Enquanto todo mundo faz de tudo para atrair os millennials… o Agibank está focado nos cinquentões.
Cerca de 80% dos 1,2 milhão de clientes do banco digital têm mais de 50 anos e são da baixa renda — e o fundador Marciano Testa (um ex-pastinha do Bradesco) quer que as coisas continuem exatamente assim.
“Existe uma lacuna clara de proposta de valor para essa demografia, principalmente quando fazemos um recorte de renda,” diz ele. “Daqui a 30 anos, o Brasil vai ter quase 100 milhões de pessoas nessa faixa. É um mercado endereçável muito grande.”
O Agibank deve fechar este ano com receita de R$ 1,6 bilhão, mais de R$ 3 bi em ativos e patrimônio acima de R$ 1 bi (incluindo o aporte de R$ 400 milhões que recebeu da Vinci Partners em setembro).
Diferentemente da maioria dos bancos digitais, o Agibank é muito rentável — o ROE este ano vai superar os 20% — e diz que não quer abrir contas a qualquer custo, mas ter clientes que sejam rentáveis e tenham um relacionamento de longo prazo com o banco.
“Somos um Bradesquinho asset light e com proposta digital,” diz Marciano.
Ele conversou com o Brazil Journal sobre onde o Agibank está e aonde pretende ir.
Vocês levantaram R$ 400 milhões com a Vinci. Qual o foco desses recursos? Por que fizeram essa transação?
O objetivo é reforçar o capital do banco para acelerar a nossa arquitetura de transformação digital. Acelerar a tecnologia. O crescimento dos canais, tanto físicos quanto digitais. E um processo muito profundo de melhoria de jornada. Somos muito focados na UX dos nossos usuários. Basicamente são esses três grandes pilares.
Apesar de ser essencialmente um banco digital, o Agibank tem pontos físicos de atendimento. Por quê?
Nós acreditamos muito no modelo omnichannel. Quando vemos nossos clientes sendo atendidos, principalmente nas regiões mais remotas, pessoas com uma renda abaixo de R$ 4 mil, eles têm uma necessidade muito grande de assessoramento. Então são pontos de advisory. Eles passam a conhecer os nossos produtos, e os nossos atendentes mostram como baixar e usar o aplicativo. Todos os pontos têm wifi gratuito. E o que observamos é que o cliente que é atendido no ponto físico com a assessoria é muito mais rentável do que o cliente que faz toda a jornada no digital sem assessoria.
Qual o investimento dessas lojas e quantos pontos vocês têm hoje?
Hoje, cada ponto tem um investimento de R$ 200 mil em média. Temos 700 lojas e queremos chegar a mais de 1,3 mil.
Com a assessoria presencial vocês conseguem vender mais produtos?
É basicamente uma penetração maior. Não é só a conta corrente. Com a assessoria conseguimos ter um cross-selling maior de produtos. E é até por clarificar, explicar melhor… não é nem porque o assessor está ativamente vendendo. Mas ele tá explicando melhor os produtos e a jornada, e o cliente aí se sente mais seguro de comprar novos produtos.
Até recentemente, o Agibank era 100% empréstimo pessoal e crédito consignado. Mas nos últimos dois anos outros negócios começaram a ser mais relevantes. Qual o breakdown hoje da sua linha de receita, resultados…
Hoje, na fotografia das receitas do banco, os clientes correntistas com salários que são depositados na conta representam 65% do total. Quando olhamos os não correntistas, eles representam 20%. E o resto é fee business: seguros, tarifas, negócios que não são crédito.
Quando olhamos o banco mais para a frente, essas receitas de fee business devem chegar a 20%, e os 80% restantes serão de clientes correntistas consumindo produtos como crédito com conta vinculada, cartão, meio de pagamento, seguros e investimentos… Vamos ter uma plataforma de investimentos para os clientes superavitários, justamente para termos um passivo adequado. Aquele modelo de crédito pessoal para o não-correntista estamos deixando para trás. Estamos focando no cliente que quer ter a gente como seu banco principal, deixar o salário, o cara que vê proposta de valor na nossa jornada. É nisso que temos focado agora. Trazer clientes de relacionamento para o banco.
