A Rede D’Or transferiu a gestão de sua posição na Qualicorp para a Prisma Capital – um movimento que busca sinalizar a independência da administradora de planos coletivos em meio a questionamentos da indústria de saúde sobre a dominância dos Moll no setor depois da compra da SulAmérica. 

A Rede D’Or transferiu 19,85% do capital da Qualicorp, de um total de 25,85%, para um novo CNPJ, que será administrado pela Prisma num contrato de seis anos.

Os 6% restantes não foram transferidos porque estão vinculados a um acordo de acionistas assinado em 2019 com o fundador da Qualicorp, José Seripieri Filho, o Júnior. 

A ação da companhia chegou a subir 17% hoje com a notícia, antes de reduzir os ganhos para 7,7% no final da tarde, fechando a R$ 5,95

Segundo uma fonte envolvida na transação, o movimento não teve a ver com exigências regulatórias e sim com questões “mercadológicas.” 

“É mais um passo da Rede D’Or para garantir que a Qualicorp sirva a todos e não só a ela mesma via SulAmérica,” disse a fonte. “Nos últimos meses, outras operadoras começaram a questionar se a Qualicorp era mesmo independente, e se por ser do mesmo grupo econômico a SulAmérica não seria privilegiada.”

O CADE e a ANS aprovaram a compra da SulAmérica sem praticamente nenhuma exigência relacionada à Qualicorp. Uma das poucas limitações impostas pela ANS foi que os conselheiros indicados pela Rede D’Or não votassem em matérias relacionadas à SulAmérica. 

A relação entre Rede D’Or e Prisma vai emular a de um cotista com um gestor, com a Rede D’Or pagando um management fee e uma performance fee para a gestora de Marcelo Hallack, João Mendes e Lucas Canhoto. 

As taxas são um pouco menores que os 2%-20% padrão da indústria porque a gestora não teve o trabalho de captar os recursos e fazer o investimento.

Segundo a fonte, a decisão de colocar a participação numa empresa e não num FIP permitirá que a Rede D’Or consolide os resultados pro rata da Qualicorp em seu balanço – aumentando seu lucro líquido e capacidade de distribuir dividendos. 

Ao assumir a gestão, a Prisma trocou os três conselheiros indicados pela Rede D’Or – o chairman Heráclito Brito, Mauro Sampaio e Martha Saavedra – e indicou João Mendes e Rodrigo Pavan, sócios da Prisma, e Ricardo Saad, que trabalhou com Heráclito na Bradesco Saúde. 

E no lugar do CEO Bruno Blatt, que estava no cargo há três anos, a Prisma colocou Elton Carluci, um executivo que fez toda a sua carreira na Qualicorp e até ontem era o vp comercial e de inovação.

Apesar de serem obrigados pela ANS, os três conselheiros indicados pela Prisma vão se abster de votar em assuntos que envolvam a SulAmérica, como uma sinalização adicional de independência, segundo a fonte. 

Ainda assim, a Prisma terá que gastar tempo fazendo um diagnóstico do que deu errado na empresa desde que a Rede D’Or assumiu o controle de fato – um período em que a ação desabou da máxima de R$ 44 para negociar abaixo de R$ 5 recentemente.

Apesar das mudanças no board, dois dos três nomes que já tocavam a empresa continuam no comando: Heráclito, agora na SulAmérica – o maior fornecedor da empresa –  e o próprio Elton – que nos últimos meses já era o CEO de facto, com Blatt morando em Miami.

“O que a Prisma vai fazer para destravar valor que a Rede D’Or, o Heráclito, o Bruno e o Elton não fizeram até agora?” diz um gestor que já foi acionista da empresa.  

Outra questão de fundo: com a SulAmérica respondendo por estimados 60% do EBITDA da Qualicorp, o futuro da administradora hoje está umbilicalmente ligado ao da operadora, agora 100% controlada pela Rede D’Or. 

“Ele é dono de 100% de uma empresa [a SulAmérica] e 26% de outra [a Qualicorp]. Quem ele vai privilegiar nas decisões?” questiona um gestor. “Na hora de negociar um reajuste, ele pensa na margem da operadora ou da Qualicorp?”

Há ainda o relacionamento da Qualicorp com todo o setor. 

Desde que a Rede D’Or anunciou a compra da SulAmérica, as outras operadoras temem que a SulAmérica tenha acesso aos seus cadastros de clientes via Qualicorp, podendo atacar diretamente os clientes mais sadios, o que o mercado chama de seleção adversa de risco. A Rede D’Or garante que isso não acontecerá.

Donos de hospitais e laboratórios reportam que a SulAmérica tem descredenciado redes independentes como prestadores de serviço, substituindo-os por hospitais e laboratórios da Rede D’Or. A SulAmérica disse que não fez nenhum descredenciamento que tenha favorecido a Rede D’Or. Segundo a empresa, ela fez um único ajuste em algumas linhas de um produto em São Paulo, concentrando o atendimento de exames laboratoriais na rede Dasa.

Segundo a fonte envolvida na transação, a Prisma já fez as principais mudanças na Qualicorp. “Agora é business as usual. Tem um trabalho forte no lado comercial para ser feito, já que grandes contas ainda não são clientes, como o Bradesco, e outras têm espaço para aumentar a penetração. Tem também uma frente importante de corte de custos.”

A mudança vem num momento em que a Qualicorp negocia perto de seu low histórico. A companhia tem um valor de mercado de R$ 1,6 bilhão – cerca de 3x o EBITDA estimado para este ano.