Há anos o mercado especula quando a Bloomberg fará seu IPO — listando na Bolsa uma das empresas mais admiradas do mundo, dona de uma ferramenta indispensável para o mercado financeiro e de um faturamento anual de mais de US$ 12 bilhões.

O fundador Michael Bloomberg, que vai completar 82 anos em fevereiro, até agora preferiu manter o capital fechado, mesmo nos 13 anos em que esteve afastado do grupo cumprindo três mandatos como prefeito de Nova York.

Durante aquele período, Mike deixou o comando nas mãos de Peter Grauer, um ex-banqueiro de Wall Street que já fazia parte do conselho e que Mike conhecera enquanto os dois acompanhavam provas de equitação das filhas.

Grauer assumiu como chairman da Bloomberg LP em 2001 e se tornou o presidente e CEO no ano seguinte. Com a recente mudança nos cargos de liderança da companhia, o executivo, de 78 anos, acaba de deixar o comando e permanecerá no conselho da holding Bloomberg Inc como chairman emérito. 

O novo chairman da Bloomberg Inc é Mark Carney, o ex-presidente do Bank of England. As mudanças foram anunciadas em agosto.

Em uma recente visita ao Brasil, Grauer recebeu o Brazil Journal no escritório da Bloomberg em São Paulo e falou sobre o futuro da empresa, os planos de sucessão, e como ela vem se preparando para o impacto da inteligência artificial.

A seguir, os principais trechos da conversa.

Gostaria de começar falando sobre o futuro da Bloomberg. Recentemente, Michael Bloomberg disse que a Bloomberg Philanthropies herdará a empresa e deverá vendê-la. Por que essa decisão? Poderá haver um IPO, como se especula?

Essas decisões partem do pensamento de Mike e dizem respeito ao legado que ele quer deixar. É uma preocupação presente desde quando o conheci, há quase 40 anos.

Peter GrauerQuando ele partir, sua participação de 88% ficará com a Bloomberg Philanthropies. Se algo lhe acontecesse amanhã, a fundação seria a controladora da companhia.

Em seguida, pelas regras tributárias, a fundação teria um prazo para monetizar esse investimento e vender a sua participação. (Existem normas a serem respeitadas para a fundação não perder a condição de organização sem fins lucrativos.) Provavelmente – e digo provavelmente – a melhor maneira de fazer isso seria abrindo o capital.

As mudanças que Mike fez nos últimos anos, do ponto de vista da liderança, são muito consistentes com a forma como administramos o nosso negócio. Cada um dos nossos líderes sêniores tem um plano de sucessão.

Mike fará 82 anos em fevereiro. Ele sente uma obrigação de garantir que a empresa continue a crescer em sua ausência.

Mike já ficou afastado por um período, quando foi prefeito de Nova York.

Sim. Ele se afastou para fazer a campanha, em abril de 2001, e ficou fora por 13 anos.

Eu então assumi como presidente e CEO. Tivemos 13 anos de desempenho recorde. Obviamente não foi mérito meu, mas de todo o time que ele preparou. Estamos acostumados a ficar sem ele.

Vlad Kliatchko (ex-chief product officer), nosso novo CEO da Bloomberg LP, está na empresa há mais de 20 anos. JP Zammitt, o novo presidente, está na empresa há 23 ou 24 anos.

O fato é que este será o nosso 43º ano consecutivo de recorde de receita. A empresa cresce de maneira constante desde a sua fundação, em 1981.

A maior fonte de receita são os terminais, um negócio que crescia em média 10% ao ano. Ainda é assim, ou já é um negócio maduro?

Continua a crescer. A taxa de crescimento depende do que está acontecendo no mercado de capitais e do que está acontecendo com nossos clientes.

No ano passado, houve um aumento de 17 mil terminais, sobre uma base de 350 mil. Este ano será um pouco mais lento. Houve, por exemplo, a fusão do Credit Suisse com o UBS, ambos grandes clientes dos nossos terminais.

Muito se fala sobre uma consolidação no setor financeiro sob o impacto de novas tecnologias e maneiras mais acessíveis de administrar recursos. Como isso impacta a Bloomberg?

Estamos nisso há mais de 40 anos, então passamos por vários ciclos. Continuamos a acreditar firmemente que o nosso negócio fundamental é o fornecimento de informações, notícias e análise de dados. Haverá um apetite significativo por nosso produtos e serviços no futuro.