Vocês nasceram como financeira e ainda tem no portfólio um produto legado: crédito pessoal que custa 14% ao mês. Isso faz com que vocês tenham um nível de provisões para devedores bem mais alto que os outros bancos (13% contra 4,5%). Como escalar um produto assim?
Esse é justamente o ponto: não queremos escalar esse produto. Isso que você falou é o Agibank do passado. Essa taxa é para não correntistas, e estamos indo na direção contrária. Este produto de crédito pessoal atende uma necessidade, ele cumpre uma função. Mas não queremos que ele seja predominante nem o alicerce do banco. Ao contrário. Queremos investir em relacionamento e trabalhar cada vez mais com taxas de juro de um dígito. Para você ter uma ideia, dos R$ 300 milhões em crédito que geramos todo mês, R$ 200 milhões hoje são gerados junto a correntistas, que pagam uma faixa entre 3,5% e 9% ao mês. No consignado, a nossa taxa é 1,55% ao mês. E, na nossa carteira de correntistas, o PDD está muito mais perto da média de mercado: 5,2% versus 4,5%.
Num mercado em que a oferta de bancos digitais é cada vez mais abundante, como é que vocês se diferenciam?
Os bancos com quem estamos competindo hoje, e disputando proposta de valor, são os Big 5 [Bradesco, Itaú, Santander, Caixa e Banco do Brasil], que atendem o mesmo público. Vemos uma oportunidade de preencher lacunas principalmente no quesito relacionamento. Enquanto os bancões fecham agências, temos conseguido atrair esse público para o nosso assessoramento, para as nossas lojas. É uma loja sem porta giratória — não é uma agência, é um ponto de atendimento e experiência. Como te disse, ensinamos o cliente como usar os canais digitais, como baixar o aplicativo. É um tratamento diferenciado para um cliente de renda mais baixa. Essa é a nossa proposta de valor. E com isso temos conseguido atrair os clientes do Bradesco, da Caixa, dos grandes bancos.
Em relação aos bancos digitais, estamos vivendo a era da abundância, não só dos bancos digitais mas também das wallets, que vão pipocar todos os dias, principalmente com a entrada do PIX, que vai facilitar muito para as wallets transacionar. E nesse mar de ofertas, como a gente se diferencia?
Primeiro, tendo uma proposta de valor clara para um segmento. O banco está com uma proposta muito clara e muito atrativa principalmente para o cliente 50+. Toda a esfera de clientes que tem mais de 50 anos e uma renda mais baixa, a nossa proposta de assessoramento é um diferencial quando você compara com os bancos digitais convencionais e wallets.
Você literalmente está pegando pela mão e ensinando a digitalizar… agora, como não ficar preso só nessa demografia?
Começamos a desenvolver um projeto que chamamos de ‘one stop shop’ dos 50+, onde queremos atender uma série de necessidades do 50 mais, que ainda não é o cara aposentado. É o cara que daqui a 15-20 anos vai se aposentar. Estamos criando uma série de soluções para que ele use essa plataforma para atender questões médicas, de relacionamento, etc. Isso fora do banco. Mas com isso, conseguimos entender melhor esse cliente e educá-lo para que ele se torne nosso cliente. E lembre que em 2050 o Brasil terá 98 milhões de pessoas acima de 50 anos. Nossa tese é pegar um público que está desassistido, educá-lo através de diferentes canais, e depois trazê-lo para dentro. E tem essa questão da demografia. Nos próximos 30 anos, temos um mercado endereçável só crescendo.
