Nos anos 40, as mesas dos gerentes de banco ficavam no fundo da agência, em salas fechadas nas quais o cliente tinha que pedir autorização para entrar.
Como todos os grandes bancos, o Bradesco — com 4.700 agências e um exército de 30 mil gerentes — tem que manter seu legado paquidérmico enquanto se defende da guerrilha das fintechs, que operam com ônus regulatório mínimo. É uma vida dura. O banco tem que cuidar dos clientes que gostam de ir na agência e receber seus extratos em papel, ao mesmo tempo em que tenta seduzir os millennials que odeiam até pensar numa agência e têm um DNA digital.
Um gerente típico do Bradesco sempre cuidou de tudo na vida do cliente — do cheque devolvido à troca da senha do cartão, além de interagir numa série de produtos e serviços. Nesta rotina, falar de investimentos nunca foi o mais importante, ainda mais num mundo em que bastava dizer ‘compre um CDB’ ou ‘deixa na poupança’ — ou, no máximo, ‘compra esse fundo’.
Mas agora, o deslocamento avassalador gerado pelas plataformas de investimento e a queda estrutural dos juros estão obrigando os bancos a se mexer. O Itaú abriu sua plataforma para oferecer produtos de outras gestoras e reduziu taxas de corretagem. O Santander lançou a Pih, uma plataforma 100% gestada e gerida fora do banco.
Na Cidade de Deus, o Bradesco está cumprindo um checklist extenso para credenciar a Ágora como uma ‘casa de investimentos’, a alcunha que o banco deu à plataforma.
Além de treinar os gerentes, o banco está ensinando funcionários de diversas agências a se tornar ‘especialistas em investimentos’. Para atrair talentos no mercado, criou um sistema de compensação que remunera os ‘top performers’ e acena com a possibilidade de uma carreira no banco — onde é comum estagiários se tornarem CEOs. A Ágora foi redesenhada como uma plataforma aberta, digital e com uma abordagem que, segundo o banco, a diferencia dos concorrentes.
“Não vamos ‘empurrar’ qualquer produto; temos curadoria,” diz Scarpelli, numa alusão diplomática — Bradesco style — à concorrência. “Vamos ser tão baratos quanto uma corretora independente, mas vamos olhar o cliente pela ótica que ele precisa ser atendido. Não vou pensar no próximo ‘trade’ que eu vou te oferecer, vou pensar na sua vida. O cliente tem que ver que eu entendo os objetivos e necessidades dele melhor que os outros.”
A nova Ágora nasce com R$ 50 bilhões de ativos sob custódia — um sétimo do que a XP tinha ao final de setembro — e responde por cerca de 16% de todo o volume transacionado no segmento Bolsa da B3 (o Itaú tem share ligeiramente maior, e a XP, 50% do mercado).
O banco está ativando sua base de clientes em todas as caixinhas. Os 2 milhões de clientes do NEXT, o banco digital do Bradesco, foram automaticamente conectados à Ágora. Somando os clientes NEXT aos 850 mil da própria Ágora e as pessoas físicas que foram migradas da Bradesco Corretora, a Ágora tem uma carteira sintética de 2,85 milhões de clientes. O grande desafio será torná-los ‘clientes ativos’ — hoje, são apenas 150 mil.
“O Bradesco tem 30 mil gerentes de agência,” diz Leandro Miranda, o diretor executivo da Ágora. “Se 10% deles falarem sobre a Ágora todo dia, é como se tivéssemos 3 mil agentes autônomos.” (A XP tem 6 mil.)
Fundada em 1993 e comprada pelo Bradesco em 2008, a Ágora foi uma espécie de XP antes da XP. Seu homebroker — o VipTrade — foi líder no País e democratizou o acesso da pessoa física à Bolsa, além de ser a primeira no modelo de plataforma aberta. Mas aquele era um Brasil de juros cavalares e no qual a renda variável era uma opcionalidade.
Agora, o Bradesco tenta injetar leveza e usabilidade no ‘reboot’ da Ágora, mas ainda encontra alguma resistência e inércia do outro lado do balcão. É comum clientes de alta renda ainda preferirem ficar na poupança, outros fazem questão do extrato no papel, e há os que ainda compram produtos que rendem menos que o CDI mas dão a chance de concorrer a prêmios.
Enquanto isso, as fintechs tentam beliscar os negócios de margem mais suculenta. “Ninguém quer ser banco, mas todo mundo quer ter um robozinho que oferece algo que o banco oferece,” diz Scarpelli. “Todo mundo quer morder um pedaço do banco, mas ninguém quer atender 30 milhões de pessoas todo dia.”
Dando leveza à luta, uma piada corre dentro do banco: segundo ela, Deus criou o mundo em sete dias porque não teve que lidar com sistemas legados. Se tivesse, o mundo não estava pronto até hoje.