O motivo: uma das gigantes do setor teria pressionado a rede a parar de vender Praya.
A história se repetiu numa cadeia de bares com cerca de dez lojas no Rio e São Paulo. Uma das primeiras parceiras comerciais da Praya, a rede foi obrigada a excluir a marca do cardápio. Por trás, mais uma vez, a pressão da concorrente.
As dificuldades de operar num mercado dominado por Ambev e Heineken — e cada vez mais lotado de microcervejarias (já são mais de 900 no Brasil) — não são exclusividade da Praya.
O mercado de cervejas artesanais é charmoso mas, para a maioria dos empreendedores, está longe de ser rentável. A tributação é cara e complexa; a logística, precária; e a competição, uma briga de Davi contra Golias.
Quase todo dia é um perrengue diferente.
Em dezembro, por exemplo, segundo o presidente da Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva), Carlo Lapolli, faltaram garrafas e algumas cervejarias tiveram que parar a produção, deixando de entregar suas encomendas.
Duas das três fabricantes de garrafas que operam no Brasil tiveram problemas técnicos, reduzindo a capacidade produtiva. No mesmo período, a Heineken fez uma encomenda muito grande e a indústria não deu conta da demanda.
Apesar dos pesares, marcas como a Praya e a Verace — uma cervejaria premiada de Belo Horizonte — tem conseguido prosperar.
Fundada em 2016 pelos cariocas Marcos Sifu, Tunico Almeida, Paulo de Castro (mais conhecido como o DJ Zeh Pretim, que lidera o marketing da marca) e Duda Gaspar, a Praya já se firmou como uma das principais marcas da gelada no Rio de Janeiro.
A Praya é uma Witbier (um estilo de cerveja belga feita com trigo). Mas, diferente de outros rótulos do tipo, tem um sabor mais leve e refrescante, que caiu como uma luva no paladar dos cariocas.
“É uma cerveja pra beber gelada, na praia — bem diferente da maioria das craft beers”, Sifu, um ex-surfista que passou três anos desenvolvendo a receita na cozinha de casa, disse ao Brazil Journal. “Quando criei a Praya, eu queria que ela fosse a minha cerveja preferida, pra beber com meus amigos.”
Para conquistar os brasileiros, a cervejaria apelou também ao bolso: seu preço fica abaixo da maioria das craft beers nacionais. A long neck sai em média por R$ 7,90; a garrafa de 600 ml, por R$ 10; e a latinha — lançada em dezembro e a menina dos olhos dos fundadores — por cerca de R$ 5.
Em alguns pontos do Rio, a Praya já bate de frente com as marcas consolidadas. No Supermercados Zona Sul, é o segundo rótulo mais vendido.
Agora, a marca está começando uma expansão nacional: chegou a Curitiba semana passada e, até julho, vai chegar a Brasilia e ao Rio Grande do Sul. Mas o grande foco é São Paulo. A Praya acaba de assinar um contrato com a EBD, uma das maiores distribuidoras do País, para quintuplicar seus pontos de venda no estado.
Mesmo com todo o sucesso, a cervejaria ainda opera no vermelho e só espera chegar ao breakeven em 2021, quando a marca já estará consolidada no País com um volume expressivo.
Foi com essa mesma aposta que Alessandro Fontenelle — um ex-consultor de 49 anos que nunca gostou de cerveja — criou a Verace, outra cervejaria artesanal que conseguiu quebrar o código desse mercado.
Com 15 rótulos diferentes, a Verace faturou R$ 4 milhões em 2018 e atingiu uma produção recorde de 45 mil litros em dezembro. Nos primeiros meses deste ano (a baixa temporada no setor) produziu uma média de 35 mil/mês.
Fundada na mesma época que a Praya, a cervejaria mineira trilhou um caminho bem diferente da rival. A Verace apostou no segmento super premium, com rótulos que chegam a custar R$ 32.
O próximo passo: desembarcar em São Paulo e no Rio.
A Verace acaba de abrir um bar da marca em Botafogo, no Rio, e está nos trâmites finais para inaugurar um CD em São Paulo. Hoje, atende 350 clientes em Minas, e já vende em algumas poucas lojas do Pão de Açúcar.
No ano passado, foi selecionada num festival de cervejas da rede de supermercados, ganhando espaço em algumas de suas gôndolas. “É a única maneira de entrar numa rede dessas”, diz Alessandro. “No Carrefour, por exemplo, a Ambev comprou praticamente todas as gondôlas. Para conseguir um espaço nas que sobraram, você tem que entrar num nível de precificação absurdo.”
A história da Verace começou como a de 9 em 10 cervejarias artesanais. Dois amigos aficionados pela breja — e hoje os sócios de Alessandro — estavam tomando uma quando alguém fez a pergunta: “Por que não fazemos nossa própria cerveja?”
Alessandro nunca gostou da gelada, mas gostava de estruturar modelos de negócio e queria empreender. Quando descobriu o hobby dos amigos, passou um mês estudando o mercado, cotando os custos de importação dos insumos e conversando com especialistas.
Para tirar a ideia do papel, conseguiu um funding com o BNDES, que cobriu 30% do valor da fábrica, e tirou o resto do próprio bolso. No ano passado, um grupo familiar de Minas comprou 25% da empresa.
A Verace ainda não dá dinheiro, mas, depois de anos queimando caixa, chegou ao breakeven em dezembro. (Para comemorar, até Alessandro bebeu uma cerveja).
Na foto abaixo, rótulos da Verace:
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