A privatização da Copel avançou na segunda-feira com a aprovação pelos acionistas da transformação da empresa numa corporation — apesar do voto contra do BNDES.
Agora, a empresa de energia do Paraná aguarda apenas a definição do Tribunal de Contas do Estado sobre o preço mínimo da oferta e a validação do valor da outorga da renovação das três hidrelétricas pelo TCU.
Para o CEO Daniel Slaviero, as duas questões devem ser definidas “já nas próximas semanas” com a oferta de ações sendo lançada na sequência, aproveitando o momento positivo do mercado.
A companhia está trabalhando com um prazo apertado: ela precisa emplacar a oferta no máximo até outubro, já que a concessão de uma de suas três hidrelétricas — a Foz da Areia — vence em dezembro e a renovação está condicionada à privatização. Caso a oferta não saia, essa hidrelétrica iria para leilão.
“A gente nem trabalha com essa hipótese para ser bem sincero, porque é mandatório para nós fazer essa oferta até outubro. Seja nessa janela de julho, seja na janela do próximo trimestre,” disse Daniel.
Nessa conversa com o Brazil Journal, o CEO falou da privatização e dos planos da empresa pós-oferta.
Depois da aprovação na AGE de segunda, o que ainda falta para a privatização ser concluída? Vocês ainda precisam aprovar na assembleia de debenturistas ou é apenas a questão dos órgãos de controle?
Segunda foi uma etapa muito importante. Porque a formação dos estatutos é a constituição de como a empresa vai ser organizada e gerida na sua fase como corporation. E ela traz não só os reforços de governança e comitês, mas toda a questão de realmente organização e a forma como ela vai ser gerida. E a partir de agora só falta a aprovação dos órgãos de controle. Mesmo a questão do waiver dos debenturistas já foi superada. A questão dos órgãos de controle é o TCU fazer a validação do valor do bônus de outorga das renovações e, no TCE-PR, que faz a análise completa do processo, definir o preço mínimo da oferta.
Estamos esperando que isso aconteça nas próximas semanas, mas ainda não temos uma visibilidade completa de quando isso vai estar pronto. No TCU foi colocado em votação na semana passada, mas teve um pedido de vista, então tem um prazo regimental para poder voltar. Esperamos que isso aconteça nas próximas semanas e aí vamos avaliar as condições de mercado.
Considerando a perspectiva de queda de juros, o arcabouço fiscal e agora a Reforma Tributária, a gente vê um aquecimento recente do mercado, uma melhora importante, e queremos aproveitar esse bom momento.
Então assim que saírem as aprovações do TCU e TCE, a ideia de vocês é já lançar a oferta para conseguir aproveitar essa janela de mercado?
A gente não tem uma visibilidade completa de quando estaremos prontos para lançar. Mas assim que tivermos, nossa expectativa é que a gente já lance sim. Lembrando que temos o limite de fazer isso até outubro porque temos que pagar o bônus de outorga de R$ 3,7 bilhões até o início de dezembro, que é o prazo do vencimento da primeira das três usinas da Copel, que é a Foz do Areia, que é também a maior das três.
As outras duas são Salto Caxias e Segredo e as três juntas somam 4,1 GW — cerca de 60% da capacidade total da Copel.
Na pior das hipóteses, se você não conseguir fazer a oferta até outubro, o que aconteceria nesse caso? A usina iria para leilão?
A gente nem trabalha com essa hipótese para ser bem sincero, porque é mandatório para nós fazer essa oferta até outubro. Seja nessa janela de julho, seja na janela do próximo trimestre. Mas dito isso, num cenário hipotético, por qualquer motivo de mercado e de conjuntura, isso seria um prejuízo muito grande para a companhia, porque essa usina iria para leilão público ao longo de 2024. Mas sem ser repetitivo, a gente nem trabalha com esse cenário.
Sei que isso não está na alçada de vocês, mas existe algum risco do TCE colocar um preço mínimo tão alto que acabe inviabilizando a oferta? Ou isso é muito improvável?
Acho que isso é improvável, primeiro porque o TCE do Paraná, assim como o TCU, é um tribunal muito técnico. Ele trabalha com as referências técnicas que vão subsidiar a decisão. E o que são elas? Os dois valuations independentes que foram feitos. Isso vai embasar a análise deles. Todo o trabalho de due diligence e os dois valuations independentes já foram submetidos ao TCE e o TCE está fazendo a análise e consideração para definir isso.
O modelo de privatização de vocês é exatamente igual ao da Eletrobras? Vai diluir o controlador, implementar o limite de 10% de poder de voto e vai ter a golden share?
Na verdade, a gente considera que o modelo da Copel é único. Porque ele está inspirado no modelo de corporation que é consagrado não só no Brasil, como nos Estados Unidos, mas ele tem algumas características particulares.
Primeiro, porque você vai ter uma oferta secundária e primária. Não vai ser só primária. Vai ter uma venda por parte do Estado do Paraná. Além disso, a golden share aqui também dá uma garantia de investimento mínimo na Copel Distribuição. A golden share aqui tem três pontos: ela mantém o nome Copel, mantém a sede do Paraná, ambos acho que são positivos para a empresa, e ela dá uma garantia de investimento mínimo na Copel Distribuição. Esse é o arcabouço dessa golden share.
E a própria composição acionária da Copel, com o Estado do Paraná controlador, transforma o modelo de corporation da companhia único. Agora, é claro que ele tem semelhanças com a Eletrobras, com a Embraer e com a própria B3.
Depois da oferta, a participação do Governo do Estado vai ser diluída para quanto?
Ela sairia de 31%, e o Estado já declarou publicamente que não quer ficar com menos de 15%. Então deve ficar ao redor de 16% e 17%.
