Desde a invasão russa na Ucrânia, o mercado de petróleo passa por uma volatilidade épica, com o preço do barril chegando a ultrapassar a casa dos US$ 130, pressionando os combustíveis e, em particular, o diesel em todo o mundo.
Mas ao contrário do que muitos pensam, os derivados de petróleo também são produtos comoditizados, ou seja, existe um mercado global de gasolina, diesel e GLP, assim como o mercado de petróleo. Historicamente os preços dos derivados acompanham a volatilidade do barril, mas em razão de toda a incerteza global essa lógica vem se alterando, em especial no caso do diesel. Com a Europa e boa parte do mundo ocidental acelerando o processo de transição para uma matriz mais limpa, os combustíveis mais poluentes – carvão mineral, óleo combustível e diesel – vinham perdendo protagonismo, em benefício das fontes renováveis e do gás natural. Esse processo colocou a Europa cada vez mais dependente dessas fontes de energia renováveis e do gás natural da Rússia, na medida em que até as usinas nucleares foram 100% desativadas na Alemanha. Nesse xeque-mate energético, os derivados de petróleo e mesmo o carvão voltaram a ganhar importância, não só para atender a demanda que voltou depois da vacina, mas também para substituir fontes renováveis intermitentes e o gás russo, agora sem garantia de fornecimento. A pauta mudou: o imperativo da transição energética das fontes renováveis passou a dividir espaço com a necessidade de segurança energética trazida pelos combustíveis fósseis. O receio do corte de fornecimento de gás natural e os embargos impostos aos produtos russos vêm forçando os países, principalmente os europeus, a estocar diesel para substituir o gás natural no aquecimento das residências e no uso industrial. Isso tem provocado um rali sem precedentes nos preços do diesel e o risco de escassez em escala global. Pela primeira vez na história, essa pressão está fazendo o preço do diesel descolar do preço do petróleo e da gasolina. Pasmem, a Europa está subsidiando o preço do diesel – o combustível da maior parte de sua frota de veículos leves – para que ele volte a ficar mais barato que a gasolina. Política populista, ou realpolitik? Esse cenário ainda pode piorar com a chegada da temporada dos furacões nos EUA, que costuma fechar refinarias na região do Golfo Americano. No Brasil, a situação não é diferente. Somos altamente dependentes dos caminhões para a logística dos nossos produtos, e em várias regiões do País o diesel ainda é responsável pela geração de energia elétrica. Tudo isso faz do Brasil o sétimo maior consumidor de diesel do mundo – com um calcanhar de Aquiles: importamos 25% do nosso consumo interno por falta de mais capacidade de refino. Pode faltar diesel nas vésperas das eleições? Acreditamos que a probabilidade é baixa. Mas a situação preocupa, e é preciso tomar providências imediatas. Antes de mais nada, há que se respeitar a lei da oferta e demanda e, neste contexto, o preço do diesel no mercado interno tem que acompanhar o mercado internacional para que todos continuem tendo o estímulo econômico necessário para importá-lo. O atalho mais rápido para o desabastecimento seria começarmos a praticar preços irreais aqui no Brasil. Mas para minorar os impactos sociais e econômicos, já passou da hora do Governo e do Congresso criarem políticas como um “voucher caminhoneiro”, usando recursos do Tesouro Nacional – semelhante ao que foi feito na greve dos caminhoneiros no governo Temer. A excepcionalidade da guerra justifica criar subsídios temporários, principalmente para as pessoas de baixa renda. Aqui e ali, o mundo já está fazendo isso: a Europa está subsidiando a conta de gás, e os EUA estão reduzindo o imposto sobre gasolina e diesel. No curto prazo, pelo lado da oferta podemos aumentar a mistura do biodiesel no diesel, que hoje é de 10%, para algo como 13% a 15%. No médio e longo prazos, precisamos aumentar a produção de diesel privatizando as refinarias e aumentando nossa capacidade de refino, criando concorrência. O Brasil não sabe o que é isso. Como seremos cada vez maiores produtores de petróleo e de gás natural, é preciso estimular um maior uso do gás natural fóssil e do gás verde (biometano) na matriz de transporte. Na Europa, por exemplo, há corredores azuis onde só trafegam caminhões movidos a gás. É preciso investir na infraestrutura de outros modais – como o ferroviário e o hidroviário – e construir dutos para melhorar a logística e baratear o preço do diesel. Ainda na lista: substituir a geração elétrica a diesel (que existe em rincões da Amazônia) por gás e fontes renováveis, e finalmente achar um equilíbrio fiscal que taxe menos os combustíveis, que hoje são taxados quase tão punitivamente quanto as indústrias de cigarros e bebida alcóolica. Adriano Pires e Pedro Rodrigues são diretores do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE).