Há algumas semanas, a Praya — uma das maiores craft beers brasileiras e referência no Rio — teve que abandonar as gôndolas de uma grande rede de supermercados, um parceiro de longa data que respondia por pouco mais de 2% das vendas. 

O motivo: uma das gigantes do setor teria pressionado a rede a parar de vender Praya. 

10652 0235540a b451 da86 e6c4 f5b54c635465A história se repetiu numa cadeia de bares com cerca de dez lojas no Rio e São Paulo. Uma das primeiras parceiras comerciais da Praya, a rede foi obrigada a excluir a marca do cardápio. Por trás, mais uma vez, a pressão da concorrente.

As dificuldades de operar num mercado dominado por Ambev e Heineken — e cada vez mais lotado de microcervejarias (já são mais de 900 no Brasil) — não são exclusividade da Praya. 

O mercado de cervejas artesanais é charmoso mas, para a maioria dos empreendedores, está longe de ser rentável. A tributação é cara e complexa; a logística, precária; e a competição, uma briga de Davi contra Golias.

Quase todo dia é um perrengue diferente. 

Em dezembro, por exemplo, segundo o presidente da Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva), Carlo Lapolli, faltaram garrafas e algumas cervejarias tiveram que parar a produção, deixando de entregar suas encomendas. 

Duas das três fabricantes de garrafas que operam no Brasil tiveram problemas técnicos, reduzindo a capacidade produtiva. No mesmo período, a Heineken fez uma encomenda muito grande e a indústria não deu conta da demanda.  

Apesar dos pesares, marcas como a Praya e a Verace — uma cervejaria premiada de Belo Horizonte — tem conseguido prosperar.

Fundada em 2016 pelos cariocas Marcos Sifu, Tunico Almeida, Paulo de Castro (mais conhecido como o DJ Zeh Pretim, que lidera o marketing da marca) e Duda Gaspar, a Praya já se firmou como uma das principais marcas da gelada no Rio de Janeiro.

 
Depois de vender R$ 8,5 milhões ano passado, a Praya trabalha com targets agressivos de faturamento: R$ 16m-20m em 2019, R$ 30m-35m em 2020 e R$45m-60m em 2021. (A produção de 420 mil litros no ano passado deve saltar para 1,5 milhão de litros este ano.)
 
10653 14975d92 360b 209d ed8e 58d6bd92a725A marca já está em mais de 2 mil pontos de venda, entre supermercados, bares e restaurantes, e deve abrir outros 2 mil neste ano. Nos próximos meses, entrará em todas as bandeiras do Grupo Pão de Açúcar (Pão de Açúcar, Extra e Assaí) e nas lojas do Makro. Hoje, os supermercados respondem por 45% do faturamento, mas a ideia é que a fatia chegue a 70% no médio prazo.

A Praya é uma Witbier (um estilo de cerveja belga feita com trigo). Mas, diferente de outros rótulos do tipo, tem um sabor mais leve e refrescante, que caiu como uma luva no paladar dos cariocas. 

“É uma cerveja pra beber gelada, na praia — bem diferente da maioria das craft beers”, Sifu, um ex-surfista que passou três anos desenvolvendo a receita na cozinha de casa, disse ao Brazil Journal. “Quando criei a Praya, eu queria que ela fosse a minha cerveja preferida, pra beber com meus amigos.”

Para conquistar os brasileiros, a cervejaria apelou também ao bolso: seu preço fica abaixo da maioria das craft beers nacionais. A long neck sai em média por R$ 7,90; a garrafa de 600 ml, por R$ 10; e a latinha — lançada em dezembro e a menina dos olhos dos fundadores — por cerca de R$ 5.  

Em alguns pontos do Rio, a Praya já bate de frente com as marcas consolidadas. No Supermercados Zona Sul, é o segundo rótulo mais vendido. 

Agora, a marca está começando uma expansão nacional: chegou a Curitiba semana passada e, até julho, vai chegar a Brasilia e ao Rio Grande do Sul. Mas o grande foco é São Paulo. A Praya acaba de assinar um contrato com a EBD, uma das maiores distribuidoras do País, para quintuplicar seus pontos de venda no estado.

