Como ‘stockpicker’, Marcelo Magalhães faz o dever de casa.
Quando esta coluna o procurava a cada três meses para um jantar de ‘update’, Marcelo discorria horas — em detalhe excruciante — sobre a estratégia de cada empresa em seu portfólio, a capacidade de cada executivo (até a terceira camada) e os riscos do investimento.
(Normal para este tipo de profissão, mas raramente naquele nível de minúcia.)
Ele teve escola. Marcelo se fez como analista em duas casas sinônimos de ‘value investing’: a Investidor Profissional e a MSquare, agora VELT Partners.
No final de agosto, ele e Murilo Arruda, que também passou pela MSquare e foi analista do Verde, juntaram-se para montar a Tork Capital, uma gestora de ações com dois fundos, um ‘long-only’ e um ‘long bias’. Ambos começaram a rodar em 31 de outubro.
A Tork tem hoje R$ 200 milhões sob gestão — entre aportes já feitos e prometidos — e está captando junto aos principais distribuidores. (Entrou na plataforma da XP antes dos seis meses de espera típicos.)
Verdade seja dita, é difícil haver dois sócios mais diferentes que Marcelo e Murilo. Enquanto o primeiro é tímido até a medula, fala baixo e mede cada palavra, o segundo é extrovertido, quase atropela as frases e parece conhecer todo mundo — é o que os americanos chamam de “a people person.”
Ainda assim — ou talvez por isto mesmo — a combinação parece altamente complementar.
Na Verde, o gestor Pedro Sales contratara Murilo como um profissional sênior — para ajudar a reestruturar processos e a filosofia de investimento — quando a família de fundos Unique estava saindo de um modelo de co-gestão para um único gestor.
Depois de anos como analista, Marcelo teve sua primeira experiência como gestor na JGP de André Jakurski, onde comandou o fundo Explorer, que ficou entre os 10% melhores da indústria entre 2011 e 2018.
Desde o início, o JGP Explorer deu um retorno anual médio de 17,2%, contra míseros 3,2% do Ibovespa e 10,7% do CDI. Mais: apesar das trevas rousseffianas que dragaram a economia e a Bolsa, o fundo não teve sequer um ano no vermelho.
“Você é um produto da experiência que tem,” diz Marcelo. “Passei sete anos na IP e quatro na MSquare, que são casas bottom-up, que olham a qualidade do negócio e as pessoas que estão à frente deles. Quando fui para a JGP, aprendi outros skills. O primeiro foi gestão, e como ali há um ambiente muito rico de discussões macro, acabei aprendendo a entender melhor as condições de mercado e usar isso no processo de investimento.”
Como esse macro ajuda a analisar o micro? “Por exemplo, quando o mercado está ‘risk on’, o nível de múltiplo que vamos pensar para sair de uma posição é diferente daquele quando o mercado está ‘risk off’.”
Outros sócios da casa incluem Eduardo Mello, que cobre educação e saúde, Thiago Vidal (utilities e saneamento), Isabel Estides, que antes da Tork acompanhava empresas globais de consumo e varejo no Opportunity, e Gilberto Motta, responsável pela parte operacional e relacionamento com investidores.
Abaixo, trechos da conversa do Brazil Journal com Marcelo Magalhães.
Que perfil de empresas vocês buscam?
Gostamos muito de ‘compounders’: empresas com vantagens competitivas – que se traduzem em rentabilidade mais alta –, boas oportunidades de crescimento e um management que sabe como aproveitar isso.
Mas tenho a cabeça bem aberta no seguinte sentido: se tem uma empresa com histórico ruim, seja de execução ou de alocação de capital, mas que hoje está com as condições claras e alinhamento forte para mudar esse cenário, eu posso perfeitamente apostar.
Quais são suas maiores posições hoje?
Energisa e Equatorial, Banco do Brasil, shoppings (no caso BR Malls e Iguatemi) e Vale.
Qual a tese para Energisa e Equatorial?
Essas são as duas melhores empresas do setor em termos de gestão, disparadas. Controlam perdas e custo muito bem. Esse é um negócio em que ter um diferencial de execução é uma enorme vantagem competitiva. Além disso, esses caras têm um excelente histórico de alocação de capital.
Por exemplo, a Equatorial acabou de levar a CEAL [Distribuidora de Alagoas]. Também botaram muito capital para rodar quando teve o leilão de transmissão. ‘Bidaram’ lote para caramba quando o retorno era muito alto. Elas são ‘compounders’ por excelência: muito bem geridas, num setor onde tem muita oportunidade. Eu vejo essas posições como meu investimento de private equity em utilities, com a vantagem de que tem liquidez. Vemos um retorno de 8% real perpétuo, num negócio de qualidade, baixo risco, muito superior aos retornos das NTN-Bs longas hoje. Além disso, você tem a geração de valor em cima de alocação de capital.
Qual a tese para Banco do Brasil?
Estamos falando de uma empresa que, se bem gerida, tem todas as condições de ter uma boa rentabilidade. O BB tem diferenciais claros: marca muito forte, ampla capilaridade no Brasil, perfil atrativo de clientes e um funding muito competitivo, comparável aos melhores bancos privados. Só que, por ser uma empresa estatal, de tempos em tempos sofre interferência política.
Durante o governo Dilma, o retorno sobre o patrimônio (ROE) do banco despencou de 21% em 2011 pra 9% em 2016, enquanto a rentabilidade dos bancos privados caiu muito pouco. A gestão da época levou o BB a dar crédito barato com critérios mais frouxos, e a inadimplência explodiu. No governo Temer entrou uma nova gestão que começou a colocar a casa em ordem, passando a dar crédito com uma racionalidade muito maior.