Vocês já tem conversado com investidores? E vocês estão querendo atrair qual perfil de investidor?
Já fizemos o que chamam de investor education e pilot fishing e vemos um grande interesse de fundos locais, mas principalmente de investidores internacionais. Pelo case, pelo track record da empresa, pelo que ela gerou de valor, e pelas potencialidades que ela tem de geração futura, temos visto um apetite muito grande desses investidores e achamos que mais de 50% dessa oferta vai estar com investidores estrangeiros. É uma sensibilidade nossa, não temos isso ainda muito firme, mas tem muito interesse deste perfil de investidor.
E não achamos que vão ter investidores estratégicos, players do setor. Vemos mais fundos, investidores financeiros e com visão de longo prazo. Acho que esse vai ser o perfil. Alguns ‘hedge funds’ também, mas a base também vai ser investidores financeiros com visão de longo prazo. E na nossa visão esse é exatamente o perfil que queremos. Porque são investidores que vão ajudar a companhia a ir para um outro patamar sem ter as amarras de uma estatal.
Você entrou em 2019 na empresa e já fez um trabalho de corte de custos, de ganho de eficiência, que já melhorou muito o resultado. Mas olhando para frente, ainda tem muito espaço para cortar custos?
Temos sido muito cuidadosos com avaliações prospectivas, então vou te responder mais genericamente. O que vemos é que a Copel tem inúmeras alavancas de geração de valor e entendemos que ela, sem as amarras de uma estatal, pode gerar muito valor para os acionistas, atuais e futuros.
Mas como é hoje a estrutura de custos da Copel comparada com a de empresas privadas do mesmo setor?
Vou me esquivar de responder essa… porque é muito prospectivo isso. Como estamos nesse período de análise, acho mais complicado.
Qual a visão estratégica de vocês para o futuro, para daqui uns cinco anos?
Nossa visão para o futuro é uma companhia integrada, sendo relevante nos quatro segmentos em que ela atua — geração, transmissão, distribuição e comercialização — e extraindo valor dessa atuação integrada. É uma empresa com uma agenda ESG muito forte. Tanto que nossa visão estratégica é o desinvestimento de ativos que não sejam de energia limpa. Vamos desinvestir na Copagaz, a distribuidora de gás, e na Uega, a térmica a carvão. Vai ser uma empresa que também vai ter as pessoas como diferencial competitivo.Esses são os três pilares: atuação integrada, uma matriz 100% descarbonizada, com hidrelétricas, eólicas e solar, e uma empresa que tem um diferencial de pessoas, podendo atrair, reter e desenvolver talentos.
Na renovação das três hidrelétricas, vocês já têm os recursos para pagar a outorga, ou uma parte viria do oferta primária e outra de dívida?
É exatamente isso. Uma parte vem da primária e uma parte de alavancagem do balanço da companhia. Mas ainda estamos definindo com o sindicato de bancos quanto seria o valor ótimo para isso.
Como é a alavancagem de vocês hoje? Vocês ainda tem bastante espaço para alavancar mais?
Hoje nossa alavancagem é de 2,5x o EBITDA, que é o que consideramos uma alavancagem ótima para as circunstâncias atuais da Copel, justamente porque ela dá espaço para alavancar mais para renovar as concessões. E parte vai vir da primária justamente para conseguirmos manter nosso grau de investimento. Hoje a Copel é uma empresa ‘triple A’ e queremos manter esse rating nas agências de risco.
Quanto vai ser primário e quanto de dívida?
Isso ainda não foi definido. Ainda está em discussão.
Mas dado que vocês valem R$ 23 bi na Bolsa, com uma primária daria para levantar uma quantidade relevante…
Sim. Daria.
Mas pode ser que a maior parte do valor da outorga venha da primária e você só complete com dívida?
Eu diria que vai ser meio a meio. Ainda está em análise, queria registrar isso. Mas eu diria que meio a meio é uma proporção bem equilibrada e que achamos que funcionaria.
Outro ponto da renovação é que quando você renova você aumenta um pouco o risco do negócio. Porque a empresa vai estar mais exposta ao risco do preço de energia, já que as três hidrelétricas vão estar descontratadas e você vai ter que vender energia. E tem o preço de energia que está embutido no valor da outorga e você pode acabar contratando a um preço menor. Como você avalia esse risco e como a empresa vai administrar isso ao longo do tempo?
A única que está descontratada hoje é Foz do Areia. As outras duas vencem em 2032 e 2033, então elas tem alguns contratos, têm um nível de contratação bom. Foz do Areia está descontratada, mas como estamos falando de uma renovação de 30 anos não podemos desprezar que o preço da energia deve subir. Nossa visão é que o preço da energia no longo prazo é sensivelmente maior do que vemos hoje. Porque hoje temos o cenário de preço de energia que é a tempestade perfeita. Você tem a melhor hidrologia dos últimos quase 20 anos, você tem uma atividade econômica relativamente baixa, e você tem um excesso de oferta, por causa do fim dos subsídios, tanto em renováveis quanto em geração distribuída.
Os preços de energia do ano passado, desse ano e provavelmente do ano que vem não é um cenário que acreditamos que vai se manter no médio prazo, porque estamos vivendo hoje a tempestade perfeita.
Hoje, o preço da energia no spot está em R$ 75/MW-R$ 76/MW, está muito perto do piso. Mas há dois anos o preço estava em R$ 650/MW. Porque era a pior crise hidrológica dos últimos tempos. Então, o preço da energia é muito sensível à hidrologia e isso é instável. Há dois anos estávamos na pior crise hídrica dos últimos 90 anos e agora estamos no segundo melhor período hídrico em 20 anos.