Uma das características que nos mantêm em crescimento contínuo é o que chamo de ‘paranóia construtiva.’ Estamos sempre olhando por cima do ombro e nos preocupando com a concorrência, observando como a tecnologia avança e como podemos tirar vantagem disso.

Dou o exemplo da inteligência artificial, algo que já usamos há algum tempo.

Vocês apresentaram há poucos meses o Bloomberg GPT, o projeto de desenvolvimento de um modelo de linguagem de grande escala. Qual será a aplicação da ferramenta?

Estamos começando a ver onde podemos usar isso em diferentes ofertas de produtos. Ainda está em fase de pesquisa.

Um foco inicial seria usar esse recurso para obter grandes quantidades de dados e convertê-los em informações que podem ser usadas, por exemplo, em análises de ações ou de renda fixa.

Outro ponto será na redação. Podemos usar a ferramenta para construir textos, algo que já fazemos em alguns boletins informativos.

Sempre fomos uma empresa de tecnologia. Temos 8.000 engenheiros de software ao redor do mundo. (A Bloomberg tem ao todo 24 mil funcionários em 129 países. O total de engenheiros é o triplo do número de jornalistas, que são 2.700.)

Processamos diariamente mais de 300 bilhões de ticks (registro de preços de ações e outros ativos negociados). A cada segundo, mais de 2,5 milhões de mensagens passam pelos nossos sistemas.

Há pouco mais de dez anos, logo depois de a Bloomberg comprar a revista Businessweek, você afirmou que a ambição da Bloomberg era se tornar a mais influente organização de mídia do mundo. Qual sua avaliação, uma década depois?

Na verdade, devo ter dito que desejávamos nos tornar a organização de notícias mais influente no mundo dos negócios. Não saberia julgar se somos a mais influente de fato, mas vou dar dois exemplos que talvez você ache interessante.

Em março de 2019, estive no China Development Forum, em Pequim. Uma das principais autoridades do governo me procurou e disse: ‘Mr. Grauer, quero que saiba que começo meu dia na Bloomberg News e termino meu dia na Bloomberg News. Não conseguiria fazer meu trabalho de maneira tão eficaz se eu não tivesse acesso a essas informações.’

No início de agosto, eu estava na Costa Amalfitana com minha família. No check-out, enquanto eu esperava minha esposa descer do quarto, o concierge veio até mim e disse: ‘Sr. Grauer, começo meu dia com a Bloomberg News e termino meu dia com a Bloomberg News, porque os hóspedes querem saber o que está acontecendo.’

Você mencionou a China. Sabemos da relevância daquele mercado para a Bloomberg. Qual o grau de preocupação da companhia ante a disputa entre Pequim e Washington?

Não divulgamos muitos detalhes sobre o nosso negócio, mas olhamos para a China através de três lentes: a perspectiva de Hong Kong, a perspectiva da China Continental e também a perspectiva da Grande China, que inclui Taiwan.

Foi um negócio que cresceu muito bem para nós nos últimos 20 anos. Tenho certeza de que ajudamos os mercados chineses a se globalizar.

Sempre achei que o governo americano e o chinês manteriam uma relação de tensão construtiva. Ingenuamente, imaginei que os EUA precisam da China tanto quanto a China precisa dos EUA, e que encontraríamos uma maneira de lidar com essa tensão.

Como uma empresa de capital fechado, podemos ter uma perspectiva de muito longo prazo em lugares como a China e a Índia. A China provavelmente será a maior economia do mundo. Como fornecedores de informações financeiras, temos que fazer parte desse processo.

O Brasil acaba de passar por mais uma ‘década perdida’ no que diz respeito ao crescimento econômico. Espera uma retomada do País?

Continuamos muito positivos em relação ao Brasil. Reconhecemos que houve um fraco desempenho por um período, algo que obviamente tem um impacto no nosso negócio.

Mantemos uma visão de longo prazo. Estamos aqui há 27 anos. É a maior economia da América Latina.

Parte da beleza de nosso negócio, como empresa de capital fechado, é que podemos fazer apostas de longo prazo, absorvendo a volatilidade. Isso vale para o Brasil, para a China e outros mercados ao redor do mundo que ainda precisarão de algum tempo para se desenvolver. 

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