GOIÂNIA – Em 2021, a Faria Lima vivia o melhor ano de IPOs de sua história. Os juros começaram o ano na casa dos 2%, e a B3 tinha praticamente uma abertura de capital por semana.

Foi nessa época que gestores e analistas conheceram Zé Garrote, um simpático goiano que vendeu três vezes tudo o que tinha na vida para construir a São Salvador Alimentos (SSA), o frigorífico dono da marca Super Frango e Boua. 

Naquela época, a companhia faturava R$ 2 bilhões e apresentava repetidas margens EBITDA na casa dos 20%, percentual acima de seus concorrentes.

Zé Garrote tinha uma história para contar e números para mostrar.

O caminho para um IPO de R$ 1 bilhão parecia certo, mas o cenário macro mudou radicalmente e a janela para a Bolsa se fechou. Em setembro de 2021, a SSA cancelou a oferta e o sonho do IPO ficou para o futuro.

Corta para 2025. 

Zé Garrote entra na sala da presidência da Adial, a Associação Pró-Desenvolvimento Industrial do Estado de Goiás, entidade que presidiu até o começo deste ano.

07 03 Jose Garrote ok

O empresário lamenta não poder receber o Brazil Journal na sede da SSA, em Itaberaí. Em função do caso de gripe aviária no Rio Grande do Sul, o frigorífico em Goiás adotou o protocolo sanitário de não receber visitantes – nem na área corporativa.

Aos 67 anos, Zé Garrote é uma dessas figuras dos rincões do Brasil que transformaram ambição em prosperidade. (Ele gosta de lembrar que teve que empenhar três vezes seu patrimônio para construir a empresa.) 

Na primeira vez, em 1981, Zé vendeu as duas farmácias herdadas do pai em Itaberaí, onde nasceu, para ser sócio do sogro numa granja. Uma década depois, investiu tudo o que tinha para abrir um abatedouro e criar a marca Super Frango. A terceira ousadia foi a construção de uma fábrica de ração em 1997.

Desde que criou o frigorífico, Zé Garrote acumula 34 anos seguidos de crescimento na pessoa jurídica. No ano passado, a SSA faturou quase R$ 4 bilhões e reportou lucro líquido de R$ 436 milhões, um crescimento de quase 150% em relação ao ano anterior.

Passados quatro anos do IPO frustrado, o sonho da Bolsa continua latente no empresário –  mas a janela de mercado segue fechada. 

“Para ser sincero, eu gostaria que tivesse dado certo naquela época. Eu acredito que teria sido bom. Era um problema a menos e era um passo que já teria sido vencido”, lembra Zé.

Agora como chairman da empresa, Zé não está mais no dia a dia da companhia – ou pelo menos, tenta não estar. Seu filho, Hugo Perillo, assumiu o cargo de CEO quando a empresa decidiu adotar os padrões de companhia aberta, antes mesmo de se tornar uma, no final de 2020.

Depois de 40 anos à frente do negócio, Zé reconhece que não é fácil o processo de desapego. 

“É o Zé Garrote brigando internamente com o Zé Garrote,” diz. “Mas é bom que eu esteja um pouco afastado e deixe ele (Hugo) cometer os erros e os acertos. Se vejo alguma coisa que não é do meu entendimento, converso com ele no papel de pai, não como gestor.”

07 24 Hugo Perillo okAos 41 anos, Hugo passou boa parte da carreira dentro da SSA se preparando para assumir a liderança da empresa. O processo sucessório começou bem antes, com a contratação da consultoria de Renato Bernhoeft, especialista em orientar herdeiros, para ajudar Hugo e suas duas irmãs, que também trabalham na empresa. 

“Não queria ser um executivo familiar que está ali usando a empresa como cabide de emprego. Queria cumprir meu papel com competência e legitimidade,” conta Hugo, que foi fazer MBA em gestão na Califórnia como parte do processo sucessório. 

Para o CEO, foi justamente a evolução organizacional da empresa nos últimos 15 anos que permitiu o crescimento da SSA e a aproximação com o mercado financeiro.

Desde 2020, a empresa emitiu três séries de Certificados de Recebíveis do Agronegócio, os CRAs, no total de R$ 450 milhões. Por ora, Hugo acredita que o caixa confortável dispensa buscar recursos no mercado (já Zé acredita que haverá uma nova emissão no final de 2025 ou início de 2026).

“Somos uma empresa com rating duplo A+, com uma estrutura de compliance sólida e uma governança no padrão do mercado de capitais, apesar da gente não ter ido para o mercado,” conta Hugo.

Aos olhos da Faria Lima, a principal fragilidade da companhia é atuação operacional restrita em Goiás. São duas unidades, uma em Itaberaí e outra em Nova Veneza – a menos de 80 quilômetros de distância entre uma e outra –  que, juntas, fazem o abate de 540 mil aves por dia. 

Em tempos de gripe aviária rondando o Brasil, a concentração das operações é um risco que pode custar caro, caso algum foco da doença surja nas proximidades. 

Desde sua fundação o crescimento da SSA esteve ancorado na expansão orgânica, com aumento de abate de aves e na fabricação de alimentos industrializados nas unidades já existentes.

Com 8.400 funcionários, a empresa está investindo R$ 100 milhões para ampliar o abate e a desossa de frangos na unidade de Nova Veneza, inaugurada em 2020. É também ali que a empresa considera uma nova expansão industrial. 

Ao contrário de seus concorrentes, que têm diversificado a atuação em proteínas (como a recente entrada da JBS na Mantiqueira, a maior produtora de ovos do País), a SSA pretende ampliar sua participação apenas no frango, além de crescer em industrializados, como embutidos, empanados e massas, que equivalem a 17% do faturamento.

Com baixo endividamento e uma alavancagem de 0,8x EBITDA, Zé sinaliza que está confortável com a dinâmica de crescimento, mas não descarta aquisições. “Caso surja alguma possibilidade de M&A, a gente está disposto a conversar.”

Hoje Zé dedica boa parte de seu tempo à pecuária e criação de aves. No caso de bovinos, o empresário deve entregar este ano 30 mil cabeças de gado para a JBS. No caso das aves, é fornecedor integrado da empresa que ele mesmo criou. “Sinto na pele o que os nossos fornecedores sentem.”

(Assista aos principais trechos da entrevista no vídeo acima.)