Existe uma discussão envergonhada acontecendo em alguns setores da sociedade sobre o custo econômico do combate ao coronavírus.

A discussão é envergonhada porque ninguém quer ser visto “atrapalhando” o que a comunidade científica afirma ser o único curso de ação neste momento.

Mas se políticos, trabalhadores e empresários forem intelectualmente honestos, todos deveriam admitir que a discussão é válida.

Alguns acusarão este discurso de “argentário”, mas isto seria minimizar o que uma economia minimamente funcional significa para a vida e a dignidade humana.

A economia global mergulhou numa queda livre que ninguém sabe onde ou quando termina.  As principais vítimas serão as pequenas empresas familiares, que têm pouco acesso a crédito e capital de giro.  O restaurante do bairro e a padaria da esquina podem nunca mais reabrir, mas as grandes empresas — quando a tempestade passar — voltarão ainda mais ricas e dominantes.

Só esta semana, 2,25 milhões de americanos perderam o emprego nos EUA — o maior número desde que começaram a coletar os dados.  

No Brasil, os estados que já estavam quebrados e inadimplentes — e ainda assim resistiam a cortar na carne e vender estatais — agora acharam a desculpa perfeita para pressionar a União a abrir seus cofres.  Politicamente, quem vai conseguir ficar contra essa onda?  Alguém em Brasília vai querer ser visto “negando ajuda” numa economia de guerra?

Infelizmente, o custo desse ‘shutdown’ global será medido não apenas em dinheiro, mas também em efeitos colaterais como desorganização econômica, desespero e violência urbana.  Milhões de brasileiros — a tia do pastel, o cara do cahorro quente, o motorista de Uber e a faxineira diarista — dependem da circulação de pessoas e da existência de um mercado, isto é, oferta e demanda.

Está claro que as autoridades (em todo o mundo) entregaram o processo decisório à comunidade médica, e os médicos deram ao assunto o encaminhamento que sabem.

Explicaram que, se não desacelerarmos o contágio, os sistemas de saúde ficarão sobrecarregados e as pessoas morrerão — como está acontecendo na Itália — por falta de leitos, respiradores e médicos.

Isso tudo é verdade — e não se trata de contestá-la.

Mas tirar a economia global da tomada também terá um custo incalculável.  Como os médicos são treinados para salvar vidas, eles não têm nenhuma obrigação de considerar os danos econômicos como uma variável importante em sua tomada de decisão.  Mas os governantes precisam.

Ninguém nunca tentou, voluntariamente e de uma hora para outra, paralisar 80% da economia global — e ninguém nunca tentou religar o sistema depois de paralisá-lo.

O Senado dos EUA deve anunciar nesta segunda-feira um pacote de estímulo à economia que pode passar de US$ 2 trilhões, ou 10% do PIB da maior economia do planeta.  Dependendo da duração do shutdown, este pacote de ajuda pode acabar sendo insuficiente.  A Casa Branca está se preparando para mandar cheques para ajudar as pessoas a atravessar o momento.

Ora, se toda a questão se resume à falta de leitos hospitalares e respiradores, por que a resposta de política pública (a nível global) não foi criar uma economia de guerra para suprir — em um mês — os déficits na infraestrutura dos sistemas de saúde?  Quanto isso custaria?  Uma fração do custo de parar tudo talvez seja um chute razoável.

O argumento contra o ‘lockdown global’ — e a favor de uma resposta alternativa por parte das autoridades — ganha mais peso quando se considera o seguinte:  a  Alemanha estima que de 60% a 70% de sua população estará infectada em algum momento.  O Estado da Califórnia foi mais preciso: estimou que, em oito semanas, 56% de sua população estará infectada.

Se todos topamos uma economia de guerra para desacelerar o vírus, por que não montar uma economia de guerra para exponencializar a capacidade de atendimento dos hospitais?

Para quem conhece a economia brasileira, está claro que o ‘lockdown’ (o mais rigoroso possível) é necessário neste momento, mas não poderá durar meses.  A questão é como encontrar uma alternativa. Por que não mobilizar o setor privado para encontrar soluções a nível local, protegendo os idosos, aumentando o número de leitos e construindo hospitais de campanha?

O debate sobre uma alternativa não visa negar a ciência — como fazem alguns governantes irresponsáveis — e sim complementar o objetivo médico de salvar vidas com a obrigação das lideranças políticas de salvar, também, a vida econômica do País. 

O desemprego ou mata de fome ou de tristeza, e a violência urbana causada pelo desespero também pode matar.

Passaremos as próximas semanas contando infectados e mortos, mas quem está fazendo esta outra conta?

Um meme que circula na internet diz que haverá “mais falidos que falecidos” quando esta crise acabar. 

Não se trata apenas de um jogo de palavras.  É uma pergunta séria em busca de uma resposta inteligente e inovadora.