Depois de ajudar a fundar a STK Capital, onde era o segundo maior sócio, Pedro Quaresma abandonou a gestora carioca depois de nove anos para comandar o Momento, uma família de fundos no Itaú.

11298 579b7581 474d 3b32 4e05 6a8358dc2ae3PQ, como é mais conhecido, assumiu em dezembro de 2019 com pouco menos de R$ 1 bilhão sob gestão — um número que já cresceu para R$ 4 bilhões. 

O Momento é parte da estratégia multimesas da Itaú Asset Management, que atrai profissionais independentes com histórico de gerar alfa para diversificar a gestão de seus R$ 760 bilhões. Mais à frente, se um gestor decide sair do banco e montar seu próprio negócio, o Itaú tem a prerrogativa de se tornar sócio.

Em seu primeiro ano completo, o Momento rendeu seis pontos percentuais acima do Ibovespa (líquido de taxas). Disponível ao investidor de varejo (e hoje com mais de 50 mil cotistas), o fundo é um portfólio de ‘best ideas’ que carrega de 15 a 25 posições.

O Momento IQ — uma versão para o investidor qualificado lançada em julho — replica a carteira local e permite comprar também ações listadas no exterior. O fundo hoje tem Mercado Livre e Arco Educação.

“O foco da carteira são empresas de qualidade, que são a melhor receita pra sobreviver a esse macro maluco do Brasil e bater o mercado no longo prazo,” PQ disse ao Brazil Journal.

Nesta conversa, ele discutiu algumas de suas posições: Energisa, Oi, Inter, Arezzo&Co e Rede D’Or.


Onde você está vendo setores subapreciados na Bolsa?

Nossa abordagem é ‘bottom up’, empresa por empresa, então nunca parto primeiro dos setores. Dito isso, estamos vendo muitas oportunidades no tema do consumo, pela reabertura da economia no pós-covid. Com o processo de vacina ao longo do ano, para mim o consumo é uma área fértil. Dentro de consumo/varejo, gostamos muito das empresas que aprenderam a lidar com o social commerce. Que atingiram seus consumidores através de estratégias de CRM mais inteligentes e conseguiram fazer vendas via Whatsapp ou outras redes. Esse bloco de consumo é relevante no meu portfólio. 


O grupo de saúde também tem um terreno muito fértil. Tivemos agora o IPO da Rede D’Or, que foi emblemático… O setor de saúde no Brasil era mais de 10% do PIB, mas era sub-representado na Bolsa, e isso está mudando agora, então saúde é um bloco importante. O setor elétrico eu consigo sempre achar oportunidades, porque tem empresas muito especiais — hoje temos a Energisa. Esse grupo de saúde e elétricas eu chamo de ‘defensivos com crescimento’. Essas empresas vão devagar e sempre, e conseguem capturar bem as oportunidades do setor. 

Em serviços financeiros, acho que tem muitas oportunidades ligadas ao desenvolvimento do mercado de capitais. Os juros de um dígito são uma revolução no Brasil. E temos olhado também para tecnologia, plataformas de ecommerce e softwares com crescimento secular. Continuamos acreditando que o grupo de ecommerce, apesar de ter acelerado muito em 2020, ainda vai ganhar muito market share. São empresas que estão capturando mercado numa velocidade que ninguém consegue chegar perto. Em commodities, taticamente, também fazemos alguns movimentos. 

Quantas posições vocês têm tipicamente?

Temos entre 15 a 25 ações. Quando você passa de 25, isso dificulta uma tomada de decisão ágil no dia a dia, porque você fica sabendo menos o que está acontecendo na sua carteira e o que você quer é ter o foco para tomar proveito. Mas as nossas top cinco posições — Natura, B3, Energisa, TOTVS e Rede D’Or — normalmente representam uns 40% da carteira, e depois vai diminuindo com base nas nossas convicções. 

Classificamos as empresas como A, B ou C, que tem a ver com o track record do management, a qualidade do negócio, nossa capacidade de nos posicionarmos. As posições com classificação “A” são as maiores na carteira. E empresas que são difíceis de fazer o trabalho investigativo — porque depende de uma variável muito volátil que você não controla, por exemplo empresa de commodity que depende do que a China vai fazer, ou uma estatal que troca muito o time de comando, uma empresa que não tem uma estratégia muito consistente no tempo — essas, se tivermos, vamos ter um tamanho menor na carteira, no máximo 5%. 

Vocês têm uma posição menor do fundo em Arezzo&Co. Qual a tese?

