Elizabeth Bishop é considerada uma das dez maiores poetas americanas do século XX, vencedora do Prêmio Pulitzer em 1956, dentre outros prêmios relevantes.

Em 1951, ela desembarcou de um navio em Santos, a caminho do Rio de Janeiro, para visitar amigos radicados na cidade. A viagem que seria de 15 dias durou 15 anos.

Na Cidade Maravilhosa, Bishop conheceu e se apaixonou pela arquiteta carioca Lota Macedo Soares.

Lota, que nasceu em 1910 em Paris, não fez faculdade, mas era reconhecida como arquiteta autodidata e paisagista. Estudou no ateliê de Cândido Portinari e conhecia todos os grandes artistas e intelectuais da época. Deixou sua marca criando o Aterro do Flamengo a pedido de Carlos Lacerda, então governador do Estado da Guanabara.

Lota e Bishop moraram juntas por anos na casa modernista desenhada por Lota e Sérgio Bernardes, no sítio Samambaia, (famoso também pelos jardins de Burle Marx), em Petrópolis. A história de amor delas inspirou o filme Flores Raras, dirigido por Bruno Barreto.

As duas formavam um casal altamente intelectualizado e com um olhar apurado para as artes. No entanto, não eram as únicas artistas a viver no Samambaia. Sob o mesmo teto morava outra força da natureza: Madalena Santos Reinbolt, que acaba de ganhar uma merecida retrospectiva e um livro, ambos organizados pelo MASP.

“Madalena Santos Reinbolt: uma cabeça cheia de planetas” reúne 44 obras entre quadros e tapeçarias, com curadoria de Amanda Carneiro e André Mesquita. A primeira individual da artista integra a programação bienal do MASP dedicada às Histórias brasileiras (2021-22) e fica em cartaz até 26 de fevereiro.

Madalena nasceu em Vitória da Conquista, na Bahia, em 1919. Morava com os pais em uma área rural. Sua mãe fazia louça de barro, renda, cobertor e roupas com o algodão que eles plantavam. Nunca aprendeu a ler e começou cedo a trabalhar em residências em Salvador até se mudar para o Rio, onde foi trabalhar como cozinheira na casa de Lota e Bishop. Lá conheceu seu marido, o jardineiro do sítio.

Durante uma viagem longa das donas da casa, Madalena usou seu tempo livre para criar, “o que prova que a arte só floresce no ócio, creio eu”, disse Bishop em uma das suas famosas cartas. “Madalena revelou-se uma pintora primitiva maravilhosa, de modo que daqui a mais algum tempo vamos estar vendendo os quadros dela na 57th Street e vamos todas ficar ricas”. (…) “Lota tem uns vasos que Portinari fez para ela, e somos obrigadas a reconhecer que os da cozinheira são muito melhores.”

Bishop escreveu cartas por meio século, dos 17 anos até o dia em que morreu: registrou as fases de sua vida, suas emoções e vivências. Em muitas das cartas de seu período no País, chama atenção seu desdém pela cultura brasileira.

Quando foi escolhida como homenageada da Flip, em 2020, vários intelectuais se manifestaram contra. A escritora Luciana Hidalgo disse: “Escritores têm mesmo todo direito de expressar livremente o que pensam. No entanto, por que um festival literário da importância da Flip no Brasil prestaria tributo a uma autora estrangeira capaz de dizer tantas bobagens elitistas, reacionárias e preconceituosas sobre nós, deixando assim de homenagear autores brasileiros de enorme relevância?”

Inicialmente, Madalena foi incentivada a pintar pelas patroas, ganhando de Lota telas, pincéis e tintas, mas a arte começou a atrapalhar suas tarefas na casa. O apoio não durou muito.

Bishop conta que elas tiveram que “escolher entre a arte e a paz” e concluíram que “a tranquilidade valia mais do que desfrutar uma obra-prima todo dia”…. uma enorme insensibilidade, principalmente vindo de duas intelectuais inseridas no mundo artístico.

Demitida, Madalena foi trabalhar em outra casa em Petrópolis, onde continuou a produzir nas poucas horas vagas que tinha e em espaços muito reduzidos.

Por questões de saúde, Madalena abandonou a pintura em 1969 e passou a se dedicar aos seus “quadros de lã”, realizados com 154 agulhas usadas como se fossem um pincel. Há várias semelhanças entre suas pinturas e seus têxteis, como a ausência de perspectiva entre céu e chão, figuras distorcidas e simplificação de formas. Apenas sua paleta de cores mudou: enquanto as telas tinham cores mais fechadas, os quadros de lãs tinham cores vibrantes.

Edmar Pinto Costa, o maior colecionador da artista, doou recentemente uma de suas obras para o acervo do MASP, suprindo uma lacuna do museu. Para ele, o trabalho de Madalena não tem paralelo. “É uma obra muito original, tanto pela técnica quanto pela maneira como a narrativa é abordada,” Edmar disse ao Brazil Journal. “Ela via o mundo com um olhar de fartura e generosidade. Isso fica evidente na abundância da fauna, flora e personagens dos bordados e pinturas.”

Madalena morreu em 1977 sem alcançar sucesso comercial e o devido reconhecimento. No ano seguinte, suas obras foram expostas no pavilhão brasileiro da Bienal de Veneza.

A curadora do pavilhão, Lélia Coelho Frota, conduziu a única entrevista com Madalena de que se tem notícia, e é autora de artigos e estudos sobre a artista. “Ela escreveu o mundo com figuras de lã,” dizia Lélia. Seus temas favoritos eram os astros, a vida rural, plantas, animais, cenas do campo e urbanas, igrejas, rituais e festejos em comunidade.

Além do resgate de suas obras e sua inserção na história da arte brasileira, discutir a vida e a obra de Madalena faz bem ao Brasil de hoje.

Como bem colocado pelos pesquisadores Eliane Silva e Delton Felipe, “por se tratar de uma mulher-negra-tapeceira, podemos perceber uma tríplice invisibilidade social – de gênero, raça e arte – já que o bordado é visto como uma arte menor, por ser historicamente associado a um fazer doméstico das mulheres. Assim, enxergar Madalena como artista é ir contra paradigmas estabelecidos, proporcionando fala e representatividade a artistas negros e populares.”