Na política o confronto muitas vezes é estratégico. Há figuras que se alimentam do confronto e utilizam batalhas contra inimigos, às vezes imaginários ou abstratos, em seu próprio benefício.
Os motivos são muitos: criar um desvio de atenção na opinião pública ou fazer um aceno a um grupo específico, por exemplo.
As batalhas imaginárias ou abstratas são úteis em momentos em que batalhas reais possuem enorme downside, em momentos onde há uma série de derrotas incontestáveis ou quando há pressão para se posicionar em um tema quente.
A melhor definição que li está em um artigo do The Washington Post: “The key characteristic of this manufactured controversy is that it is a symbolic battle masquerading as a practical one.”
A democracia está mais veloz do que nunca. As redes sociais amplificaram as batalhas. Hoje divergimos de tudo. Divergimos rápido e intensamente. A velocidade da opinião nublou a capacidade de absorção. Minutos após uma informação vir a público somos bombardeados de certezas de ambos os lados.
Vivemos o fim da reflexividade. Já sabemos, antes mesmo deles se posicionarem, o que boa parte dos influenciadores digitais e figuras políticas pensam sobre um determinado assunto. E são eles que direcionam boa parte do debate nas redes. Ter certeza sobre a opinião de fulano ou sicrano antes mesmo deles abrirem a boca não é um bom sinal.
Mas esse é um tema para outro artigo. Hoje vou falar das batalhas atuais do Presidente Lula. A velocidade dos posicionamentos, a polarização do País e a necessidade de se posicionar frente a grupos e temas específicos criaram muitas das batalhas neste início de governo.
Na Bolsa existe o stockpicking, a arte de escolher as melhores ações para um portfólio. Já na política temos o fightpicking: “Com quem posso brigar?”
Atores econômicos, políticos e imprensa parecem concordar que Lula tem sido mais visceral do que pragmático em seus primeiros três meses à frente do País.
Há muitas teses que explicam o motivo. Talvez a briga mais emblemática deste início de governo tenha sido a postura do PT e de Lula em relação ao Banco Central e seu presidente, Roberto Campos Neto. Percebo um padrão.
Lula aumenta a intensidade de seus ataques quando o inimigo é abstrato. O mercado financeiro é um exemplo. Todos sabem que o “mercado” é um ator gigantesco, formado por milhares de atores institucionais e milhões de pessoas físicas. Não é uma cabala formada por meio dúzia de bilionários em uma sala.
Atacar o mercado tem downside limitado. Mais ou menos como Bolsonaro fazia com o comunismo. Em nenhum dos dois exemplos um porta-voz do mercado, ou do comunismo, chamará uma coletiva para responder os ataques. Atacar o mercado, ou o comunismo, é como gritar contra uma parede. A diferença é que existe por trás um grupo que espera esse comportamento.
São ataques abstratos. Servem para se posicionar, mas o efeito prático é pequeno.
Os ataques contra o BC e Roberto Campos não são tão abstratos, mas também não são tão perigosos, na realidade de Brasília, como criticar o presidente da Câmara ou líderes partidários da possível base aliada.
Produzem poucos efeitos práticos, mas servem para marcar posição. Em Brasília especula-se que a estratégia também é ancorada em ter a quem culpar por uma economia que, ao que tudo indica, ficará de lado por um bom tempo.
As críticas do PT e Lula ao Banco Central e sua autonomia têm “solução”. Uma lei complementar poderia retirar o status legal de instituição autônoma, o que obviamente não acontecerá. O maior problema é que o envio de um projeto de lei complementar traz consigo uma batalha muito real e nada abstrata: o Congresso Nacional.
Uma “demissão” no Senado Federal também causaria danos. Muito barulho, poucos votos e uma quase certeza de derrota.
No ano passado o Congresso Nacional não aprovou uma PEC do Governo Bolsonaro propondo que as urnas tivessem um recibo do voto. Sabendo que a batalha contra um Congresso que poderia derrubar vetos, nomeações e Medidas Provisórias era perigosa, Bolsonaro direcionou suas críticas ao TSE e STF, acusando-os de pressionar o Congresso para não aprovar a matéria. É mais um exemplo de fightpicking.
O fórum onde o assunto estava sendo debatido era o Congresso, mas Bolsonaro sabia que uma briga por ali não terminaria bem. Escolheu um caminho mais abstrato.
Nesse início de ano o Lula “visceral” que vimos nas críticas ao BC sumiu em temas menos abstratos, como a MP do CARF e a pressão da Frente Parlamentar do Agronegócio em relação à retirada de alguns poderes do Ministério da Agricultura na MP que reorganizou os ministérios.
Também sumiu ao lidar com potenciais crises ligadas aos ministros Juscelino Filho (Comunicação) e Daniela Carneiro (Turismo). Foram episódios onde os ouvidos de Lula trabalharam mais do que a boca.
Lula continuará produzindo manchetes. As críticas e ataques contra o BC continuarão. Ao mercado, também. Grandes empresários, bilionários, imprensa – enfim, todos aqueles onde o resultado final do embate for mais abstrato do que prático estão na lista de potenciais alvos.
Acontece que os principais temas do Brasil e do Governo passam pelo Congresso: âncora fiscal, reforma tributária, medidas provisórias, vetos, nomeações, pautas-bombas e créditos extraordinários.
Hoje o Congresso é muito mais autônomo do que no passado. Parcela significativa do Orçamento está sob controle do Legislativo. Embora o DNA governista permaneça no Parlamento, a submissão do passado não existe mais. O poder também está mais concentrado, com as comissões perdendo força e o Plenário ganhando.
Essa força de Arthur Lira, que preocupa o PT, é pouco atacada em público. Todo cuidado é pouco. Afinal, confrontar o Congresso é o início de pesadelos presidenciais no Brasil.
O Congresso não costuma reagir bem a ataques, ainda que abstratos. E Lula sabe disso.
Lucas de Aragão é sócio da Arko Advice.