Depois de antagonizar o mercado com um reajuste tarifário frustrante, o Governo do Paraná está prestes a dar um tiro no outro pé.
Liderados pela XP Gestão, um grupo de acionistas minoritários da Sanepar, incluindo os maiores investidores institucionais da companhia, exige mudanças na governança da empresa para concordar em converter suas ações PN em ordinárias – uma condição para que o Estado possa vender suas próprias ações.
Na prática, os investidores querem o saneamento básico: blindar a Sanepar do uso político, principalmente na forma de controle de preços por parte deste e dos próximos governos estaduais.
A Sanepar era um ‘case’ de estatal que encontrou Jesus, até a agência reguladora do Estado (tida como subordinada ao Governo) colocar a fé do mercado à prova.
O reajuste tarifário de 25%, concedido em março, marcou o fim da lua de mel dos investidores com a companhia. O percentual veio em linha, mas o prazo de parcelamento – de oito anos em vez dos quatro usuais – jogou a maior parte da conta para o mandato do próximo governador. A ação derreteu na Bolsa e enfureceu o mercado.
Agora, quem está com a faca e o queijo na mão são os minoritários.
O Governo do Paraná precisa da conversão para formar units e viabilizar uma oferta na qual pretende se desfazer do excedente do controle da empresa de saneamento, numa operação pode levantar R$ 500 milhões a preços de hoje.
O Estado tem 90% das ações ordinárias e quer ficar apenas com 60%, o mínimo exigido pela Constituição estadual. Mas, para isso, precisa de liquidez: as ONs têm pouquíssimo giro e negociam com desconto. Para não deixar dinheiro na mesa, o controlador propôs a conversão de ações em units, que seriam compostas por uma ON e quatro PNs.
A proposta é que as ações sejam convertidas na proporção de um para um – apesar de as PNs serem mais líquidas e pagarem 10% a mais de dividendos.
Os minoritários dizem não fazer questão do prêmio.
“O ótimo é inimigo do bom”, diz um gestor que faz parte do grupo que está discutindo com a empresa. “É claro que o prêmio seria justo, mas se eles acatarem nossas propostas, o próprio mercado vai dar esse prêmio na forma de re-rating das ações”.
O movimento ativista na Sanepar veio à tona com a carta mensal da XP Gestão, divulgada na semana passada.
“Nos últimos três meses, temos trabalhado em conjunto com um grupo relevante de acionistas da companhia, analistas de mercado e advogados para elaborarmos uma agenda positiva com pontos simples de serem solucionados e que poderiam facilmente levar o mercado a ter uma melhor percepção de riscos associados à companhia e consequentemente trazer benefícios aos stakeholders”, diz a carta. As propostas foram apresentadas à empresa em reuniões nos dias 20 e 21 de julho.
Por enquanto, a única garantia oferecida pela companhia foi a inclusão de uma cláusula no estatuto para “assegurar a observância dos regulamentos vigentes expedidos pela agência reguladora do Paraná”.
Os ativistas querem que esta cláusula seja acompanhada de um dispositivo obrigando que qualquer alteração em seu texto seja submetida ao representante dos minoritários no conselho – a única forma de evitar que ela seja retirada do estatuto de maneira tão fácil como pode entrar.
O free float da Sanepar está concentrado nas mãos de gestoras brasileiras. Detentores de cerca de 30% das ações preferenciais – praticamente todos os institucionais relevantes no papel – estão alinhados.
Um dos pleitos é a melhoria da área de relações com investidores. Ninguém na equipe fala inglês. Mas mais que um RI bilíngue, os minoritários querem que a companhia fale a língua do mercado.
Os preferencialistas exigem clareza nos parâmetros estabelecidos pela Agepar, a agência reguladora. Demandam uma fórmula precisa sobre como se dará esse repasse, em vez do texto amplo (e sujeito a judicializações) da nota técnica, além de cálculos detalhados da receita diferida (o quanto a empresa deixa de ganhar por ano com o adiamento do repasse).
Completando a lista, os minoritários querem um assento no comitê técnico, que define o plano de negócios da companhia e hoje tem apenas representantes do controlador, e a inclusão de uma cláusula estabelecendo o pagamento pelo menos 50% do lucro em dividendos. Apesar de a empresa costumar distribuir metade do lucro, o estatuto hoje segue a Lei da S.A.s e estabelece o 25% como mínimo.
Na sexta-feira, uma assembleia de acionistas vai ratificar a proposta feita pela administração para a conversão de units. Trata-se de uma etapa apenas burocrática: na posição de controlador, o Estado, na prática, vai dar aval a sua própria proposta. A dúvida é se vai acomodar o pleito dos minoritários.
O diálogo com a empresa continua aberto – e nada como uma crise fiscal dramática para forçar o óbvio.
Depois da assembleia, abre-se o prazo para a conversão, quando os minoritários farão valer seu poder. “Que incentivo eu tenho hoje para converter as ações?”pergunta um acionista. ” Só vou facilitar para o Estado vender?”