Desde que foi fundada há 12 anos, a Captalys surfou o crescimento do mercado de crédito brasileiro, primeiro operando como uma gestora e depois como uma plataforma de ‘credit as a service’.
O negócio estava tão bom que no ano passado a companhia flertou com um IPO – que acabou cancelado dadas as proverbiais “condições de mercado.”
Agora, a empresa voltou a virar assunto na Faria Lima – mas, desta vez, envolvida em controvérsia.
Seu principal fundo – o Orion, que investe em mais de 20 FIDCs da própria Captalys – começou a reportar uma cota negativa pela primeira vez em 11 anos. No ano, o retorno do fundo é positivo em 3,6%.
A queda acumulada – de 4,8% até 26 de setembro – veio acompanhada de rumores que atrelam as perdas a problemas específicos de marcação a mercado e provisionamento em pelo menos dois FIDCs – e que, segundo fontes ouvidas pelo Brazil Journal, seriam do conhecimento da Captalys há pelo menos um ano e meio.
Segundo essas fontes, a gestora teria optado por “empurrar esses problemas para a frente” porque preparava o IPO.
No centro de todos os acontecimentos está Margot Greenman, a CEO da Captalys e uma figura controversa no mercado.
No Brasil há quase 15 anos, a executiva americana fundou a Captalys ao lado Luis Cláudio Garcia de Souza, um veterano do mercado de crédito, ex-sócio do Pactual e da RB Capital. Ano passado, Luis Claudio passou o controle do negócio para Margot, entregando a ela suas ações ordinárias e ficando com papéis preferenciais.
“Muitas pessoas saem da Captalys muito insatisfeitas, fazendo pesadas críticas aos procedimentos da companhia e especificamente à Margot, sempre descrita como uma pessoa dificílima de lidar,” disse um gestor de crédito. “A sensação no mercado é que a cultura da empresa não é boa e compromete o negócio.”
“Sim, eu sou difícil. Mas como eu deveria ser? Fácil?” Margot disse ao Brazil Journal. “Eu estou no mercado financeiro, todo mundo bate em mim o tempo todo. Parei de enxergar esse tipo de afirmação como uma crítica.”
Margot disse que as histórias que circulam no mercado têm um “componente pessoal” contra ela e trazem “elementos de verdade” que estão sendo distorcidos para induzir uma percepção de que falta integridade a ela ou à companhia.
“Isso é feito com a intenção de nos matar,” disse a CEO da Captalys. “Estamos no mercado para fazer algo perene. Confiança e integridade são a base de tudo o que temos e fazemos.”
Segundo Margot, a performance negativa do Orion não foi afetada por problemas específicos de um ou outro FIDC, mas pela marcação a mercado e alterações na régua de provisionamento na carteira inteira e que afetaram mais particularmente seis fundos.
As mudanças foram feitas porque o Orion passou a ter resgates mais relevantes desde março, e a Captalys entendeu que esse movimento não seria passageiro.
Os cotistas do Orion são investidores profissionais e muitos deles são fundos de pensão privados, que estão encontrando nas NTN-Bs taxas melhores do que na renda fixa alternativa, e estão migrando para o título público.
Além disso, o retorno do fundo, que historicamente era de CDI + 5%, caiu para CDI +1%, dado que 40% da carteira estava em ativos pré-fixados originados numa taxa de juros mais baixa, e o Orion ainda carrega esse bolo de ativos. “Estamos trabalhando em novas operações, mas estamos deixando a desejar perante as expectativas dos nossos investidores,” disse Margot.
Para se preparar para possíveis retiradas ‘mais pesadas’, a Captalys passou um pente fino na carteira e entendeu que precisava fazer os ajustes que, segundo Margot, já terminaram.
Um deles foi feito nos ativos imobilizados: garantias imobiliárias executadas e que passaram a ser carregadas pelo fundo. Esses ativos são marcados no fundo a valor recuperável, mas têm ‘carrego zero’ – como rendem zero, puxam o fundo para baixo.
Por conta dos resgates, a Captalys fez testes de estresse projetando queda em seu AUM, e entendeu que essa carteira de imobilizados precisaria ser diminuída.
Em vez de trabalhar na venda dos ativos de forma oportunística e em longos prazos como sempre fez, optou por vendê-los na janela de seis meses que tinha para pagar os resgates. (Três ativos foram vendidos no valor da marcação, mas oito não tiveram comprador e a gestora entendeu que o preço estava marcado errado, o que gerou um ajuste de R$ 41 milhões.)
O segundo ajuste, de mais R$ 40 milhões, foi em FIDCs dedicados a micro e pequenas empresas – em particular aqueles com garantias de recebíveis de cartão de crédito e débito.
A CEO da Captalys disse que esse segmento sofreu com questões operacionais a partir de junho do ano passado, quando houve problemas na implantação da trava centralizada de crédito das registradoras.
Essa confusão, que na época também afetou a operação da Stone, reduziu o fluxo de operações e teria demorado um ano para ser equacionada. Segundo Margot, em junho deste ano os fluxos foram normalizados, e a Captalys foi olhar para a qualidade do crédito.
Os fundos, conforme as regras do Banco Central, marcavam créditos ‘inadimplidos’ seguindo percentuais de faixas de atraso ao longo de 180 dias. “Percebemos que a probabilidade de recuperação desses créditos após 60 dias era quase nula e baixamos a régua de provisionamento para esse prazo,” disse a CEO.
Um dos fundos atingidos nessa mudança foi o Onix, citado nos rumores de mercado por estar com “provisionamentos errados”.