Eu gosto bastante da Arezzo. É uma empresa de consumo que está passando por um movimento transformacional. A Arezzo primeiro criou várias iniciativas e marcas dentro dela, foi se diversificando, e sempre gostamos muito da relação dela com seus franqueados. Mais recentemente, a Arezzo investiu na parte internacional. Gastou muita energia lá, tentou conquistar o mercado americano, e foi muito difícil porque o mercado lá é ultracompetitivo. Foi ajustando aqui e ali e, mais recentemente, adotou um modelo que achamos que vai dar certo, porque é um modelo no qual eles têm uma menor presença de lojas físicas e atacam esse mercado de uma forma mais online. 

Mas o pulo do gato da Arezzo, pensando nos próximos cinco anos, é esse movimento que eles fizeram recentemente de entrar no mercado de vestuário. Isso ampliou o mercado endereçável da companhia. Antigamente, você olhava para a Arezzo e pensava: ‘uma empresa bem tocada, muito boa, mas quantas Schutz você pode abrir no Brasil? Quantas Arezzo mais você vai abrir?’ Agora com essa aquisição da Reserva eles abrem uma nova frente, e acho que isso vai ser uma tacada de mestre para eles. 

Mas antes da Reserva, eles fizeram aquele movimento com a Vans no Brasil, que foi quando a gente fez uma posição maior na empresa. A Vans é uma excelente marca, reconhecida no Brasil, mas estava aquém do seu potencial. E na plataforma da Arezzo essa marca tem capacidade de alçar voos muito maiores. Acreditamos que a Vans vai dobrar de tamanho no Brasil nas mãos da Arezzo. Também acreditamos que a Reserva tem capacidade de aumentar muito o tamanho dela, porque a Arezzo tem uma série de relacionamentos no Brasil inteiro e tem a capacidade para fazer isso. 

Você acha que o Rony Meisler [fundador da Reserva] e o Alexandre Birman [CEO da Arezzo] vão se dar bem o tempo todo? Ou podem ter conflitos?

É. Muita gente no mercado tem essa preocupação. Os dois têm personalidade forte, mas acho que são complementares: um entende tudo de vestuário, o outro de calçados. Então acho que eles tem uma boa complementaridade e acho que vai dar certo. As pessoas têm essa dúvida, é um ponto de atenção, mas acho que neste caso, diferentemente de você pegar um executivo e colocar embaixo do CEO, essa é uma nova frente, é uma nova divisão. E eles estão alinhados. O mais importante é que os dois têm ações da mesma empresa [risos]. 

Vocês têm uma posição pequena na Oi, que é uma ação mais polêmica. Por que acham que a empresa vai se recuperar?

Temos a Oi na carteira desde que eu assumi a gestão, em dezembro de 2019. A Oi é quase como um caso irreplicável, que acontece um ou duas vezes no País: ela é fruto de um processo de privatização lá atrás, uma empresa que tem uma série de ramificações territoriais no Brasil e é um ativo que tem valor, mas que sofreu muito e está no processo de recuperação judicial. Teve a briga de acionistas, vários problemas. 

Mas o que me chamou a atenção para olhar com outro ângulo lá em dezembro de 2019 foi a chegada do Rodrigo Abreu. Já tínhamos visto o trabalho dele na TIM, achávamos que ele entendia bastante dessa questão. Depois, a Camille Faria se junto a ele como CFO e, 12 meses depois, eles fizeram praticamente tudo que tinham que fazer. Foi algo impressionante. 

A Oi móvel é um negócio super cobiçado, tanto que deu no que deu agora no final do ano passado. Aquilo tem uma vantagem competitiva para as empresas que comprarem a Oi em relação à eficiência do espectro eletromagnético, para conseguir usar aquilo e prover o melhor serviço. Tem os leilões de 5G chegando mais à frente, e quem comprar esses ativos vai olhar o leilão… mas o mais impressionante da história da Oi, que foi quando aumentamos nossa posição, foi quando vimos a proposta da Oi para a assembleia geral de credores. Quando olhamos aquilo, pegamos o documento super denso, olhamos item a item e fizemos o valuation. Conseguimos traçar vários cenários que mostravam que a ação (que naquela época estava abaixo de R$ 1) tinha cenários em que podia valer R$ 4. Estava numa situação que eu já sabia o risco de downside do negócio e tinha uma situação muito assimétrica, era um risco e retorno absurdo. 

Mas obviamente não podíamos fazer da Oi uma posição de destaque do fundo. Ainda tem muito risco. Tem que convencer fornecedores, credores de bancos, bondholders…. Tem uma série de variáveis que não conseguimos controlar ali. No nosso modus operandi, a Oi é uma ação de classificação C. O management era recém-chegado, mas sabíamos que o CEO tinha um track record bom, que a CFO era uma investment banker que tinha capacidade de entender como fazer as negociações em todas as pontas, e víamos também uma série de negócios de infraestrutura de rede saindo lá fora a múltiplos altíssimos, acima de 20x EBITDA. Olhamos aquilo e pensamos: se o Rodrigo Abreu conseguir empacotar esse negócio de uma forma que esse ativo seja vendável, a Oi tem muito valor, seja para aqueles caras que estão bem com o negócio de banda larga, que vão usar os ativos da Oi no atacado, seja o próprio negócio da Oi servindo clientes finais.

