Em dezembro de 1974, o Presidente Ernesto Geisel entrou no ar em cadeia nacional para seu pronunciamento de fim de ano e comentou as medidas emergenciais que acabara de tomar para lidar com uma crise que começava a ganhar força.
Uma virada na conjuntura internacional começava a contagiar a economia brasileira. Eram as primeiras evidências de que o “milagre” era mais frágil do que fazia crer a propaganda oficial.
Geisel havia acabado de lançar o segundo PND, o Plano de Desenvolvimento Nacional, uma série de projetos ambiciosos que incluíam subsídios às exportações e crédito público para a indústria.
Visto ainda hoje como ‘megalomaníaco’ por uns e ‘transformacional’ por outros, o II PND se revelaria uma política equivocada, derivada de um diagnóstico falho, e que custaria muito caro ao país, como deixa claro o economista Affonso Celso Pastore em seu novo livro, “Erros do Passado, Soluções para o Futuro: A herança das políticas econômicas brasileiras do século XX” (336 páginas, R$ 79,90, Portfolio Penguin).
Pastore reúne evidências, emprega equações e argumenta que houve três grandes equívocos da equipe econômica de Geisel.
O primeiro foi insistir na substituição de importações, uma política cujo resultado foi acentuar “um círculo vicioso de maior protecionismo e menor produtividade do qual nunca nos livramos.”
O segundo foi acreditar que a origem da crise estivesse no choque do petróleo. Não estava, tanto que o México, que era exportador da commodity, foi o primeiro país a tombar na crise da dívida externa.
O terceiro e maior dos erros: inflar o crescimento interno à base de subsídios e créditos financiados com dívida externa. O Brasil não dispunha de capitais domésticos suficientes para bancar todos os projetos do II PND e contraiu um volume crescente de financiamentos externos, tirando proveito de um período de elevada liquidez nos mercados internacionais. Mas em pouco tempo, a bomba da dívida externa desabaria sobre o país, deixando uma ressaca amarga depois dos anos do “milagre”.
Quando Paul Volcker assumiu o Federal Reserve, em 1979, os EUA tinham inflação de dois dígitos. A taxa de juros subiu rapidamente de 11% para 20% ao ano. A dívida externa brasileira superava 50% do PIB, e os gastos com juros atingiram 60% das exportações. O país foi à lona. As maxidesvalorizações cambiais turbinaram ainda mais a inflação, que já era elevada.
Além de dissecar os erros de Geisel, Pastore traz novas interpretações para temas centrais da história econômica recente, entre eles o “milagre econômico”, a herança inflacionária do Programa de Ação Econômica (PAEG) e a crise da dívida nos anos 1980. É uma história contada a partir dos erros cometidos ao longo das últimas cinco décadas, e cujas lições não foram devidamente assimiladas — o que condena o país à instabilidade e ao baixo crescimento.
Pastore foi presidente do Banco Central entre setembro de 1983 e março de 1985. Relembra com frustração a falta de instrumentos de que dispunha para combater a inflação, que já batia em 200% ao ano. Mas conta a sua contribuição na elaboração de um plano de estabilidade que envolvia a renegociação da dívida externa na transição para o governo democrático. O esforço acabou em vão: “Quis o destino que Tancredo Neves morresse antes da posse, assumindo o vice-presidente, José Sarney, que tinha outras ideias — infelizmente muito piores.”
A redemocratização trouxe conquistas políticas e sociais — mas na política monetária, o desastre foi considerável. “O período que se estende de 1985 até o Plano Real foi uma fase na qual a economia brasileira viveu um período de obscurantismo monetário sem precedentes e que, espero, jamais retorne”, escreve Pastore. Em 1989, o IPCA acumulado em 12 meses bateu em 14.520%, e em março de 1990, mês da posse de Fernando Collor, o índice alcançou inimagináveis 135.422%.
Como em tantos momentos do passado, o desarranjo nas contas públicas volta a ser fonte de preocupação e instabilidade. Desde Dilma Rousseff, o país acumula déficits nas contas primárias, o que lhe custou a perda do grau de investimento.
“Em muito pouco tempo, tudo o que havíamos progredido desde o início do Plano Real foi jogado por terra,” diz Pastore. Jair Bolsonaro não tem no equilíbrio fiscal uma de suas prioridades. Trabalha para derrubar o teto de gastos, a principal âncora fiscal do país. “A origem da deterioração fiscal está longe de ser algo inexplicável. Ao contrário, ela é a consequência de uma deterioração das instituições políticas”, afirma Pastore. “A história não pode ser refeita, e teremos que arcar com os custos gerados pela deterioração institucional e pela sua reconstrução, se essa for a opção tomada pelo país.”
Pastore, um dos fundadores do Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP), gosta de repetir que não desistiu da mania de tentar extrair da história lições úteis para construir um futuro melhor.
No prefácio do livro, Marcos Lisboa escreve que Pastore “nos ensina sobre a economia brasileira, mas também sobre a importância da técnica”, um exemplo que pode ser útil na formação dos jovens economistas. “Quem sabe eles evitem repetir os erros que nos trouxeram até aqui.”