Quando Tim Maia adentrou o Teatro Municipal de Niterói em 8 de março de 1998, ele sobrevivia muito mais das glórias passadas do que dos trabalhos dos últimos tempos. Tim iria gravar um especial para o Multishow, onde mais uma vez passaria a limpo sua história musical.

Não deu tempo. 

O cantor passou mal nos versos iniciais de Não Quero Dinheiro (Só Quero Amar) e foi levado às pressas para o Hospital Universitário Antônio Pedro, ali perto, onde morreu no dia 15 de março de falência múltipla de órgãos. Tinha 55 anos e uma longa lista de grandes serviços ao showbiz brasileiro – que nos últimos tempos não era reconhecido, muito por causa de seu comportamento autodestrutivo.

Tim Maia entrou para a história como aquele sujeito que pedia “mais grave, agudo, retorno, mais tudo!” aos técnicos de som nos locais onde se apresentava. Ou melhor, QUANDO se apresentava – visto que seus cancelamentos em cima da hora viraram folclore. Mas o artista sempre foi maior do que a lenda: suas contribuições foram tão imensas quanto seu corpanzil de 1,72 metro e 142 quilos. 

Para começar, foi Tim quem formatou a soul music para o público brasileiro. O gênero já era conhecido pelos artistas locais, principalmente os que frequentavam a Cave, a casa noturna na Praça Roosevelt, em São Paulo. O tremendão Erasmo Carlos disse certa vez que aquele era o ponto de encontro dos convidados da jovem guarda, que ali escutavam os últimos hits da Motown, a maior gravadora da história da música negra americana, e do cantor Otis Redding. 

Tim, contudo, foi o sujeito que trouxe o know-how, a maneira de se produzir esse estilo por esses lados – temperado, claro, com elementos brasileiros – depois de uma passagem tempestuosa pelos Estados Unidos no final dos anos 1950.

Primeiro, um pouco de história.

Sebastião Rodrigues Maia nasceu no dia 28 de setembro de 1942 na Tijuca, zona norte do Rio. A música sempre fez parte do seu dia-a-dia. Tocou bateria no Tijucanos do Ritmo e formou, em 1957, o grupo vocal The Sputniks (que tinha em seus integrantes um certo Roberto Carlos). 

Dois anos depois, Tim arriscaria a vida nos Estados Unidos. Foi morar em Tarrytown, uma cidadezinha nos arredores de Nova York. Ali viveu de pequenos bicos e conheceu Roger Bruno, vocalista do grupo The Ideals. Foi com eles que Tim (conhecido na cidade como “Jim” porque ninguém sabia pronunciar Sebastião) gravou seu primeiro single – New Love, uma balada com influência de bossa nova e bateria do lendário Milton Banana. 

“Jim costumava passar os sábados numa igreja da cidade, onde aprendeu o canto dos negros americanos,” Bruno me disse certa vez numa entrevista.

O apreço pela encrenca, contudo, não custou a aparecer. Tim/Jim acabou deportado por se envolver num roubo.

De volta ao Brasil, Tim Maia disse ter sido esnobado – versão que muitos contestam – por Roberto e Erasmo Carlos, parceiros dos tempos da Tijuca e que eram astros do programa Jovem Guarda. 

Ele então apresentou o projeto para Eduardo Araújo. A Onda é Bugaloo, que o cantor lançou em 1968 com produção do próprio Tim, é o primeiro disco de soul music brasileira. Ele traz, em sua maioria, versões dos grupos americanos daquele período. E tem a estreia de Você, balada soul que Tim registraria em seu álbum de 1971.

O cantor posteriormente colaborou em discos de Roberto (a canção Não Vou Ficar) e Erasmo (Não Quero Nem Saber) e fez um dueto com Elis Regina em These Are the Songs. Em 1970, ele finalmente gravou seu primeiro disco como intérprete.

Tim Maia (1970) é pedra fundamental para se entender a soul music made in Brazil. O repertório se divide entre composições do cantor, mas também uma colaboração maciça dos Diagonais, o trio formado por Cassiano, Camarão e Amaro e que trazia Hyldon como guitarrista – ou seja, personagens importantes do gênero. 

Coroné Antônio Bento, forró de João do Vale, fazia parte dos shows do trio; Primavera e Eu Amo Você eram de Cassiano. O gênero soul se faz presente no vocal rasgado, no canto de apoio, no baixo pulsante de Capacete. Por outro lado, havia elementos de samba, forró, baião e bossa nova. Esta mistura se faz presente nos próximos três discos de Tim e traz os maiores sucessos de sua carreira – Réu Confesso, Azul da Cor do Mar, Gostava Tanto de Você

Artista inquieto, Tim Maia passou por diversas mutações musicais em sua carreira. Em 1974, se encantou com a Cultura Racional, uma seita mística criada pelo carioca Manoel Jacinto Coelho.

Tim gravou dois discos dedicados ao movimento, onde se fazia notar a presença de um funk pesado, influenciado por bandas como Tower of Power e Charles Wright & the 103rd Street Band.

Quando se desencantou com a Cultura Racional, voltou-se para a disco music, principal vertente musical do final dos anos 70 – e que gerou o ótimo Tim Maia Disco Club, de 1978. Em 1983, se reinventou como intérprete romântico ao gravar Me Dê Motivo, primeira parceria de sucesso dos midas Michael Sullivan e Paulo Massadas. Debruçou-se ainda sobre gêneros como bossa nova e rhythm’n’blues.

As confusões de sua carreira são mais do que famosas.

Tim fumou, bebeu, cheirou e causou. Brigou com praticamente todos os seus parceiros e foi banido da Rede Globo depois de sumir na hora de gravar os programas da casa. Construiu uma casa no terreno do vizinho, pensando que era sua propriedade. Embora gostasse de dizer que sua gravadora, a Seroma, pagava até aos domingos depois das 21h, foi processado por diversos integrantes de sua banda.

O consumo desenfreado de substâncias tóxicas fez com que perdesse muito de sua potência vocal e suas apresentações se tornassem um karaokê, no qual boa parte das canções eram levadas pela plateia. 

26 anos depois de sua morte, no entanto, e do enorme vazio que deixou no firmamento brasileiro, toda aquela polêmica virou apenas uma nota de rodapé no enorme capítulo que a arte e o gênio de Tim Maia escreveram para a música brasileira.