Mais recentemente, a execução deles ao longo do ano passado — em novas adições de clientes de fibra — foi um sucesso. Eles conseguiram não apenas ter uma quantidade de adições líquidas bastante elevada como tem tido notas bem altas de NPS em relação aos concorrentes. 

O Inter é outra posição menor de vocês. Como você justifica investir num negócio com múltiplos tão altos?

O que nos impressionou recentemente no Inter foi a execução. Eu acho que o mercado de fintechs, que está a pleno vapor, tem se desenvolvido por empresas que partiram de um negócio e estão criando toda essa plataforma de investimento, banking, seguros.

Se você pensar na Stone, PagSeguro, Mercado Pago ou Inter, todos eles tiveram origem num business que gerava cashflow, começaram a pescar dentro desse aquário e agora estão desenvolvendo plataformas universais que vão atingir vários tipos diferentes de clientes.

O Inter começou como esse banco que fazia predominantemente hipotecas e quando olhamos aquilo no IPO pensamos: ‘como esse cara vai conseguir remunerar esse negócio se ele tem contas com R$ 700?’  Você pode pegar esses R$ 700, girar múltiplas vezes e ainda não ia conseguir tirar tanto ‘fee’ para justificar os custos todos. Por isso, decidimos ficar de fora. E foi um grave erro, porque a ação se multiplicou várias vezes. Deu super certo e o mercado começou a fazer vários paralelos. 

Mais recentemente, em 2020, teve um roadshow com o CEO João Vitor Menin, e quando eles foram mostrar os números, ele disse que a primeira coisa é que não é mais ‘Banco Inter,’ é só ‘Inter’. E mostrou, ‘olha, tem esse negócio do banco, tem esse de marketplace, tem essa parte de seguros, tem essa de investimento…’  E quando ele mostrou os números do marketplace, eram números muito impressionantes para quem tinha acabado de começar o negócio. Aquela discussão de captar conta continua a todo vapor, não param de captar. Além disso, o negócio de marketplace tem um modelo de cashback, que é algo viral, as pessoas fazem um boca a boca, e isso faz com que o custo de aquisição seja baixo. 

O Inter tem cashback, mas não está naquele modelo de ‘gasta, gasta, gasta e um dia vamos ganhar dinheiro’ (que é o modelo chamado de ‘cashburn’). O modelo do Inter é diferente: da receita que ele recebe ele divide um share com o consumidor, e o plano dele no tempo é cada vez mais diminuir esse share na medida em que ele vai tendo escala. Se hoje ele devolve, digamos, 60-70% da receita para o consumidor, no futuro, quando ele ficar muito relevante, ele vai acabar devolvendo menos. E aí a receita dele vai crescer. Na medida em que ele vai ganhando esse poder de barganha, ele vai poder cobrar mais dos lojistas também, e o ‘take rate’ dele vai aumentando também. 

É um modelo inteligente, que é como se fosse uma grande ratoeira. 

E quando você montou sua posição, no follow-on?

Entramos um pouco depois, em dezembro. Naquele momento do follow-on a Nasdaq tava corrigindo, tava aquela loucura, e eu já tinha outros compromissos do fundo, então esperei um pouco mais. De repente a ação deu uma chance e entrei. E o que acontece com o Inter, que acho importante mencionar, é que quando você pensa nas fintechs… o Itaú vale R$ 300 bilhões, o Inter vale R$ 30 bi. Se dá certo, você está impactando R$ 30 bi o que estava impactando R$ 300 bi. Quando um movimento desse dá certo, o impacto é muito grande.O próprio management do Inter bateu todas as metas que eles imaginaram para 2020. Eles mesmos se surpreenderam. E quando esse tipo de coisa acontece nessas empresas é quando você está perto dos movimentos mais exponenciais. As coisas estão dando certo e entrando num ciclo virtuoso. 

No setor elétrico, vocês têm uma posição grande em Energisa. Por que investiram na empresa?

A Energisa é uma das melhores empresas do setor. É uma empresa defensiva, mas com crescimento. Ela te oferece o dobro do rendimento de uma NTN-B [título do governo corrigido pela inflação] no preço que você está entrando agora. É uma empresa de ativos de qualidade, com um management e históricos excelentes. Acho os Botelhos [a família controladora] muito bons. 

Toda vez que falam de Energisa falam do potencial do Centro-Oeste, onde ainda tem muito cliente pedindo para fazer ligação de energia.  É um mercado pouco servido assim? Não tem ligação lá, tem que puxar o fio ainda?

