No início da vida está o amor. Sermos amados por um outro nos ensina a amar. De início, amamos narcisicamente, isto é, apaixonamo-nos pela nossa imagem que corresponde àquela que encontramos no olhar de outros: a de “Sua Majestade, o bebê”, uma expressão de Freud.

Aos poucos, a criança compreende que ela não é a única pessoa importante nesse mundo. Por mais que mantenha uma certa margem de narcisismo (tem que continuar se amando), ela passa a amar os outros e não só a si mesma. O próprio de todo amor é que não existe um que não tenha seu protótipo na infância; esse primeiro modelo constituirá a base sobre a qual edificamos nossas escolhas amorosas da vida. Não temos opção: ou amamos ou adoecemos.

Além de sermos amados, somos cuidados. Pela condição de desamparo ao nascer, dependemos de um outro que supre nossas necessidades essenciais, interpretando-as: “você está com fome, sede ou frio”.

Somos “falados” antes de “falar”, e esse outro que fala por nós nos introduz no universo linguístico que lhe é próprio. Com esse discurso do Outro nomeando nossas sensações brutas, constituímos nosso inconsciente.

Mas por esse processo se dar num tempo anterior à nossa inscrição na linguagem, nunca teremos acesso ao primeiro capítulo de nossa história “escrito” por um outro. Tal fato nos constitui como sujeitos falantes, divididos, em falta.

Sermos sujeitos divididos nos faz permanentemente esperar que alguém nos conheça melhor do que nós mesmos. Amo aquele que supostamente sabe mais do que eu a respeito de mim mesmo. É o fundamento do conceito de transferência em uma análise, o do lugar ocupado de “sujeito suposto saber” do analista.

A mulher, com maiores dúvidas sobre sua identidade, com frequência pergunta: “o que você acha de mim?”. Trata-se de uma fantasia amorosa bastante comum, a de encontrar no amor uma resposta ao que nos falta sabermos a respeito de nós mesmos.

O que explica os sujeitos – e, principalmente, as mulheres com tantas dúvidas sobre si mesmas – dispenderem tanto tempo, tanto empenho, para encontrar o “par perfeito”, o “alter ego” senão pelo fato de acreditarem que a falta lhes gera angústia?

Os amantes anseiam gravar seu encontro no frontão do destino, tranquilizando-se – “estava escrito” – para dar um gosto de eternidade à sua história de amor.

Mas o amor não é uma construção apenas humana. É uma estrutura complexa cujas dimensões psíquicas, sociais e culturais moldam tanto nossa vida pessoal como a coletiva.

A atual conjuntura sociopolítica – que privilegia o discurso da ciência, os avanços das técnicas e a vida numa sociedade capitalista – bem como a transformação da relação entre homens e mulheres afetam o amor.

A ascensão da solidão em contraponto ao amor é um dos fenômenos sociais mais marcantes de nossos tempos. Cada vez mais pessoas escolhem viver sós. O paradoxal é que as mulheres – mais apaixonadas pelo amor do que os homens, e que mais salvaguardam as parcerias amorosas – são as que mais estão abraçando a solidão. Em número crescente, elas vêm renunciando ao casamento para viver uma vida própria, de liberdade.

Em seu inspirado livro Mira-se no amor, acerta-se na solidão, Ana Suy Kuss explica que estar consigo mesmo, sozinho, não necessariamente é um sofrimento, e sim um exercício de liberdade e criação.

Esperamos que o amor impeça que vivamos o sentimento de estarmos sós, quando na realidade este é um fato inerente à condição humana: sempre estamos conosco mesmo. O amor dialoga com a solidão, ainda que seja incapaz de nos libertar dela.

O filósofo Compte-Sponville esclarece que amor e solidão não são dois contrários, mas dois reflexos de uma mesma luz que é viver.

Malvine Zalcberg é psicanalista, doutora em psicanálise e autora de Amor paixão feminina, que está sendo reeditado em setembro pela Editora Almedina.