Mesmo com todo o sucesso, a cervejaria ainda opera no vermelho e só espera chegar ao breakeven em 2021, quando a marca já estará consolidada no País com um volume expressivo.

 
“É uma operação que tem uma dinâmica complicada e demanda muito caixa”, explica Tunico, o CEO e um dos fundadores. “Pagamos os fornecedores antecipado, mas demoramos 21 dias para produzir a cerveja. Depois de pronta, levamos mais cinco dias para entregar aos distribuidores, que só vão pagar a fatura 28 dias depois.”
 
Para financiar a expansão, a Praya está fechando uma rodada de capital que dará um fôlego de mais um ano e meio à operação. Os investidores são executivos com background em marketing e varejo que trabalham em grandes empresas; hoje, o único investidor externo é Pedro Navio, ex-CEO da RedBull na América Latina e atual CEO da Kraft Heinz no Brasil.  Os fundadores estão vendendo cerca de 10% do capital e não abrem o valuation. 
As craft beers ainda respondem por menos de 1,5% do volume consumido no Brasil, mas Tunico aposta numa mudança de hábitos semelhante à que ocorreu nos Estados Unidos. Há dez anos, as craft beers respondiam por menos de 5% do volume de cerveja consumido pelos americanos. Hoje, já superam 17%.

Foi com essa mesma aposta que Alessandro Fontenelle — um ex-consultor de 49 anos que nunca gostou de cerveja — criou a Verace, outra cervejaria artesanal que conseguiu quebrar o código desse mercado. 

Com 15 rótulos diferentes, a Verace faturou R$ 4 milhões em 2018 e atingiu uma produção recorde de 45 mil litros em dezembro. Nos primeiros meses deste ano (a baixa temporada no setor) produziu uma média de 35 mil/mês. 

Fundada na mesma época que a Praya, a cervejaria mineira trilhou um caminho bem diferente da rival. A Verace apostou no segmento super premium, com rótulos que chegam a custar R$ 32.

 
“Compramos algumas máquinas que conseguem fazer tipos de cerveja que só fazem na Alemanha”, diz Alessandro. “Quando você não tem volume para brigar em preço, a saída é ir para a especialização, com um posicionamento único de mercado e com produtos que sejam reconhecidos e de alto valor agregado.”
 
A fórmula tem dado certo. Em menos de três anos, a Verace conquistou 27 medalhas em diversas premiações do setor. Ano passado, foi eleita a melhor Double Ipa na Copa Cervezas de América e levou medalha de ouro na World Beer Awards, dois carimbos importantes no mercado.  

O próximo passo: desembarcar em São Paulo e no Rio. 

10663 e848afec 0dc8 fd6c 3640 edb4f56084e4A Verace acaba de abrir um bar da marca em Botafogo, no Rio, e está nos trâmites finais para inaugurar um CD em São Paulo. Hoje, atende 350 clientes em Minas, e já vende em algumas poucas lojas do Pão de Açúcar.

No ano passado, foi selecionada num festival de cervejas da rede de supermercados, ganhando espaço em algumas de suas gôndolas. “É a única maneira de entrar numa rede dessas”, diz Alessandro. “No Carrefour, por exemplo, a Ambev comprou praticamente todas as gondôlas. Para conseguir um espaço nas que sobraram, você tem que entrar num nível de precificação absurdo.”

A história da Verace começou como a de 9 em 10 cervejarias artesanais. Dois amigos aficionados pela breja — e hoje os sócios de Alessandro — estavam tomando uma quando alguém fez a pergunta: “Por que não fazemos nossa própria cerveja?”

Alessandro nunca gostou da gelada, mas gostava de estruturar modelos de negócio e queria empreender. Quando descobriu o hobby dos amigos, passou um mês estudando o mercado, cotando os custos de importação dos insumos e conversando com especialistas. 

Para tirar a ideia do papel, conseguiu um funding com o BNDES, que cobriu 30% do valor da fábrica, e tirou o resto do próprio bolso. No ano passado, um grupo familiar de Minas comprou 25% da empresa.

A Verace ainda não dá dinheiro, mas, depois de anos queimando caixa, chegou ao breakeven em dezembro. (Para comemorar, até Alessandro bebeu uma cerveja).


Na foto abaixo, rótulos da Verace:

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