A Energisa tem 11 concessões de distribuição elétrica, quatro linhas de transmissão, e atende 8 milhões de consumidores. A empresa é muito diversificada pelo Brasil inteiro, mas a jóia da coroa, o ativo que mais atrai os investidores, de fato é o Mato Grosso. Por quê?

Porque o Mato Grosso é uma fronteira de crescimento. Você tem um alto crescimento do agronegócio lá. E você tem muito investimento para fazer em ativos nesta região. E esses ativos são incorporados à base de ativos regulatórios, que transfere para a tarifa, que continua fazendo o EBITDA, o cashflow da empresa crescer. E a beleza da coisa é que é mais fácil fazer esses investimentos quando você tem uma área que cresce, porque você onera menos a tarifa. Uma coisa é você ter que fazer um investimento numa área que não cresce, que vai ter que resultar num aumento muito grande da tarifa unitária. 

A Energisa tem uma coleção dessas áreas que crescem: tem o Mato Grosso, agora recentemente adquiriu um ativo em Rondônia, tem a Paraíba. Mas quando fazemos nosso valuation, acreditamos que 40% do valor da empresa está no Mato Grosso. Esse negócio cresce a taxas chinesas, muito mais que a média nacional e há anos. E tem uma pista de investimento. O que todo investidor quer achar? Um cara com capacidade de reinvestir o negócio a taxas de investimento muito interessantes por muitos anos e que não sofra muita competição. E o modelo de distribuição de energia é basicamente monopólio local, defendido por um sistema regulatório robusto que foi sendo aprimorado ao longo do tempo. E as melhores empresas geram valor conseguindo ter retornos superiores ao regulatório por serem mais eficientes em termos de custos operacionais, redução de perdas, captura dos benefícios fiscais e a estrutura de capital utilizada. A Energisa tem tudo isso. 

Vocês compraram Rede D’Or no IPO e ela é uma das maiores posições do fundo. Por que decidiram investir?

Acompanhamos a Rede D’Or há muito tempo, pela representatividade que ela tem na cadeia de healthcare. Somos investidores da NotreDame Intermédica há bastante tempo também. E a Rede D’Or é o elefante do setor. Ela criou um ativo único. Eles têm um management excepcional, foram capazes de criar uma plataforma de aquisições na qual você pluga os hospitais e aumenta muito a lucratividade. O ganho de margem é um negócio brutal quando eles plugam o centro de serviços compartilhados deles. 

Mas não é só isso: você poderia fazer muito M&A, fazer essa integração e ponto. Mas eles também entendem muito do que acontece dentro dos hospitais, tem um controle na vírgula sobre as variáveis do que acontece nos hospitais. Eles sabem muito bem o que tem que fazer em cada tipo de hospital que eles adquirem: a quantidade de leitos que é ótima para aquela região, o tipo de especialização que precisa, etc. Consigo visualizar na Rede D’Or também uma coisa que eu gosto, que é um mix de crescimento orgânico e inorgânico. 

Independente do cenário macro do Brasil, que é super volátil, o que queremos é nos agarrar nos melhores managements e empresas, porque queremos ter os vetores de geração de valor. E a Rede D’Or tem todos os elementos. Tem o elemento orgânico, um mercado que ainda pode crescer muito porque é uma empresa dominante no sudeste e que vem expandindo para outras regiões. Além disso, tem uma pista de crescimento inorgânico. 

Se você pensar também todo o movimento da indústria com a provável fusão da Intermédica com Hapvida, quem são os maiores competidores delas? As Unimeds. E eu acredito que as Unimeds tem uma saída muito poderosa se começarem a fazer cada vez mais parcerias com a Rede D’Or. 

Você está dando a ideia?

Eu estou analisando. A Rede D’Or do Rio, por exemplo, tem um hospital no qual a Unimed tem 30% e a Rede D’Or 70%. Além disso, tem as expansões regionais também… Hoje, os grandes parceiros da Rede D’Or estão mais concentrados na região Sudeste, mas eles vão se expandir conjuntamente com a Rede D’Or para essas novas regiões. 

E em termos de valuation, múltiplos, como você vê o negócio?

A gente olha os múltiplos da Rede D’Or para daqui a três anos e nas nossas contas saímos a múltiplos menores do que ela estará negociando nos próximos 12 meses, quando achamos que ela vai estar negociando com um P/L beirando uns 30-40x. No final do terceiro ano, vemos um múltiplo de 25 a 30 vezes lucro, e trazendo isso para valor presente vemos muito valor na empresa. 

O efeito composto desse crescimento é muito grande. Tem poucas empresas do tamanho da Rede D’Or que conseguem crescer a receita no ritmo que provavelmente ela vai crescer nos próximos três anos. Mas tem que pensar a longo prazo nesse negócio. Queremos estar com esse time para o longo prazo.