Quando olhamos as rendas maiores, eles são bem atendidos. Mas esse público com uma renda abaixo de R$ 1 mil é muito subofertado. É ali que estamos gerando um atendimento prime para um cliente com uma renda baixa. Somos um ‘Bradesquinho asset light’ com uma proposta mais digital.
Quanto da sua carteira de clientes está nesse perfil, nessa faixa de 50 mais e baixa renda?
Hoje, por volta de 80%. E boa parte deles já com a folha de pagamento no banco. Quando eu olho o banco cinco, seis anos para frente, ele vai ser um banco de correntista, com o salário aqui e relacionamento, e todo o portfólio de produtos aqui. Algumas fintechs abrem contas sem parar, contas que não necessariamente vão ter aquele banco ou aquela wallet como seu principal banco de relacionamento. Temos focado no relacionamento e em clientes que vão ter a gente como banco principal.
Hoje vocês empregam mais de 450 developers. Existe um gargalo na indústria? Falta esse tipo de mão de obra?
Existem vários gargalos, não só em devs. Faltam engenheiros iOS, Android, devs de apps tem um gargalo sim. Quando a gente vai para os cientistas de dados, hoje também é muito difícil ter gente com experiência de negócios. Acho que hoje esses são os dois grandes gargalos que vemos.
Vocês estão anunciando um campus na região de Campinas. Não é só para ser cool, né?
Primeiro, quero deixar claro que não somos plágio de nenhuma empresa (risos). Esse movimento começou em 2018. Na época, chegamos a olhar algumas áreas em São Paulo, outras em Florianópolis, para desenvolver esse campus. E encontramos um empreendimento que atende perfeitamente a proposta que imaginamos. É um complexo empresarial que tem uma mata dentro, 150 mil metros de mata nativa, com pista de corrida, wifi em toda a mata, todo o prédio é sustentável… estamos pegando um prédio de 10 mil metros. Usa água reutilizável, tem energia solar, tem estacionamento para carros elétricos, e dentro do complexo vamos ter um ônibus elétrico para levar para os restaurantes, academia, hotel. Esse complexo tem toda uma infraestrutura para atender as necessidades de nossos colaboradores. E escolhemos Campinas porque ali tem um polo universitário muito forte. A Unicamp tem um dos melhores cursos de data science do Brasil hoje. E tem quatro ou cinco boas cidades ali perto para os nossos colaboradores morarem.
Quando vocês começam a operar lá?
Nossa ideia é começar a operar lá em janeiro. Estamos terminando a parte de arquitetura, porque a obra já está pronta.
Vocês tentaram ir para a Bolsa em janeiro de 2018. Vocês pretendem tentar aproveitar a próxima janela? Ou o aporte de private equity adiou o IPO em alguns anos?
Nosso foco agora é aplicar os recursos desse aporte. Usar esse investimento para acelerar essas vias de crescimento que eu falei. Somos agnósticos com relação às janelas de mercado. Uma coisa que aprendi no mercado de capitais é que não importa a janela. Estamos criando um negócio perene de longo prazo e é isso que eu quero que o investidor conheça. E quando estivermos prontos e com essa história madura, independente da janela de mercado, vamos em frente… Não estamos preocupados com janela.
Quanto estão abrindo de novas contas?
Estamos abrindo em torno de 60 mil contas por mês.
Por que vocês não estão abrindo tantas contas quanto outros bancos digitais?
É uma escolha nossa, um tradeoff de retorno versus crescimento. Eu prefiro crescer num ritmo sustentável. Poderíamos abrir a torneira para abrir mais contas… mas que qualidade teria essa conta? Ele trouxe o salário dele pro banco? Trouxe seu depósito? São contas que vão realmente ter um retorno pra gente? Ou vão ser contas só pra falar que abriu 20 mil contas por dia… Queremos ter contas rentáveis. Mas com certeza o banco está se preparando para crescer mais. Vamos crescer mais do que essas 60 mil contas por mês.
ARQUIVO BJ