No apagar das luzes de 2020, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional uma lei estadual que tentava obrigar as farmácias do Rio a dar descontos na venda de medicamentos para idosos.

A decisão colocou fim a uma disputa que se desenrolava há quase 20 anos. 

O imbróglio começou em 2000 com a eleição do então deputado estadual Sérgio Cabral.  

Depois de uma campanha pautada na defesa dos idosos, Cabral propôs e conseguiu aprovar uma lei que tornava obrigatório o desconto nos remédios para pessoas com mais de 60 anos.

Para mostrar que até a criação de uma ‘meia-entrada’ tem método, a lei escalonava os descontos de acordo com a idade. De 60 a 65 anos, 15%; de 65 a 70, 20%; e acima de 70, 30%. 

Em 2001, a lei chegou a entrar em vigor, gerando um impacto brutal na receita das farmácias locais, que temeram pela sua sobrevivência. 

“Era uma lei populista que causou um desequilíbrio econômico gigantesco no setor,” lembra Sérgio Mena Barreto, o presidente da Associação Brasileira de Farmácias (Abrafarma). 

(Na época, Barreto chegou a conclamar as farmácias a desobedecer a lei, fazendo com que Cabral ameaçasse publicamente colocá-lo na cadeia).  

Alguns meses depois, as farmácias conseguiram uma liminar suspendendo a lei, e a discussão foi parar no Supremo. No ritmo habitual da Justiça brasileira, o tema ficou quase duas décadas engavetado e só foi pautado para votação há duas semanas. 

Mais do que os impactos financeiros, a maior preocupação do setor era com o precedente perigoso que uma lei desse tipo poderia criar — abrindo caminho para que outros Estados seguissem o exemplo, tentando forçar benefícios para grupos específicos às custas do balanço alheio. 

“No fundo, era uma discussão sobre os limites da intervenção do estado no setor privado,” diz o executivo de uma rede de farmácias. 

Na decisão, o plenário do STF disse que a lei era inconstitucional porque gerava uma “intervenção dupla” do Poder Público na economia. 

Hoje, os preços dos medicamentos já são regulados pela União, que por meio da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) define anualmente o preço máximo que as farmácias podem praticar junto ao consumidor final, bem como as margens da cadeia.

Dentre os 11 ministros, o voto mais incisivo foi o de Marco Aurélio Mello. 

“Não se faz milagre no campo econômico-financeiro, sendo impróprio ao Poder Público, cumprimentando com o chapéu alheio, compelir a iniciativa privada a fazer o que ele não faz (…) Em se tratando de mercado, a intervenção estatal há de ser minimalista.”

Em qualquer economia onde os mercados funcionam normalmente, a concessão de descontos é uma prerrogativa do empresário na disputa diária por share.

No Brasil, obviamente, a banda toca diferente.

É por isso que aqui — um País onde a ‘meia-entrada’ é um instrumento eleitoral contumaz de deputados, senadores e presidentes da República — essa decisão do Supremo, ainda que tardia, precisa ecoar por toda a economia e pautar o comportamento do Congresso.