David Einhorn está azedo com a exuberância irracional das ações da Netflix.
O gestor da Greenlight Capital — famoso por apostar contra empresas que considera caras — criticou a última temporada de House of Cards (“feita para concorrer com Ambien”, um remédio que ajuda a dormir) e disse, em carta a investidores, que o mercado está sendo complacente em relação ao valor da empresa.
Einhorn começa sua reclamação com o que aconteceu em 15 de abril, quando a Netflix divulgou seu resultado do primeiro trimestre, depois do fechamento do mercado. Suas ações já tinham subido 39% em 2015 e estavam negociando a mais de 100 vezes o lucro estimado para 2016.
Em vez do lucro ajustado por ação de 63 centavos no primeiro trimestre (que os analistas esperavam), a Netflix lucrou apenas 36 centavos.
Já o consenso de mercado para o trimestre seguinte era de 86 centavos. Na manhã seguinte, depois do resultado ruim, o consenso mergulhou para 30 centavos, e os analistas cortaram as estimativas para os próximos três anos.
E o que aconteceu com a ação? Subiu 12% no dia, e nunca mais voltou. No final do trimestre, as ações já tinham dobrado de valor no ano, fazendo da Netflix a melhor performance do S&P 500 até agora.
“Se você tivesse nos dito antes que os números seriam estes, teríamos chutado que o dia seguinte ia ser ruim para os acionistas da Netflix, mas aparentemente, ‘Red Ink is the New Black’,” escreveu um amargurado Einhorn.
“Por que a ação reagiu dessa maneira? Em termos cínicos: se subiu com notícia ruim, imagine o que aconteceria se a notíicia fosse boa. Em termos práticos: a Netflix mudou sua estória e empurrou suas promessas para o futuro distante, com grandes esperanças para a década começando em 2020. Ela deixou de ser uma empresa julgada por quanto ela lucra para ser uma empresa julgada por quanto ela gasta [em conteúdo e expansão].
“Se esses gastos serão bem sucedidos não é algo que saberemos durante o horizonte de investimento da maioria dos acionistas da Netflix. No mercado de hoje, as ações de melhor desempenho são empresas com histórias excitantes, em que a ‘entrega’ está num futuro distante.”
A análise de Einhorn é a velha queixa de investidores de valor contra os múltiplos pornográficos de alguns setores do mercado — ou, numa visão cínica, a queixa dos que não estavam ‘comprados’ quando a ação explodiu.
O que está acontecendo com a Netflix é o que acontece com todas as empresas de alto crescimento.
Nestas ‘growth stocks’, os investidores aceitam pagar caro, mesmo antes da empresa dar lucro, porque o crescimento acelerado faz a empresa ganhar market share e diluir seu custo fixo, o que, em tese, se converterá em lucros robustos no futuro.
A Amazon, por exemplo, até hoje não dá lucro líquido, e no entanto vale 211 bilhões de dólares na Bolsa de Nova York.
Na Netflix, em vez de olhar a linha de resultado, o mercado foca no crescimento da base de assinantes. (veja gráfico abaixo)
A Netflix — cujo faturamento cresce 24% ao ano — tem 41 milhões de assinantes nos EUA e 21 milhões no resto do mundo, e o banco UBS estima que os assinantes fora dos EUA chegarão a 87 milhões até 2020.
“Você tem que lembrar que a Netflix era uma empresa de entrega de DVD pelo correio que se transformou numa empresa de entrega de conteúdo pela internet,” diz um gestor brasileiro. “Ao contrário da Blockbuster, ela não acabou. A capacidade deles de ?reinventar o modelo é grande, e isso merece um prêmio [no valor da empresa].”
De qualquer forma, Einhorn é o segundo gestor americano a questionar o valor de mercado da Netflix nos últimos dias. No fim de junho, Carl Icahn vendeu sua posição na empresa, depois de um lucro que pode ter chegado a 1.000% em três anos.
Quando vendeu a Netflix, Icahn disse que a Apple (uma posição que seus fundos ainda carregam) “apresenta hoje a mesma oportunidade que vimos na Netflix vários anos atrás.”