Quando abriu a Galeria Estação, em 2004, Vilma Eid ficou anos sem vender nada. “Alugávamos o andar debaixo para eventos, e era isso que sustentava a galeria.”
A galeria era focada na chamada arte popular, e ainda que Eid diferenciasse o artista popular do artesanato, no início as pessoas não se interessavam por aquela arte feita fora dos ditames do mercado – ou simplesmente não entendiam o que viam.
Mesmo sem ser compreendida, “passei a ser verdadeiramente feliz profissionalmente aos 54 anos, quando abri a galeria,” me disse Eid.
Ela mudou a forma como se pensava sobre arte popular, que retrata a identidade genuína do País e é criada por artistas que muitas vezes nunca saíram dos locais onde nasceram – o interior do Piauí, Sergipe, Bahia e Minas Gerais. Para isso, viajou para o Brasil profundo em busca de conhecer os artistas em suas casas e realidades tão específicas.
Agora, os 40 anos de sua carreira (e os 20 anos da Estação) estão sendo comemorados com a publicação de um livro do crítico Lorenzo Mammi, Moderno Contemporâneo Popular Brasileiro, o Olhar de Vilma Eid, e uma exposição também com curadoria de Mammi.
A mostra, que tem como tema a metamorfose na arte indígena, popular e contemporânea, tem obras de Tunga, Nuno Ramos, Jandyra Waters, José Bezerra, Véio, e fica em cartaz até 31 de janeiro na Galeria Estação.
A Galeria Estação foi a primeira dedicada a “artistas populares” — que Eid prefere chamar de “autodidatas”.
Sônia Gomes, hoje uma das artistas brasileiras com maior reconhecimento internacional, expôs pela primeira vez em São Paulo na Estação.
Acostumada a não vender nada, Eid foi comprando as obras que mais gostava, como as de Sônia. Anos depois, percebeu que no começo estava formando o olhar do público, enquanto montava sua preciosa e única coleção particular.
A virada da galeria aconteceu em 2009, com a exposição do artista pernambucano Zé Bezerra, com texto crítico de Rodrigo Naves. A artista Germana Monte-Mór se juntou a Eid e lhe apresentou curadores de arte contemporânea, que aumentaram o alcance da galeria na imprensa e em museus, ajudando na formação do público.
Além de Zé Bezerra, Eid apresentou o trabalho de Véio, um artista sergipano, com curadoria do pintor Paulo Monteiro. Sucesso absoluto.
A partir de então as obras de Véio viajaram o mundo, da Fundação Cartier em Paris e Xangai até uma exposição em Veneza, paralela à Bienal. Foi também a primeira galeria a fazer uma exposição de Lorenzato — hoje na Bienal de Veneza e com obras na David Zwirner vendidas em dólar na casa dos seis dígitos.
Anos antes das exposições no MASP, Eid fez a mostra Mulheres na Arte Popular, em que estavam Conceição dos Bugres e Madalena Santos Reinbolt.
O crítico Naves teve um papel fundamental para Eid. Primeiro, com os artistas populares, e depois na nova fase da Galeria, abrindo para artistas jovens. Foi ele quem a apresentou ao artista contemporâneo de maior sucesso de sua galeria: Santidio Pereira.
Nascido no Piauí, foi formado pela Acaia, uma ONG criada pela família Bracher que forma jovens da comunidade dos arredores da Vila Leopoldina, em São Paulo, e mantém um ateliê de xilogravura.
Santidio tem lista de espera na galeria e uma carreira internacional.
Hoje, alguns de seus pintores jovens e promissores incluem Deni Lantz, mais abstrato, e o retratista Rafael Pereira, que vendia seus trabalhos na rua.
“Meu maior patrimônio é meu olho. No começo eu escolhia os artistas sem erudição, sem estudo. Agora, escolho os jovens,” Eid disse ao Brazil Journal.
No lançamento do livro, na última quarta-feira, chovia torrencialmente em São Paulo, e ainda assim mais de 200 pessoas foram à Galeria Estação. Emocionada com o reconhecimento de uma vida dedicada à arte, Eid contou que a chamaram de “corajosa” por nunca ter desistido de elevar uma arte até então pouco valorizada.
“Não foi coragem, até porque não tinha meta nem objetivo a atingir,” ela me disse depois ao telefone. “Sempre fui movida pela paixão. Não foi fácil, mas o caminho foi muito natural e intuitivo. E de toda forma, não deveria existir a diferenciação entre erudito e não erudito. Só existem dois tipos de arte: a boa e a ruim.”