Muita gente viu a renúncia de Maria Silvia Bastos Marques como a primeira grande perda de Michel Temer na equipe econômica.
Mas todas declarações recentes do economista Paulo Rabello de Castro, que assumiu hoje o comando do BNDES, só dão motivos para otimismo com a indicação.
Numa conversa com as repórteres María Martín e Carla Jimenez do El País publicada hoje, Rabello destilou bom senso e ofereceu um diagnóstico preciso: nos últimos anos, o BNDES serviu de colchão para amortecer os trancos da economia e, em vez de suavizar as distorções, acabou por exacerbá-las.
“Os empresários tem razão de chorar. Mas se vamos atender ou não é uma outra história. O que a gente não consegue mais é o empresário ficar pedindo uma compensação por uma outra coisa [a situação macroeconômica] que está equivocada. O Estado brasileiro está devendo a normalização do processo macroeconômico o mais rapidamente possível. Essa é a condição fundamental para que não se crie um banco de compensações e subsídios”, Rabello disse ao El País.
“O Brasil está mais para psicanálise que para análise econômica. E aqui o banco tem que descomplicar a análise econômica e atropelar a psicanálise”.
Rabello quer que o BNDES volte às origens e deixe de conceder empréstimos apenas para as empresas com os melhores ratings de crédito.
“Todos que têm acesso a crédito tem menos o que fazer no BNDES. A gente tem definitivamente que discutir por que o BNDES tem que dar crédito a Petrobras. … Ela se financia tranquilamente nos mercados. … Na medida em que eu fico escolhendo os chamados melhores créditos, qual a diferença entre o que eu faço e um banco rotineiro? Nenhuma.”
Rabello quer chegar a uma situação em que os subsídios não sejam mais necessários.
“O meu sonho seria dizer … que as taxas de juros já foram normalizadas até o ponto que inclusive o pequeno negócio entre uma instituição bancária, comente sobre sua intenção empresarial, e um funcionário do banco analise e lhe dê o dinheiro. Eventualmente, com alguma participação fracionária de um ente como o BNDES que pode até existir para, por exemplo, compartilhar risco. O banco não quer carregar 100% do risco? Traz para nós um pedaço. O BNDES compra esse risco, é a minha parte de estímulo ao desenvolvimento.”
“Isso não é de hoje para amanhã. Mas não é de hoje para nunca. Se eu falar em dez anos, estou dando tempo demais”, ressalta, mostrando senso de urgência.
Além de enfrentar um corpo técnico pró-relaxamento de crédito e que resistia a Maria Silvia, Rabello assumirá uma instituição que virou caso de polícia depois que a delação de Joesley Batista evidenciou o que todo mundo já suspeitava: que o dinheiro dos ‘campões nacionais’ saía mediante propina.
“O melhor conselho que eu recebi nesses dias foi: ‘não valorize a problemática, simplifique’. Imagina se eu chegar lá no banco e disser, ‘me tragam todos os problemas que temos pela frente por conta da JBS’, por exemplo. Não é que não vou dar a devida atenção, mas eu tenho que fracionar meu dia, dedicando ao máximo 30% do tempo à problemática e o resto é para solucionar”.
Rabello foi só elogios a Maria Silvia e disse que não opera milagres: o crédito caiu mais pela demanda do que pela oferta e apenas programas que contavam com uma carga exagerada de subsídios sofreram cortes, como o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), voltado para compra de caminhões e máquinas agrícolas.
“Crédito é cíclico. Sobe e depois cai. Nós estamos, do ponto de vista creditício, neste momento de queda. Maria Sílvia teve que suportar essa fase. Se o crédito voltar a fluir por conta do ciclo vão dizer que fui eu, mas o mérito é dela”, disse, um gentleman.
Resta saber se Rabello conseguirá enfrentar a agenda imposta ao banco pelos fatos, ou se, como Maria Silvia, será vencido pelo cansaço.
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A sub-manchete deste post é uma alusão à célebre frase de Dadá Maravilha: “Não venha com a problemática que eu tenho a solucionática”. Rabello não usou o neologismo na entrevista, mas o espírito da coisa certamente estava presente.