Flutuando no espaço a 35.900 quilômetros de altura, um satélite detecta uma emissão de luz muito intensa em um ponto suspeito da superfície. Em poucos segundos, emite um sinal de alerta para uma Instalação de Dados Aeroespaciais do outro lado do planeta.
Pouco mais de uma hora depois, bilhões de pessoas estarão mortas. A civilização como a conhecemos terá chegado ao fim.
Guerra Nuclear – Um Cenário (tradução de Livia de Almeida; Rocco; 352 páginas), da jornalista americana Annie Jacobsen, autora de outros livros que investigam os bastidores do poder bélico dos Estados Unidos, narra o que aconteceria entre esses dois momentos hipotéticos. (Compre aqui)
Amparado em extensa pesquisa e entrevistas com dezenas de especialistas civis e militares, este é, na essência, um livro-reportagem sobre os riscos que o estoque de armas nucleares hoje existente representa para a humanidade.
A grande sacada da autora foi organizar fatos e dados reais em torno de uma ficção especulativa – o tal “cenário” que começa pelo disparo de um único míssil e, em uma sequência vertiginosa de retaliações e equívocos, culmina no extermínio global.
Os tópicos históricos, políticos e científicos que Annie vai detalhando ao longo do livro – da evolução e funcionamento dos mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs, na sigla em inglês) à cadeia de comando do governo americano para o acionamento de armas nucleares – tornam mais plausível a história apocalíptica que ela narra.
O resultado é, sem exagero, um livro aterrorizante.
Detectada por um satélite geoestacionário americano que vigia a Coreia do Norte, a luz forte que dá início à história vem da propulsão de um míssil Hwasong-17. Seu destino é o centro nervoso do aparato militar dos Estados Unidos: o Pentágono, em Washington.
Não se explica por que o ditador norte-coreano (que não é nomeado: pode ser Kim Jong-un ou um sucessor) decide atacar. Pode ter tido seu momento de “rei louco”. O que importa aqui é a sequência de ações que esse evento ocasiona.
O detonador da catástrofe escolhido por Annie Jacobsen talvez não seja, como ela mesmo adverte, o mais provável, mas é uma possibilidade que causa arrepios em especialistas e estrategistas americanos: um ataque singular inesperado, chamado nos meios militares de “bolt out of the blue”.
Ao contrário do que aconteceu, por exemplo, na crise dos mísseis de Cuba, neste cenário não haverá tempo para negociações ou conversas diplomáticas. Uma vez que um ICBM é lançado, não há como abortá-lo. Em aproximadamente meia hora, ele deve reduzir a capital americana a destroços radioativos.
A cobertura da guerra entre Israel e Irã exibiu imagens impressionantes de mísseis interceptados pelo Domo de Ferro nos céus de Tel-Aviv. Mas são mísseis de curto alcance. É incomparavelmente mais difícil derrubar um ICBM, pois ele se torna invisível para satélites e radares depois que sobe acima da atmosfera.
Em um artigo de 2017, o físico Richard Garwin, projetista da primeira bomba de hidrogênio, e o especialista em tecnologia de mísseis Theodore Postol (ambos entrevistados por Annie) propuseram o emprego de drones para derrubar mísseis ainda na fase de subida. Ninguém tentou concretizar a ideia.
Os Estados Unidos contam hoje com apenas 44 foguetes de defesa. Em tese capazes de interceptar um ICBM no trajeto de descida, eles são, segundo apurou Annie Jacobsen, pouco confiáveis.
Se é quase impossível conter o ataque, resta responder ao agressor com força máxima – o que, no cenário composto por Annie, significa obliterar a Coreia do Norte com armas termonucleares. Cabe ao presidente americano decidir, a partir de uma espécie de cardápio nuclear previamente elaborado, a intensidade da retaliação.
O tempo que ele teria para essa decisão é dramaticamente curto, como bem observou Ronald Reagan em suas memórias: “Seis minutos para decidir como responder a um ponto em uma tela de radar e decidir se deve ou não acarretar o Armagedom! Como alguém poderia aplicar a razão em um momento como esse?”
A certa altura da tensa narrativa de Annie, a Rússia também será envolvida no conflito. E mais não se pode dizer: embora o epílogo catastrófico da história esteja anunciado já na introdução, a autora armou algumas surpresas no caminho.
Obra de não-ficção com certo jeito de thriller, Guerra Nuclear teve seus direitos de adaptação comprados pelo estúdio Legendary. Denis Villeneuve é aventado para dirigir o filme.
Esta não é, porém, uma leitura exatamente leve. O cenário criado por Annie alerta para a perigosa irracionalidade do armamentismo nuclear.
Os nove países hoje detentores de bombas nucleares são regrados pela dissuasão: com armas tão poderosas, melhor não atacar para não ser atacado. Tem funcionado relativamente bem, até aqui.
O problema, adverte Annie, é que se a dissuasão falhar uma única vez, as consequências serão devastadoras.
O capítulo final do livro delineia os dois anos seguintes à destruição global, quando a radiação e o inverno nuclear cobrirão até os países que não se envolveram no conflito. Jacobsen lembra a frase lapidar do líder soviético Nikita Kruschev sobre o mundo pós-guerra nuclear: “os sobreviventes invejarão os mortos”.