Um imbróglio envolvendo a sede da Vibra Energia no Rio de Janeiro está tirando o sono de gestores de fundos imobiliários e players do setor — que veem um risco da situação gerar uma insegurança jurídica brutal no mercado de CRIs.
A discussão tem a ver com a decisão da Vibra de parar de pagar os aluguéis de sua sede, o edifício Lubrax, que foi colocada em leilão e arrematada semana passada pela própria companhia.
Desde 2012, a Vibra tinha um contrato atípico de aluguel com o antigo proprietário do imóvel, a Confidere. Esse contrato foi feito no modelo de ‘build to suit’ e tinha duração de 18 anos.
Logo após fechar o contrato, no entanto, a Confidere o cedeu — com a anuência da Vibra — para lastrear a emissão de CRIs que financiou a construção do empreendimento. Esses CRIs foram distribuídos no varejo e estão hoje nas mãos de mais de 1.000 pessoas físicas, além de alguns fundos imobiliários.
A Vibra vinha seguindo o contrato à risca até 2021 — dois anos depois da privatização.
Naquele ano, a dona dos postos BR começou a questionar alguns termos do contrato e chegou a entrar com uma arbitragem contra a Confidere, pedindo a extinção do contrato, com a argumentação de que o prédio passou a ser alvo de pedidos de penhora por parte de credores do antigo proprietário, que tem dívidas de mais de R$ 600 milhões.
Isso, no entendimento da Vibra, permitiria o fim antecipado do contrato sem o pagamento de nenhuma multa.
Na mesma arbitragem, a Vibra também pedia que, caso o contrato não fosse extinto, o valor fosse reduzido de forma significativa.
“Não sei porque — se foi por problema lá de trás, da época de estatal… — mas o valor do aluguel desse prédio é quase 4x maior que o de outros prédios semelhantes na região,” Henry Daniel Hadid, o diretor jurídico da Vibra, disse ao Brazil Journal.
Segundo ele, a Vibra paga quase R$ 6 milhões por mês de aluguel, enquanto aluguéis semelhantes na mesma região giram em torno de R$ 1,5 milhão.
O processo de arbitragem ainda não foi decidido, e a Vibra deve pedir o encerramento do processo dado o novo contexto (a compra do prédio).
Henry disse que a companhia parou de pagar os aluguéis porque aconteceu um fenômeno jurídico chamado “confusão” (not a joke) — basicamente, quando a mesma pessoa ou empresa se torna duas partes no contrato.
Isso ocorreu quando a Vibra comprou o prédio no leilão judicial da semana passada.
“Uma vez que o prédio foi a leilão e a Vibra foi obrigada a comprar, porque é um prédio muito importante para a empresa e ela não queria correr nenhum risco de perdê-lo, não tem o menor sentido continuarmos pagando aluguel,” disse Henry. “E o CRI tem uma disposição para isso: no caso do encerramento do contrato de locação, ele tem que executar as garantias, que são garantias pessoais dos antigos proprietários.”
Henry diz ainda que o contrato tem cláusulas que permitem seu fim antecipado no caso de “exceções”, como é o caso do imóvel ser alvo de penhoras.
Apesar dos argumentos da Vibra, a decisão de parar de pagar o aluguel caiu como uma bomba no mercado de CRIs e FIIs.
“A Vibra comprou um imóvel que tinha um contrato atípico em vigor e onde ela sabia que o aluguel tinha sido cedido para o CRI até 2031,” disse um executivo de banco que trabalha com este mercado. “É um contrato financeiro. A obrigação de pagar o aluguel existe independente da Vibra agora ser a dona do imóvel. Qualquer outro comprador que levasse o imóvel estaria abrindo mão de receber a renda até 2031, até por isso que o leilão não teve mais nenhum interessado.”
Um advogado especializado no setor foi na mesma linha: “Uma vez que a empresa tinha conhecimento da securitização, e os créditos já haviam sido cedidos no momento da “confusão”, estes se mantêm devidos.”
Já um gestor de FIIs notou que a movimentação da Vibra pode afetar sua reputação no mercado, o que poderia se refletir em taxas maiores em suas próximas emissões.
A Vibra pagou R$ 127 milhões pelo imóvel no leilão judicial, metade do valor do laudo de avaliação do ativo. Caso consiga manter o não pagamento do aluguel, a Vibra economizaria mais de R$ 500 milhões — considerando os R$ 6 milhões/mês de aluguel e os sete anos que o contrato ainda tinha de vigência.
O temor do mercado é que o caso crie um precedente perigoso para o setor, o que poderia prejudicar a emissão de novos CRIs e esvaziar uma fonte importante de financiamento para o mercado imobiliário.
O executivo do banco — que trabalha com a estruturação e distribuição de títulos de dívida — disse que a Fitch já não está dando ratings em algumas das transações que ele tem feito, esperando a decisão do caso da Vibra ser tomada.
Ele lembrou ainda de um outro caso semelhante — envolvendo a Saraiva. Em 2023, alguns bancos tinham a cessão fiduciária de recebíveis de cartões da rede de livrarias, que pediu ao juiz para não dar esses recebíveis aos credores, dado seu risco de falência.
O juiz aceitou o pedido e a Saraiva conseguiu ficar viva… por mais três meses. “E o que aconteceu é que hoje quase não se usa mais a cessão fiduciária de cartões como garantia, porque se criou uma insegurança jurídica em relação a isso.”
A Opea — a securitizadora que emitiu os CRIs — disse num fato relevante que está avaliando “as medidas judiciais e extrajudiciais a serem adotadas visando a proteção dos titulares dos CRI”.