Vocês estão aí sofrendo com o dólar e os juros em patamares pandêmicos — tudo porque o Governo não consegue fechar as contas apesar de cobrar a maior carga tributária do hemisfério ocidental. 

Mas pelo menos um contribuinte está rindo à toa: o Grupo Atem, a refinaria que domina o mercado de combustíveis no Norte do País recolhendo menos imposto federal que os concorrentes desde 2017.

Na regulamentação da Reforma Tributária aprovada hoje pela Câmara, a Atem passou a gozar do benefício fiscal das empresas da Zona Franca, o que vai lhe gerar um ganho de R$ 3,5 bilhões/ano, considerando que a refinaria processa 46 mil barris por dia e, como as demais empresas da Zona Franca, não terá que pagar PIS-Cofins, imposto de importação, IPI ou ICMS. 

O benefício foi encaminhado a partir de emenda do senador Omar Aziz (PSD-AM) e encampada pelo também senador amazonense Eduardo Braga, o temido relator da reforma. 

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Estavam contra o benefício uma coalização formada por gente sem nenhuma expressão: a Petrobras, o sindicato dos petroleiros, o agronegócio, as distribuidoras de petróleo, os produtores de biocombustível e os secretários de Fazenda de todo o País. 

A vitória da Atem mostra a força de Braga e Aziz para defender interesses paroquiais, num país onde a geração de riqueza está cada vez mais atrelada a arbitragens regulatórias.

É também uma vitória da tenacidade: a Atem tenta garantir seu benefício desde pelo menos 2017, quando conseguiu uma liminar que lhe garante não pagar PIS e Cofins sobre a importação de diesel e gasolina. 

Com a liminar, a companhia já deixou de pagar R$ 1,2 bilhão ao Tesouro. A ação está parada no STF, sem previsão de entrar na pauta.

A Zona Franca de Manaus é regulada pelo Decreto-Lei 288 de 1967, cujos artigos 3 e 4 listam as exceções à regra do benefício fiscal, como importação de armas e munições, fumo, bebida alcoólica, automóveis de passageiros e produtos de perfumaria. Como estes artigos não faziam referência explícita a combustíveis, a Atem explorou esta redação para criar sua tese.

Outro artigo, no entanto, o 37, dizia que as disposições do decreto (os benefícios fiscais) não se aplicavam aos combustíveis. 

Em 2021, o Congresso percebeu a brecha e tentou fechá-la passando a Lei 14.183, que afirmava explicitamente que os combustíveis eram sim uma exceção, junto com os outros setores listados nos artigos 3 e 4. 

Na sequência, o PPS (hoje Cidadania) entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade argumentando que a lei tentava alterar um dispositivo constitucional. O Ministro Luis Roberto Barroso julgou a Adin improcedente, e foi acompanhado por outros sete ministros. 

O assunto parecia encerrado – mas aqui é Brasil.

Durante a discussão da Reforma Tributária, o senador Eduardo Braga voltou à carga. Braga incluiu no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que trata da ZFM, um texto rigorosamente igual ao da Lei 14.183, aquele que listava todos os setores que não têm direito ao benefício fiscal — mas desta vez excluindo os combustíveis. 

Mas a Câmara percebeu a manobra e não deixou passar esse ponto da emenda, derrubando a alteração. 

Como não funcionou deste jeito, o Senador Omar Aziz demonstrou criatividade e tentou outro caminho: fez uma emenda dizendo que, de fato, aqueles benefícios não se aplicavam aos combustíveis, mas criando uma exceção para as refinarias na ZFM.

Deu certo.

O texto voltou para Câmara, que ontem aprovou a redação de Braga/Aziz. 

Advogados ouvidos pelo Brazil Journal acham que o benefício é inconstitucional porque viola uma decisão que já havia sido tomada no âmbito de uma PEC. 

“Quando o projeto chegou no Senado, o Braga tentou pautar o artigo na PEC. Na época, isso foi debatido e rejeitado pelo próprio Congresso, que sabia que isso era uma matéria constitucional,” disse um advogado.

E a emenda constitucional que promoveu a reforma tributária garantiu apenas a manutenção do tratamento diferenciado da Zona Franca de Manaus, não sua extensão ou alargamento. 

O benefício também foi condenado pelo Comsefaz, que representa as secretarias de Fazenda de todo o País.

O Comsefaz disse ontem que a medida “representa um grave risco à competitividade das refinarias nacionais e à autonomia energética brasileira.”

“Tal inclusão cria um cenário de competição desigual e disparidade que compromete o planejamento e os investimentos de longo prazo no setor de refino nacional,” escreveu o Comsefaz.

A entidade disse que a medida pode desestimular a produção interna, afetando a geração de empregos e o desenvolvimento da indústria nacional. 

“Refinarias fora da Zona Franca, que representam a maior parte da produção no País, sofrerão prejuízos competitivos, prejudicando um setor essencial à economia brasileira e à segurança energética.”

Respondendo às críticas, a Atem disse que a inclusão da indústria do refino no rol das atividades incentivadas da Zona Franca corrige uma distorção, por se tratar de indústria estratégica para o Norte do País.

Segundo a empresa, o benefício fiscal só vale quando o combustível importado fica dentro da Zona Franca. Segundo a Atem, quando o produto for vendido para outros estados, ela recolherá os impostos.