Surgiu uma explicação possível para o preço exorbitante que a Gerdau pagou por participações minoritárias em suas controladas, uma operação que fez as ações da empresa derreter na Bovespa esta semana.
A compra de quase 2 bilhões de reais anunciada na terça-feira tem sua origem em uma reestruturação societária que a Gerdau fez ao longo de 2005.
O principal objetivo da reorganização societária — que envolveu subscrição de capital, incorporação e cisão de empresas dentro do Grupo Gerdau — foi reavaliar os ativos da empresa, criando um ágio que poderia ser amortizado, levando a Gerdau a pagar menos impostos.
Para validar os valores que estava pagando nas transações entre as empresas do grupo (e evitar questionamentos do Fisco), a Gerdau precisava de um terceiro — preferencialmente alguém de renome — que comprasse um pedaço dos mesmos ativos no mesmo preço. Foi então que o Banco Itaú BBA comprou uma fração do capital das controladas, pagando por elas 550 milhões de reais.
Analistas de mercado notam que, se ajustados pelo CDI de lá para cá — 194,84% de 5 de maio de 2005, data da entrada do Itaú, a 5 de maio de 2015 — mais um prêmio de risco, o valor de 550 milhões chega perto dos 1,9 bilhão de reais que a Gerdau concordou em pagar ao recomprar os ativos.
Essa semelhança entre os valores está alimentando a tese de que o Itaú estaria exercendo agora o direito de revender as participações à Gerdau. Ou seja, a Gerdau teria pago ‘caro’ agora porque teve que honrar o acordo com o Itaú, corrigindo o preço de aquisição pelo CDI.
Para o banco, teria sido uma operação puramente financeira e, para a Gerdau, uma forma de legitimar a reestruturação societária perante a Receita Federal.
Mas a Receita não achou graça, e lavrou autos de infração contra a Gerdau e algumas de suas controladas, cobrando-lhes IRPJ e CSLL sob a alegação de “formação e aproveitamento fiscal indevido de ágio interno na reestruturação societária”. Em outras palavras, a Receita disse que ágio interno não vale, e que o imposto era devido integralmente.
A Gerdau recorreu ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) para tentar reverter o julgamento da Receita. Segundo o site Jota, “o processo – de número 10680.724392/2010-28 – foi julgado em abril de 2012 pelo conselho, e por cinco votos a um foi dado ganho de causa à companhia.”
Essa vitória da Gerdau foi numa câmara ordinária do Carf — uma instância intermediária — que tinha como vice-presidente, à época, o conselheiro José Ricardo da Silva, apontado na Operação Zelotes como “um dos principais responsáveis pelo esquema de corrupção” no Carf.
Tendo perdido na câmara ordinária, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional levou o caso para a Câmara Superior, a instância final de decisão do Carf, onde o processo seria julgado no início de abril. Quando a Zelotes explodiu em março, no entanto, todos os julgamentos do Carf foram suspensos.
Em sua defesa, a Gerdau acusou “a ilegalidade da norma que limita o conteúdo da lei que permite o aproveitamento do ágio a qualquer pessoa jurídica que absorver o patrimônio de outra em virtude de incorporação, fusão ou cisão”. Disse ainda que o ágio “foi gerado em decorrência da efetiva valoração das ações, com substrato econômico reconhecido ao longo da reorganização societária [pela] subscrição e integralização de capital de terceiros.”
Analistas notam que o direito do Itaú de revender sua posição nas controladas à Gerdau (a ‘put option’) não consta nos balanços nem da Gerdau nem da Metalúrgica Gerdau. Assim, o mais provável é que o contrato da put preveja seu exercício contra algum veículo da família Gerdau, o que, se for verdade, deve gerar ainda mais questionamentos a respeito da governança na Gerdau.
“Os investidores na empresa não sabiam dessa obrigação,” diz um analista.
A delicadeza do assunto explicaria por que a Gerdau não chamou os analistas para discutir a operação, e sugere que, daqui para frente, empresários e CEOs provavelmente pensarão suas vezes antes de aprovar operações fiscais gestadas em escritórios de advocacia e bancos de investimento.