtores em Cuba.
A própria Independência americana teve contribuição cubana para dominar navios ingleses nos portos do baixo Mississippi, como Pensacola. Dinheiro de proprietários cubanos alimentaram os exércitos depauperados de Washington na famosa batalha de Yorktown, em 1781, revela a autora.
Como agradecimento, o casal Washington recebeu o enviado do governo de Cuba, Juan Miralles. Espanhol e bilíngue, traficante de africanos, Miralles acompanhou a entrada do general no Congresso na Filadélfia e ainda teve lugar de destaque nos primeiros desfiles de comemoração do 4 de julho.
Depois da Independência, as ligações alimentadas pela produção de açúcar com braços negros entre o Sul dos Estados Unidos e Cuba continuaram tórridas. “A cidade de Cárdenas atraiu tantos residentes e proprietários americanos que, em meados do século XIX, ganhou o apelido de “a cidade americana”. Mais de 90% de seu comércio era com os Estados Unidos.
“O açúcar cultivado por escravos em Cuba ajudou a matar a fome dos trabalhadores, e seus lucros alimentaram o crescimento das indústrias americanas. Cuba – seu açúcar, sua escravidão, seu comércio de escravos – faz parte da história do capitalismo americano,” escreve a autora.
Ricos fazendeiros americanos costumavam frequentar fazendas de produção de açúcar e rum em Cuba para tratamentos de doenças ligadas ao frio. Em 1853, o vice-presidente dos EUA, Rufus King, um afluente escravista do Alabama, tomou posse no cargo numa plantação em Cuba, com a presença de testemunhas e dois cônsules americanos.
Reveladora é a exceção aberta para Cuba na chamada Doutrina Monroe, um novo Tratado de Tordesilhas imaginário, declarado unilateralmente pelo presidente americano em 1823.
A “América para os americanos” defendida por Monroe deixou Cuba de fora, permitindo que mantivesse a ligação com a Espanha monárquica, que servia bem aos interesses dos donos de engenho do Sul.
A explicação é simples: os grandes proprietários cubanos preferiam a lealdade à distante e pouco atuante monarquia ibérica, que pouco se metia no intenso comércio com os Estados Unidos, do que a proximidade com os movimentos republicanos que já fervilhavam na região.
Não poucas vezes, o governo americano mandou às favas os escrúpulos republicanos e enviou tropas ou dinheiro para abafar os independentistas cubanos. Em 1889 (a data soa familiar aos brasileiros) aumentaram, porém, os movimentos pela independência de Cuba.
Em 1902, os Estados Unidos apoiaram a eleição do primeiro presidente da república cubana, Tomás Estrada Palma, que tinha cidadania americana e foi considerado títere dos americanos pelos rebeldes que tomariam o país em 1959.
O governo de Palma não demorou muito a se provar inviável. Em 1906, Ted Roosevelt, que já havia servido como voluntário na cavalaria americana contra os espanhóis em Cuba, em 1898, ordenou a segunda ocupação militar de Cuba.
A autora narra as revoltas cubanas e intervenções abertas ou veladas dos Estados Unidos ao longo da história até os anos Obama (2009-2017), que promoveu um breve período de distensão entre os dois países.
Não se deve esperar comportamento semelhante de Rubio.