O governo conseguiu vender o osso — sem o filé. 

A GRU Airport, controlada pela Invepar e que tem a concessão do aeroporto de Guarulhos, arrematou 12 dos 19 aeroportos regionais leiloados hoje pelo Ministério de Portos e Aeroportos.

A empresa ficou com três aeroportos em Pernambuco (Araripina, Garanhuns e Serra Talhada), dois na Bahia (Lençóis e Paulo Afonso), dois em Rondônia (Cacoal e Vilhena), um no Maranhão (Barreirinhas), um no Piauí (São Raimundo Nonato), um no Mato Grosso (Porto Alegre do Norte), um no Ceará (Canoa Quebrada) e um no Tocantins (Araguaína). 

Além da GRU Airport, apenas a Fraport – a companhia alemã que administra os aeroportos de Fortaleza e Porto Alegre – venceu outro ativo: o aeroporto de Jericoacoara (CE).

Seis aeroportos – Barcelos (AM), Tarauacá (AC), Itacoatiara (AM), Itaituba (PA), Parintins (AM) e Guanambi (BA) – não tiveram propostas.

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No total, o Ministério prevê investimentos de R$ 700 milhões nos aeroportos concedidos. O ministro dos Portos e Aeroportos, Silvio Costa, definiu o leilão como “um marco histórico”. 

O leilão fez parte da primeira fase do AmpliAR, o programa que visa conectar aeroportos regionais à malha aérea nacional. 

Apenas concessionárias que já têm contratos federais vigentes puderam participar. Isso porque, para estimular investimentos nesses aeroportos deficitários, o programa prevê que as concessionárias vencedoras possam receber uma extensão do prazo de concessão de seus outros ativos como forma de reequilíbrio econômico-financeiro. 

No AmpliAR, o deságio não é um desconto sobre a outorga, mas sobre o fluxo de caixa negativo projetado pelo governo para cada aeroporto regional. 

Como esses terminais dão prejuízo, o Ministério calcula receitas, capex e opex, e estima quanto cada aeroporto “perderia” até o fim do contrato. Ou seja, o lance das concessionárias indica quanto desse déficit elas aceitam absorver, reduzindo o tamanho da compensação futura que receberão nos contratos já vigentes.

A GRU foi a única interessada nos 12 aeroportos que arrematou e não ofereceu nenhum deságio sobre os ativos – sinalizando que aceita operar no déficit estimado pelo governo, sem assumir perdas adicionais.

Na disputa por Jericoacoara, a lógica se inverteu. A Fraport venceu ao oferecer 100% de deságio, abrindo mão de qualquer reequilíbrio nos contratos que já opera. 

Apesar de a GRU Airport ser controlada pela Invepar — que está em negociações com credores para evitar uma recuperação judicial — especialistas não enxergam que isso será um problema para os investimentos a serem realizados pela companhia.

“O aeroporto de Guarulhos é muito rentável, então alguns anos de concessão a mais já compensam esses investimentos,” disse uma fonte com conhecimento do setor. 

Segundo o advogado Mauricio Moysés, do escritório Moysés e Pires, que trabalhou com o governo em diversas concessões de aeroportos, a ANAC tem um prazo de 60 dias para avaliar como vai funcionar o reequilíbrio dos contratos dos vencedores. 

Já os aeroportos que não tiveram propostas ficarão disponíveis para receber investimentos de outros interessados. “Mas é difícil imaginar que alguém vai se interessar depois do leilão,” disse Moysés. 

O economista Cláudio Frischtak, da consultoria Inter.B, enxerga o AmpliAR como um programa bem desenhado “porque não empurra goela abaixo” terminais regionais problemáticos.

“O leilão foi bem-sucedido. Quem entra, em tese, já tem um certo tipo de experiência,” disse. 

Mas Frischtak aponta uma preocupação: como garantir que a qualidade dos terminais será devidamente aferida quando eles forem incorporados a concessões mais amplas?

Para ele, há falhas na supervisão e fiscalização regulatória, visíveis em decisões como a redução de áreas de assento para ampliar espaços comerciais e rentabilizar cada metro quadrado.

“Esse movimento já está começando a prejudicar o passageiro,” disse.