Esse processo de aumento de rentabilidade deve continuar nos próximos anos, tanto em função da melhora da economia quanto de uma gestão orientada pra rentabilizar o banco. A carteira do BB já está apresentando uma grande queda de inadimplência desde 2017, e isso deve durar mais um ou dois anos, em linha com o que ocorreu com os grandes bancos privados.
Em 2018, o banco já está entregou um retorno sobre o patrimônio de quase 14%. Há dois anos era 9%… e deve chegar ao redor de 16% em dois anos. E o valuation de hoje, ao redor de 120% do valor patrimonial estimado para o fim de 2019, nem de perto reflete esse cenário.
Onde é o maior risco de estarmos errados? É se o governo decidir reduzir o tamanho do banco de forma abrupta, a partir de um viés ideológico privatizante, e não com foco no que gera mais valor pro banco.
Então vocês investem em estatais…
Sim, eu não tenho problema em investir em estatal, não acho pecado. Às vezes um patinho feio deixa de ser patinho feio. Hoje, temos Banco do Brasil, Petrobras e Cemig na carteira.
Existe uma tese comum por trás desse investimento em estatais, ou cada caso é diferente?
Escolhemos cada nome, mas tem uma narrativa comum sim. Houve uma melhora brutal das estatais a partir do governo Temer – e acreditamos que isso veio para ficar. Estamos num ciclo de reformas estruturais no Brasil e uma delas é uma melhor gestão das estatais. E as condições do entorno que fizeram isso acontecer permanecem, porque em todos os entes da federação, tá todo mundo quebrado ou mal das pernas.
Tem que cortar despesa – com a reforma da Previdência como destaque – mas também tem que achar receita. E uma privatização – da Eletrobras, por exemplo – pode se tornar algo interessante. Os Estados? A maioria quebrado. E o incentivo para aderir ao plano de recuperação do governo federal é enorme, mas eles precisam dar garantias.
Por que comprar os shoppings?
O ciclo de abertura de shoppings, da compra do terreno até começar a operar, é de cinco anos, e no Brasil, isso é muita coisa. O pico de abertura de lojas acaba sendo justamente quando a economia está indo pro buraco. Foi isso que aconteceu no último ciclo recente de expansão de área. A consequência foi que as empresas engavetaram seus projetos de crescimento, e agora há muito pouca adição de área esperada para os próximos anos. Vamos ver um ciclo bem favorável do lado da oferta.
Além disso, a demanda está melhorando e vai haver uma aceleração importante de ‘same stores sales’.
Escolhemos Iguatemi e BR Malls porque eles estão mais reticentes em abrir shoppings. Isso deve gerar um crescimento maior do fluxo de caixa livre pro acionista, e se a gente estiver certo, o retorno da ação tende a ser melhor.
Que outras ideias você tem no portifólio?
Temos Hering e Alpargatas: ambas estão passando por mudanças importantes de gestão, com potencial de destravar muito valor.
A Alpargatas é uma empresa que tem uma joia na mão, que é a Havaianas, uma das marcas mais fortes no Brasil, e com um enorme potencial de expansão global. Só que a empresa teve durante anos uma gestão ineficiente, pouco alinhada, e que dispendia tempo, energia e capital com outros negócios que tem pouquíssima sinergia com a Havaianas, a nosso ver. Depois da venda do controle da companhia em 2017 pro consórcio Brasil Warrant/Cambuhy e Itaúsa, e da recente troca de CEO, esperamos que essa postura mude.
Hering é outro caso interessante de melhora de gestão. Vocês já escreveram muito sobre isso. A partir de 2011, a empresa apresentou resultados muito decepcionantes. Mas nos últimos dois anos conseguiu fazer um diagnóstico mais preciso do que não estava funcionando; trouxe várias pessoas novas e redirecionou o foco para produtos básicos, que é o coração da empresa. Além disso, estruturou uma área de business inteligence pra ajudar os franqueados na decisão de quais produtos comprar. Isso tudo está sendo potencializado pela mudança de gestão que ocorreu em meados de 2018, quando o Thiago Hering, filho do CEO e um dos franqueados de melhor performance na rede, se tornou o diretor da marca Hering. Ele é super respeitado pelos demais franqueados da rede, é muito dinâmico, e parece ter os skills necessários pra essa nova fase da empresa.
E o que você acha das empresas de adquirência de cartão? Tendo em vista a guerra de preços, dá pra comprar alguma coisa?
Esse negócio é muito difícil saber onde vai parar. Os bancos deram muito mole, ficaram ‘milking the cow’, mantiveram o preço alto e facilitaram para os novos entrantes. Cielo e Rede cobravam taxas muito altas, aluguel muito alto e emprestavam a taxas ridiculamente altas. Vem uma Stone da vida e morde uma fatia grande do mercado.
Era um negócio em que a distribuição bancária era uma grande vantagem. Deixou de ser, passou a ser commodity, um negócio que tem uma rentabilidade absurda. E os bancos perceberam que deixaram criar uma Stone. Você abriu a caixa da Pandora. O cara está entrando pela adquirência, mas vai querer oferecer outros produtos. Se deixar esses caras crescerem demais, o negócio bancário é que corre risco. Adquirente agora é: vou tacar o preço lá para baixo porque faz parte de defender o business bancário. Preferimos ficar fora.