Assim como as velhas catedrais, a construção do atraso acontece de forma gradual e silenciosa.  No princípio, são apenas alguns tijolos aqui e ali, sem que se tenha muita noção do todo.  Mas com o passar do tempo, o monstro surge, com seus alicerces na burocracia, pilastras de estatismo, e, no domo, impedindo que se flerte com o céu, a insegurança jurídica.
 
Mas ao contrário do gênio solitário por trás de uma Sagrada Família de Gaudí, o atraso de um País é uma construção coletiva. 
 
Muitas vezes, é o Executivo quem falha em mostrar o caminho, seja por incapacidade de liderança pragmática ou irremediável vazio intelectual. Outras vezes, é o Parlamento quem se joga no caminho do progresso, consumido por seus interesses paroquiais e de curto prazo e sem a visão patriótica que requer concessões do presente para se forjar o futuro.  Finalmente, o operário da nossa estagnação terceiromundista costuma ser o Judiciário, ensimesmado em seus palácios intimidadores e togas da cor do nosso futuro.
 
Há quase um ano, o Ministro Ricardo Lewandowski concedeu uma liminar determinando que, com base na Lei das Estatais, a venda de ações de empresas públicas, sociedades de economia mista ou de suas subsidiárias ou controladas exige aval do Congresso e licitação pública quando houver alienação do controle.
 
A decisão embrulhou o estômago dos (poucos?) que entendem o tamanho do nosso gigantismo estatal, a profundidade de nosso abismo fiscal, e a resistência cultural e corporativa às mudanças que o País precisa fazer — sob pena de perder um tempo que simplesmente não temos mais.
 
Mas como a Grande Obra do Atraso requer no mínimo quatro mãos, semana passada o Ministro Edson Fachin houve por bem dar sua contribuição. Concedeu outra liminar suspendendo uma operação já nos seus finalmentes:  a venda da TAG, uma rede de gasodutos da Petrobras, para a francesa Engie por quase US$ 9 bilhões.
 
A coisa tem tons kafkianos pois, segundo a Reuters, “a Engie informou na terça-feira ao Supremo já haver realizado operações financeiras internacionais da ordem de US$ 3 bilhões para pagar a Petrobras.”   Talvez a velha máxima — “No Brasil, até o passado é incerto” — agora mereça o adendo: “e segura aquele TED!”

Ainda segundo a Reuters, o comprador explicou à Corte Suprema o que os juizes já deveriam saber: que a liminar cria uma situação de “extrema insegurança jurídica” e que sua manutenção pode “inviabilizar a conclusão do certame e afetar a concretização do negócio.”

 
A obstaculização em curso atinge não apenas este ou aquele ativo que a Petrobras precisa vender.  Também coloca em risco o leilão do pré-sal marcado para outubro, que pode levantar mais de R$ 100 bilhões para o País, e o próprio direito da Petrobras de tocar sua vida sem mais uma tutela (numa época em que a Lava Jato fez as estatais inteiramente submissas ao Ministério Público, TCU, AGU e à toda sopa de letrinhas que compõe nosso arcabouço institucional. Como se sabe, hoje em dia ninguém assina nem bilhete de amor na burocracia federal sem ter ao menos três pareceres.)
 
Por que nos autossabotamos?  Por que não arquitetamos nosso sucesso com a mesma diligência com que construímos nossos vexames?  Cada Poder da República tem sua culpa, mas hoje, quem está na vitrine é o Judicário.
 
Nesta quinta-feira, o Supremo vai decidir se permite que a Petrobras continue com seu amplo e necessário programa de desinvestimentos, ou se se amarra nos trilhos para impedir a passagem do trem.
 
Segundo a Reuters, Lewandowski deve apresentar um voto para manter sua liminar, pois, para ele, “o Legislativo — também com representantes eleitos — tem de participar desse processo de alienação de bens.” 
 
Neste cenário turvo, é refrescante que a Comissão de Petróleo e Derivados da OAB tenha se posicionado ontem sobre as liminares — e ao mesmo tempo preocupante que apenas a sua voz tenha se erguido.
 
Além de notar que as decisões desincentivam os atores privados na economia, a Comissão nota que a Lei do Petróleo de 1997 autoriza a Petrobras a constituir subsidiárias – e, por paralelismo, também a autorizaria a alienar, total ou parcialmente, suas subsidiárias, como é o caso da TAG.
 
Além disso, a Comissão diz que a venda está de acordo com o previsto pela Lei das Estatais, cujo texto foi reforçado pelo Decreto 9188, de 2017, e que a sistemática do processo de venda foi aprovada pelo TCU.
 
Mas a Comissão vai ao cerne da questão ao evocar a Constituição brasileira, que tem como um de seus fundamentos a livre iniciativa e, nos seus artigos 170 e 173, estabelece que a participação direta na economia pelo Estado deve ser tratada como exceção.
 
“Assim sendo, a venda de ativos e subsidiárias por empresas estatais e de economia mista, cuja constituição já fora autorizada pelo Congresso Nacional, não deveria necessitar de nova autorização legislativa prévia, uma vez que se busca, assim, cumprir o fundamento básico da Livre Iniciativa, devolvendo a atividade econômica pretendida à iniciativa privada”, ressalta a comissão da OAB.
 
Confirmado: o recurso natural mais abundante do Brasil não é o petróleo nem o minério de ferro, mas a complacência — o traço marcante de como lidamos com nossa própria mediocridade.
A economia continua na vala e 13 milhões sofrem a indignidade do desemprego, mas… quem tem pressa?
 
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