Margot nega que os problemas tenham sido empurrados para frente por causa do IPO. “Esse assunto não tem nada a ver com o IPO da empresa, que é uma plataforma de crédito. Estamos falando de uma mudança de provisionamento da ordem de 2% do PL do fundo.” O PL do Orion é de R$ 1,6 bi.
O outro fundo citado nos rumores é o AUSA, que reúne financiamentos a clientes da Alphaville Urbanismo. Esse fundo teria ativos atrelados a diferentes indexadores e spreads; e a opção foi fazer a marcação por uma taxa média. Há mais de ano, a Captalys já teria identificado que o retorno do fundo era muito inferior a essa taxa média. Mas em vez de solucionar o problema, segundo os rumores, a empresa assumiu a administração do fundo para escondê-lo; em vários dos FIDCs investidos pelo Orion, a Captalys acumula gestão e administração.
Segundo Margot, os “problemas operacionais” do AUSA foram resolvidos pela troca da indexação para o CDI. “A Captalys assumiu a administração para resolver os problemas, já que o administrador anterior não tinha condições de processar as informações de diversos indexadores.”
Ela disse também que o AUSA não derrubou as cotas do Orion: “O fundo tem subordinação de 15%, e 100% dessas cotas, mais arriscadas, são da Alphaville. Era uma questão que impactava a Alphaville e seu balanço,” disse Margot.
Os supostos problemas nos FIDCs teriam começado a virar assunto nos corredores da própria Captalys quando a empresa iniciou uma rodada para atrair investidores em março de 2021.
Segundo os rumores que correm na Faria Lima, alguns investidores interessados que olharam as carteiras questionaram a qualidade dos créditos e das garantias e discordaram das marcações.
“Em vez de fazer o ‘mark to market’, eles fazem o ‘pretend and extend’”, resumiu uma fonte que acompanhou o processo. “Pode ter havido alguma agressividade na marcação.”
Na avaliação desta fonte, o problema de crédito nos FIDCs de micro empresas aparentemente poderia ter sido identificado bem antes de junho passado – o write off de micro empresas em 60 dias já seria praxe no mercado.
Para outro gestor de crédito, o modelo ‘verticalizado’ da Captalys – em que ela pode acumular gestão e administração dos fundos – acaba sendo terreno fértil para que problemas como esse possam acontecer, ou mesmo para que surjam histórias de que eles existem. “Isso acaba gerando conflitos.” A Captalys entrou no mercdo de administração de fundos em setembro de 2021.
Margot disse que entende que o mercado não está acostumado a esse modelo, mas diz que a administradora da Captalys só faz FIDCs e tem um trabalho mais especializado do que as outras, que têm menos capacidade tecnológica e operacional para lidar com carteiras muito pulverizadas. Segundo ela, dos seis fundos afetados pelos ajustes, quatro são administrados por terceiros, incluindo o Onix. Em fevereiro, a Captalys contratou a PwC para acompanhar e emitir um parecer sobre seus controles internos.
Para um gestor de crédito, a falta de familiaridade de alguns investidores com a dinâmica do crédito high yield – que tem menos transparência, mais risco, mas têm garantias e quase nunca oscila – leva investidores a uma percepção de que estão num produto menos volátil. “Só que quando vem uma oscilação, ela cria um medo generalizado, que pode virar uma corrida por resgates,” disse.
O Orion foi criado com uma estrutura pensada para evitar que a estratégia sofra com resgates. Os pedidos só são aceitos 4 vezes por ano a cada fim de trimestre; os pagamentos são feitos somente seis meses depois e estão limitados a 20% do PL – num mecanismo conhecido como gate. Se o volume for superior a esse percentual, há um rateio e o excedente fica para a janela seguinte.
Em março deste ano, os resgates – que deverão ser pagos em 30 de setembro – foram de R$ 183 milhões, cerca de 11% do PL. Até então, o maior percentual registrado tinha sido na pandemia, de 8%. Em junho, as retiradas alcançaram R$ 218 milhões e nesta janela de setembro vão superar o limite dos 20%.
“Como o fundo tem um gate, cada cotista acha que o outro também vai pedir resgate para sair antes e isso pode levar o fundo a ficar com um fluxo de resgates sem fim, trimestre após trimestre”, disse um gestor. “Se o gate é bom ou não, depende essencialmente do perfil de ativos da carteira, ou seja, se o próprio fluxo das operações é suficiente para gerar caixa e devolver os recursos para os investidores.”
Para ele, nesse perfil de ativos, faria mais sentido um fundo fechado, com cronograma de amortização definido.
No fim de semana, dois novos rumores surgiram envolvendo Margot e a Captalys.
Um deles era de que o BTG Pactual estava fazendo uma diligência na empresa – na rodada de abril do ano passado, a Captalys fechou com a área de special situations do banco uma debênture conversível em ações de R$ 90 milhões. Cotas da Captalys foram dadas em garantia das debêntures, que estão com os pagamentos em dia.
“Sim, o BTG passou o fim de semana na empresa, acessando informações e conversando com funcionários porque eu pedi a eles que fizessem isso,” disse Margot. “O BTG é nosso credor, tem interesse no equity e pedi que fizessem a diligência para ficarem tranquilos com a operação”.
O administrador do Orion também fez uma diligência recente no fundo.
O outro rumor era de que Margot havia ‘fugido’ para os EUA. Por razões familiares, ela estava lá desde o início de setembro, mas voltou ao Brasil na noite de domingo.